Olá alunos,
A notícia de hoje ressalta que, a Operação Lava Jato tem adquirido
destaque diante do atual cenário político brasileiro, no qual a corrupção se
faz cada vez mais notória e a figura do Judiciário surge como uma saída para
extinção dessas práticas corruptas. Entretanto, o antropólogo Marcos Otavio
Bezerra analisa nessa entrevista concedida ao Carta Capital, que a Operação
Lava Jato é insuficiente para pôr fim à corrupção no país. Bezerra pondera que
o Poder Judiciário brasileiro carece de instrumentos para propor uma reflexão e
transformar as condições que fomentam o aparecimento de práticas corruptas em
nossa sociedade como um todo.
Esperamos que gostem e participem.
Joyce Borgatti e Palloma Borges.
Monitoras da disciplina “Economia
Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.
A Operação Lava Jato ganhou
notoriedade nos últimos meses por sua atuação contra grandes figuras do governo
e empresários, atingindo o ápice do furor coletivo em março, com a condução
coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a divulgação dos grampos na
noite anterior à nomeação de Lula para a Casa Civil.
Com isso, Sergio Moro, o juiz
responsável pela Lava Jato, ganhou status de herói e muitos enxergam no
magistrado e na operação a esperança de um fim definitivo da corrupção no País.
Para Marcos Otavio Bezerra,
professor da Universidade Federal Fluminense e autor do livro Corrupção:
Um estudo sobre poder público e relações pessoais no Brasil, a realidade é
outra.
Bezerra, antropólogo especializado
nas relações entre Estado, política e corrupção, avalia que o Judiciário não
tem aparato suficiente para transformar a estrutura que possibilita a
corrupção.
Carta Capital: A Operação Lava
Jato tem condições de acabar com a corrupção a longo prazo?
Marcos Otavio Bezerra: Não, com certeza a Lava Jato não vai acabar com a corrupção. Já deveríamos estar vacinados contra a expectativa de que uma ação pontual e espetacular como é a Lava Jato vá pôr fim à questão da corrupção, porque o Judiciário não tem instrumentos para propor uma reflexão e mudar as condições que favorecem o aparecimento das práticas corruptas.
Marcos Otavio Bezerra: Não, com certeza a Lava Jato não vai acabar com a corrupção. Já deveríamos estar vacinados contra a expectativa de que uma ação pontual e espetacular como é a Lava Jato vá pôr fim à questão da corrupção, porque o Judiciário não tem instrumentos para propor uma reflexão e mudar as condições que favorecem o aparecimento das práticas corruptas.
A maioria dos processos de investigação
de corrupção nestes moldes que já foram feitos no Brasil e em outros países não
funcionou. Um caso exemplar nesse sentido é a Operação Mãos Limpas na
Itália, em que a Lava Jato se inspira, e que não conseguiu encerrar a corrupção
no país.
O que vemos agora é o Judiciário
tomando a frente na investigação e publicando informações que, antes,
eram trazidas a público pelas CPIs e pela imprensa em reportagens
investigativas. E como a experiência já nos mostrou, não é a investigação de um
caso ou de determinados atores sociais que vai resolver a corrupção.
Isso é até um problema porque a cada
denúncia cria-se a expectativa de que a corrupção terá um fim assim que
terminarem as investigações. Anos depois a gente se depara com novas
investigações, isso cria uma frustração tremenda e dá a impressão de que a
corrupção voltou, quando em verdade ela nunca desapareceu.
CC: Pode acontecer
de surgir um "salvador da pátria” ou a corrupção ficar mais sofisticada
como aconteceu após a Operação Mãos Limpas na Itália?
MOB: Essa é sempre uma possibilidade. Para evitar isso, as instituições nacionais e o próprio Estado precisam refletir sobre o que favorece essas práticas, e debater o modo de funcionamento do sistema político e a relação do Estado com a sociedade e a forma como a própria sociedade lida com a administração pública.
MOB: Essa é sempre uma possibilidade. Para evitar isso, as instituições nacionais e o próprio Estado precisam refletir sobre o que favorece essas práticas, e debater o modo de funcionamento do sistema político e a relação do Estado com a sociedade e a forma como a própria sociedade lida com a administração pública.
CC: Que medidas
podem ser tomadas para evitar que a corrupção aconteça, em primeiro lugar?
MOB: Quando denunciam corrupção pública, estão dizendo "o Estado está sofrendo interferências econômicas, pessoais, familiares, e esse não é seu princípio fundante e não queremos que ele continue operando dessa forma", porque o Estado deve prezar pela imparcialidade, universalidade, e se sua legitimidade está assentada na ideia de atender o coletivo.
MOB: Quando denunciam corrupção pública, estão dizendo "o Estado está sofrendo interferências econômicas, pessoais, familiares, e esse não é seu princípio fundante e não queremos que ele continue operando dessa forma", porque o Estado deve prezar pela imparcialidade, universalidade, e se sua legitimidade está assentada na ideia de atender o coletivo.
No entanto, atualmente, as próprias
pessoas que denunciam e querem o Estado funcionando de outra forma também estão
investindo na desconstrução do mesmo, falando sobre Estado mínimo. E nisso vem
uma proposta liberal que investe na deslegitimação do Estado, funcionando como
uma espécie de justificativa para a privatização. Há concepções de sociedade
diferentes em jogo nessas denúncias.
Então as pessoas precisam ter uma
compreensão mais adequada do que significa a corrupção e debater essa questão.
E precisam ter clareza de que nos últimos anos isso virou, país afora, um
grande tema de acusações e denúncias, um verdadeiro instrumento de lutas
políticas, de acusações de um lado e de outro. Assim, as pessoas perdem a noção
do que estão falando e fazendo.
CC: E esse debate
político em torno da corrupção tem acontecido?
MOB: Não há um debate sério sobre a corrupção no Congresso Nacional, que deveria ter incorporado isso como um elemento da sua agenda desde as manifestações de 2013. Deveriam trazer propostas de reforma política, pois o sistema político é uma fonte extremamente importante das irregularidades que se observam.
MOB: Não há um debate sério sobre a corrupção no Congresso Nacional, que deveria ter incorporado isso como um elemento da sua agenda desde as manifestações de 2013. Deveriam trazer propostas de reforma política, pois o sistema político é uma fonte extremamente importante das irregularidades que se observam.
No plano da sociedade civil, tem
iniciativas interessantes, mas não é o caso, por exemplo, do Movimento Brasil
Livre e dessas entidades que hoje se organizam pela internet e estão à frente
de muitas das manifestações anticorrupção.
Ali não há espaço para debate nenhum, é
uma intervenção política, mas baseada em reação, não fazem ideia do que estão
falando ou do que está em jogo no momento em que levantam a bandeira
anticorrupção. É só uma reação a algo que os incomoda de fato, e com razão, mas
não é um engajamento no sentido de elaborar propostas, de ter medidas.
E acho que não há, inclusive, uma
reflexão sobre as suas próprias práticas cotidianas e sobre como elas agem
diante de um conjunto de regras que são públicas, coletivas e que têm no centro
a ideia do interesse comum.
É muito fácil acusar a alta corrupção,
mas as mesmas pessoas que estão de bandeira na rua são capazes de oferecer
dinheiro para um guarda, ao ser multado; são capazes de tentar fazer com que
seus processos andem mais rápido em uma repartição pública; contatam conhecidos
dentro das instituições quando querem ver seus problemas resolvidos mais
rapidamente; encontram os amigos no âmbito da Justiça quando querem ter
decisões favoráveis a seus interesses.
Há um conjunto de práticas cotidianas
que colocam em xeque essa relação com o interesse público e isso incomoda muito
pouco a maioria das pessoas. Não há uma descontinuidade entre essas práticas
cotidianas que são aceitas e muitas daquelas que são constitutivas daquilo que
se chama de corrupção.
Alguns estudos que fiz mostram que há
uma continuidade entre práticas da vida cotidiana legitimadas pela população e
o modo como elas estão dentro da administração pública. A corrupção talvez seja
menos de um grupo e mais da acepção e modo de lidar que o brasileiro tem com o
Estado.
CC: O STF autorizou prisões após condenação em segunda instância e
o Ministério Público Federal propôs as "10 Medidas Contra a Corrupção".
Como o senhor enxerga essas ações?
MOB: Creio que o ponto central é que a lei é importante, mas não podemos esquecer que ela não funciona sozinha. O Judiciário é composto por pessoas e elas podem intervir – como vêm intervindo – no modo como essas leis são lidas e aplicadas.
MOB: Creio que o ponto central é que a lei é importante, mas não podemos esquecer que ela não funciona sozinha. O Judiciário é composto por pessoas e elas podem intervir – como vêm intervindo – no modo como essas leis são lidas e aplicadas.
As elites econômicas e políticas têm
uma forte capacidade de lidar e de intervir no modo como a legislação vai ser
interpretada. Elas participam da formulação dessas leis, o Congresso regula
sobre ele mesmo, e os grandes interesses empresariais têm um poder forte de
intervir na produção delas.
Esses grupos têm recursos econômicos
que permitem contratar grandes juristas, e isso interfere em como essa
legislação vai ser aplicada. A simples lei não resolve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário