Olá alunos,
Com raras exceções, a desigualdade tem aumentado em todos os países do mundo. A desigualdade econômica produz diferenças em termos de oportunidades de vida, quem está na parte baixa da escada social tem grande desvantagem em termos de escolaridade, saúde, violência e expectativa de vida. A postagem de hoje busca analisar esse cenário e possíveis medidas para redução da pobreza e desigualdade.
Esperamos que gostem e participem.
Fellype Fagundes e Carlos Araújo Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Em um mundo angustiado pela crise econômica,
aprendemos que de março de 2009 a março de 2014, exatamente o período
considerado mais crítico, depois da bancarrota do Lehman Brothers, o
número de bilionários do planeta dobrou: eram 793 no começo do furacão e
agora somam 1.645. Os 85 mais ricos entre eles, no mesmo período,
incrementaram seus capitais em 668 milhões de dólares a cada dia e sua
renda equivale àquela de metade da população mundial, 3,5 bilhões de
outros seres humanos. Os dados constam, entre outras “pérolas”, do
recente estudo sobre a desigualdade no mundo, publicado pela Oxfam, rede
internacional de 19 ONGs que combatem a pobreza. Na sequência da
divulgação do relatório, originalmente chamado Even It Up: Time to end extreme inequality, foi lançada a campanha mundial de sensibilização “Equilibre o jogo”.
Crise é um termo utilizado no mundo
inteiro para descrever situações diferentes, mas com um denominador
comum, a desaceleração do crescimento das economias, que em média
superava os 4% anuais na década passada e hoje sofre para chegar perto
dos 3,5%. Para resolver os problemas provocados por esse recuo e retomar
o ritmo anterior, os defensores do atual sistema econômico-financeiro
indicam um caminho único, a ampliação do espaço da iniciativa privada em
detrimento do setor público, com corolário de cortes nos gastos sociais
e intensificação da produtividade no trabalho. Em outras palavras,
salários mais baixos para criar produtos mais baratos. Essa receita,
baseada numa visão brutalmente quantitativa do bem-estar da humanidade e
sem nenhuma atenção à equilibrada convivência social, é rotundamente
recusada pela Oxfam. Com riqueza de informações e análises, a
desigualdade é descrita sob diversos aspectos, e o estudo chega à
conclusão de que essa praga contemporânea não só é contrária a uma ética
humanista, mas também a causa fundamental da crise econômica em curso.
O primeiro mito
que o relatório se encarrega de derrubar é aquele que considera natural a
desigualdade entre os seres humanos. Melhor se concentrar na redução da
pobreza, afirmaram os liberais a partir da Revolução Industrial, pois a
compaixão é a única maneira de mitigar a lei natural que
inevitavelmente produz as diferenças. Mas a desigualdade excessiva tem
comprometido o combate à pobreza, apesar dos bons resultados conseguidos
nesse campo até o início dos anos 80 do século passado. O abismo entre
ricos e pobres nas últimas três décadas, demonstra a pesquisa, tem clara
correlação com a baixa mobilidade social. Em outros termos, nos países
em que o fenômeno é mais acentuado, quem nasce rico fica rico, quem
nasce pobre não tem outra alternativa além de permanecer pobre. A
esperança de uma vida melhor, na evolução entre pais e filhos, é banida
do horizonte de bilhões de seres humanos.
Com raras exceções, a desigualdade tem
aumentado em todos os países do mundo. Caso particularmente emblemático,
a Oxfam calcula que até na África do Sul a desigualdade é hoje maior do
que no período do Apartheid. Com base em dados de 2013, 7 de
cada 10 habitantes do mundo vivem em países em que a desigualdade
econômica é maior do que há 30 anos.
O enriquecimento desmedido de um número
restrito de indivíduos, a depender dos países, encolheu ou limitou o
crescimento da classe média, comprometendo a sua capacidade de gasto e,
em última análise, o motor do crescimento mundial. Desde 1990, a
participação do trabalho na composição do PIB mundial é constantemente
decrescente. O ataque ao valor e à dignidade do trabalho é
particularmente acentuado nos países mais pobres, mas também ocorre nas
nações ricas. Por consequência, o PIB mundial é composto por uma
porcentagem crescente do capital, que se autoalimenta cada vez mais da
especulação financeira.
As 150 páginas da pesquisa, com
amplíssima bibliografia, demonstram que a desigualdade extrema também
está associada à violência. A América Latina, a região mais desigual do
mundo do ponto de vista econômico, reúne 41 das 50 cidades mais
violentas do planeta e registrou 1 milhão de assassinatos entre 2000 e
2010. Países desiguais são lugares perigosos para viver, e a insegurança
afeta tanto ricos quanto pobres.
A desigualdade econômica produz
ainda diferenças em termos de oportunidades de vida. Quem está na parte
baixa da escada social tem grande desvantagem em termos de escolaridade,
saúde e expectativa de vida. A Oxfam demonstra com dados e gráficos que
a “pobreza interage com desigualdades econômicas e de outros tipos para
criar ‘armadilhas de desvantagens’ que empurram os mais pobres e
marginalizados para o fundo – e os mantêm lá”. E a globalização da
economia aumentou consideravelmente o número de super-ricos nos países
em desenvolvimento e emergentes. Na África Subsaariana, 16 bilionários
convivem com 358 milhões em pobreza extrema.
No atual cenário, o Brasil, que nos
últimos 12 anos tirou da pobreza dezenas de milhões de indivíduos, é
citado várias vezes no relatório como positiva exceção por ter agido na
contracorrente mundial, mas também como exemplo de uma desigualdade
ainda gravíssima que afeta as perspectivas de resgate econômico e de
pacificação nacional. É extremamente fácil evidenciar a imediata
correspondência entre o aumento de 50% no valor do salário mínimo entre
1995 e 2011 e a redução da pobreza e desigualdade no País.
Como exemplo oposto, dados de 40 países europeus e
latino-americanos revelam que a capacidade redistributiva de um bom
sistema fiscal, combinada com gastos sociais bem-focados, pode reduzir
as disparidades de ingressos produzidas pelo mercado. A Finlândia e a
Áustria conseguem reduzir pela metade essa desigualdade por meio de
impostos, enquanto o sistema fiscal e o gasto social brasileiro a
limitam de maneira insignificante.
O relatório da Oxfam não se
restringe à análise da situação de fato, mas identifica as causas que
provocaram a absurda desigualdade atual: o fundamentalismo de mercado e a
captura do poder pelas elites econômicas. A ideologia neoliberal, que
continua dominante, apesar das contradições que suscitou, segue a
impulsionar as diferenças, que não poderão ser reduzidas enquanto os
países forem forçados a engolir remédios como a desregulamentação
financeira, a austeridade fiscal, as privatizações, a redução de
programas sociais ou o corte de impostos para os ricos. Por outro lado,
como em um círculo vicioso, o dinheiro compra a influência e o poder
político, tanto nos países ricos quanto nos pobres.
Para “reequilibrar o jogo”, a Oxfam identifica uma série
de medidas específicas que, acrescentamos, não poderão ser alcançadas
com base em alguma milagrosa fulguração de bondade da parte de quem hoje
dirige o jogo, mas apenas à medida que as relações de força e de poder
entre as minorias ricas e as maiorias pobres se inverterem. O mérito do
relatório é demonstrar implicitamente que a batalha deve ser combatida
em cada lugar de trabalho e em cada país, mas, para ser vencida, deve
incluir um pensamento e uma ação global de todas as vítimas da
desigualdade e de todos os seus aliados de boa vontade. Se a economia e a
riqueza do mundo são globalizadas, a resposta para redistribuir deve
ter a mesma escala. O nacionalismo é uma ferramenta arcaica. O que hoje
precisamos é de um novo internacionalismo.
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