Olá
alunos,
Em Porto Alegre, Richard Sennett e Saskia Sassen tentam explicar por
que crise não produz rebeldia. Para eles, sistema ainda ilude, ao dissolver
redes de colaboração prometendo, em troca, autonomia. A postagem de hoje visa
trazer maiores esclarecimentos sobre tal cenário atual.
Esperamos que gostem e
participem.
Joyce Borgatti e
Palloma Borges
Monitoras da disciplina
“Economia Política e Direito” da Universidade Federa Fluminense.
Quando eclodiu a
crise financeira de 2007-2008, o sociólogo Richard Sennett acreditou que as
pessoas iriam se rebelar contra as atitudes e o funcionamento do sistema
financeiro internacional ,
responsável por rombos e falências cujas repercussões ainda estão presentes na economia mundial. Mas as pessoas
não se comportaram da maneira que supôs que iria acontecer. O que teria
acontecido? O professor da Universidade de Nova York e da London School of
Economics iniciou sua participação no Fronteiras do Pensamento, na noite desta
segunda-feira (24/8), no Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), expondo essa expectativa frustrada e a perplexidade que se seguiu
a ela. “Fiquei intrigado com a crise de 2007-2008. Por que as pessoas não
estavam se rebelando contra ela?” – assinalou.
As
reflexões de Sennet apontaram dois motivos centrais para que isso acontecesse.
Em parte, afirmou, as pessoas não se rebelaram porque deixaram de acreditar na
ação cooperativa e colaborativa. Uma das evidências desse fenômeno foi a
redução da participação de trabalhadores em sindicatos. “A nova economia,
neoliberal, enfatiza muito a autonomia e não a colaboração. As pessoas não
ficam no mesmo emprego por muito tempo, não desenvolvem laços mais permanentes
e não se associam com outras pessoas”, observou Sennett. Havia, portanto,
razões ligadas à estrutura de funcionamento da economia para explicar a baixa
participação.
A
corrosão do caráter e da colaboração
Em
parte, esse diagnóstico já está presente em seu livro “A Corrosão do Caráter:
Consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo” (1998, publicado no Brasil pela
Record), onde Sennett argumenta que o ambiente de trabalho dessa nova economia,
com ênfase na flexibilidade e no curto prazo, inviabiliza a experiência e
narrativas coerentes sobre a própria vida por parte dos trabalhadores, o que,
por sua vez, impediria a formação do caráter. No novo capitalismo, não haveria
lugar para coisas antiquadas como lealdade, confiança, comprometimento e ajuda
mútua. De 1998 para 2015, muita coisa aconteceu, mas a julgar pela reflexão que
Sennett fez nesta segunda-feira em Porto Alegre sobre a possibilidade das
cidades seguirem sendo espaços para se “viver juntos”, o déficit desses valores
e princípios só se agravou.
Um indicativo desse
agravamento apareceu no segundo motivo apresentado pelo autor para tentar
entender a não revolta das pessoas diante da crise provocada pelo sistema
financeiro altamente desregulamentado. Sennett pesquisa há algum tempo a vida
em comunidades carentes de cidades como Nova York e Paris. Na década de 80,
relatou, estudou uma comunidade deste tipo na capital francesa e constatou que
havia muito espírito de colaboração e cooperação entre seus moradores. “Hoje”,
constatou preocupado, “isso também está desaparecendo”. “As pessoas passaram a
viver em compartimentos, sem esse espírito de colaboração. Não sou sociólogo
político, meu foco sempre foi a vida social dos indivíduos, mas o que me chama
a atenção é que a ideia de interdependência está desaparecendo. A ideia de que
preciso do outro para viver, de que é importante fazer parte de um grupo, tudo
isso está desaparecendo”, afirmou.
A
ausência de destino compartilhado
“Algo
está errado com a nossa sociedade”, acrescentou Sennett, “com o modo como
estamos tratando a questão da cooperação. O novo capitalismo está dissolvendo
esses laços”. Ou, como o autor em seu livro de 1998: “Esse é o problema do
caráter no capitalismo moderno. Há história, mas não narrativa partilhada de
dificuldades, e portanto tampouco destino compartilhado. Nestas condições, o
caráter se corrói e a pergunta “Quem precisa de mim?” não tem mais resposta
imediata.
Sennett não
apresentou nenhuma receita pronta para lidar com essa situação, mas apontou um
caminho que considera necessário para a recuperação da experiência do convívio
com o outro: a cooperação dialógica, termo tomado do linguista russo Mikhail
Bakhtin, que reivindica um tratamento participativo, diverso e múltiplo na
linguagem. Contra a dissolução da interdependência e a corrosão da cooperação,
Sennett defendeu a importância de nos tornarmos bons ouvintes, sensíveis à
fala, mas também aos silêncios e gestos do outro, de estarmos abertos às
ambiguidades e às diferenças. A cooperação envolve a capacidade de negociação
entre essas distâncias e diferenças, defendeu. O autor não detalhou como essa
postura comunicacional dialógica poderia enfrentar os mecanismos de dissolução
da interdependência alimentados diariamente pelo novo capitalismo.
Uma marca
da globalização: expulsar pessoas
Richard
Sennett dividiu o palco do Salão de Atos da UFRGS com sua esposa, a socióloga
holandesa Saskia Sassen, uma estudiosa dos impactos da globalização e das novas
tecnologias na vida das cidades e também dos processos de migração urbana que
ocorrem neste contexto. Para Saskia Sassen, as nossas cidades vivem uma crise
derivada, entre outros fatores, do processo de concentração de renda ocorrido
no mundo nas últimas três décadas. Ao longo dos últimos trinta anos, defende,
“houve perda de renda de metade da população mundial e tamanha concentração no
topo que simplesmente chegamos ao limite. É a explosão disso que estamos vendo
agora nas nossas cidades”. Em sua obra, Sassen defende que a globalização
permitiu às grandes corporações terem uma geografia global da produção e da
exploração, maximizando as possibilidades da velha lógica de obtenção do lucro,
com práticas como a da terceirização e da redução dos custos do trabalho.
Uma
das marcas características desse modelo, que se reflete na vida das cidades,
defende a socióloga holandesa, é expulsar pessoas. Essas práticas de expulsão
ocorrem de maneiras variadas: desemprego, expulsão de pequenos agricultores
para as periferias cidades, expulsão dentro das cidades por mega-projetos
imobiliários. Neste contexto, defende Saskia Sassen, as cidades têm que ser
vistas como algo diferente de uma área geográfica preenchida por grandes
construções. Fileiras de grandes prédios comerciais, estacionamentos e
shoppings centers não fazem de uma região uma cidade. “Isso não é uma cidade, é
apenas um terreno densamente construído”. Contra esses aglomerados de densas
construções, a socióloga cita o caso de Londres que tem mais de três de dezenas
de pequenos centros no seu espaço urbano.
Os
megaprojetos que desurbanizam as cidades
Para
Sassen, a existência dessas pequenas comunidades civiliza o espaço urbano e a
vida nas cidades. O que predomina hoje, porém, na maioria das nossas grandes
cidades, é uma relação predatória, dominada por megaprojetos imobiliários que
vão dissolvendo o tecido urbano e a vida em comunidade. “Esses megaprojetos, na
verdade, provocam desurbanização. São complexos, mas são sistemas incompletos
que tornam os espaços urbanos rígidos e repletos de áreas mortas”. Essas forças
que reduzem a vitalidade dos espaços urbanos, acrescentou, reduzem a
possibilidade de convivermos juntos nas cidades. Contra esse modelo de cidade
dominado por corporações e seus megaprojetos, Saskia Sassen defendeu a
construção de novas cidades, formadas por pequenos centros urbanos, com vida
comunitária própria.
Como
no caso dos caminhos indicados por Richard Sennett para a superação do problema
da dissolução da cooperação e do espírito de colaboração, as propostas
indicadas por Sassen pressupõem mudanças radicais no modo de funcionamento das
nossas cidades. Sem pretender oferecer respostas e caminhos definitivos, no
final de “A
Corrosão do Caráter”, Sennett define assim o que anima essa
necessidade de mudança:
“Que programas políticos
resultam dessas necessidades interiores, eu simplesmente não sei. Mas sei que
um regime que não oferece aos seres humanos motivos para ligarem uns para os
outros não pode preservar sua legitimidade por muito tempo”.
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