Olá alunos,
Durante as recentes manifestações ocorridas no país, os gastos referentes à Copa do Mundo sediada no Brasil em 2014 foram alvo de severas críticas. Entretanto, nem sempre resta claro de que modo tais gastos são financiados e quais serão os seus impactos.
Lucas Dadalto e Silvana Gomes
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Alguns
manifestantes chegam a defender um boicote ao evento em protesto contra o que
consideram um desperdício de recursos públicos. Para eles, as entidades
governamentais deveriam estar investindo em educação e hospitais os bilhões
usados para construir estádios e outras obras ligadas ao evento. O
ex-jogador e deputado Romário engrossou o coro em um vídeo que se tornou viral
na internet, no qual ataca a Fifa e alega que a Copa brasileira custará cerca
de três vezes mais do que as anteriores - número contestado pelo Comitê Gestor
da Copa do Mundo de 2014, o CGCopa.
"A África do Sul teve um gasto de R$ 7,7
bilhões de reais, o Japão de R$ 10,1 bilhões, a Alemanha de R$ 10,7 bilhões e o
Brasil já está em R$ 28 e alguma coisa (bilhões). Ou seja, desculpe a expressão,
mas que sacanagem. É sacanagem com o dinheiro do povo. Falta de respeito e
escrúpulos", disse o deputado.
As autoridades envolvidas na organização da Copa se
defendem alegando que muitos desses bilhões na realidade serão gastos em obras
de infraestrutura e mobilidade urbana que precisavam ser realizadas com ou sem
o torneio.
A presidente Dilma Rousseff também garantiu, em
discurso em rede nacional, que nem um centavo do orçamento foi usado em
estádios. Mas isso não quer dizer que não tenham sido usados recursos públicos
em tais obras.
O BNDES financiou boa parte dos estádios com linhas
de crédito a juros subsidiados – e, em muitos casos, os empréstimos foram
tomados por governos estaduais, que terão de pagar o banco também com dinheiro
público.
Além disso, os estádios contam com isenções fiscais
dentro do programa Recopa.
Em meio a uma guerra de acusações e números, a BBC
entrevistou autoridades e especialistas para tentar desatar os nós dessas
polêmicas, explicando, afinal, quem paga pelas obras da Copa, em que condições
- e com quais recursos:
1) Quanto
custará a Copa no Brasil?
A previsão atual do comitê organizador é que sejam
investidos em obras relacionadas a Copa um total de R$ 28,1 bilhões.
Aí estão incluídos 327 projetos
que vão desde obras de infraestrutura básica, como aeroportos e corredores
exclusivos para ônibus, até gastos diretamente ligados ao torneio de futebol. Do
total, R$ 7,5 bilhões serão gastos em estádios; R$ 8,9 bilhões em obras de
mobilidade urbana; R$ 8,4 bilhões em aeroportos e R$ 1,9 bilhão em segurança. O
restante será investido em desenvolvimento turístico, portos e
telecomunicações.
Tais
obras fazem parte do que o governo chamou de "Matriz de
Responsabilidade" da Copa e podem ser conferidas no Portal Transparência,
mantido pela Controladoria Geral da União (CGU), embora alguns dados estejam
desatualizados.
2) Foi a Copa mais cara da história?
A comparação entre países é
complicada por uma série de razões, como explicou para a BBC Brasil Holger
Preuss, Professor de Economia do Esporte na Universidade Johannes
Gutenberg-University, na Alemanha, que estudou o impacto econômico das duas
últimas Copas.
Para
começar, nem sempre os governos realizadores dos eventos disponibilizam seus
gastos. "E mesmo que o façam, a prestação de contas não é padronizada, o
que dificulta a comparação", diz Preuss.
Recentemente,
a Rússia anunciou que seus gastos para o evento de 2018 devem ficar em mais de
R$ 35 bilhões, por exemplo – e no caso russo, a lista de projetos também inclui
obras de infraestrutura básica e mobilidade urbana.
Segundo
a assessoria de imprensa do deputado Romário, os dados citados pelo jogador no
vídeo mencionado acima constavam em um editorial de jornal.
"É
preciso ver quais obras foram incluídas nos gastos de outros países. No caso do
Brasil, o valor ficou alto porque incluímos essas obras de infraestrutura e
mobilidade urbana que iriam ser feitas com ou sem Copa e ficarão como um legado
para a população", diz Luís Fernandes, secretário-executivo do ministério
dos Esportes e integrante do CGCopa.
"De
fato, é preciso muito cuidado para evitar uma comparação entre maçãs e
bananas", concorda o especialista em Gestão, Marketing e Direito no
Esporte Pedro Trengrouse, da FGV. "Muitas dessas obras só foram
catalisadas pela Copa. Não há dúvida de que precisávamos de mais aeroportos,
por exemplo. Só o aeroporto de Atlanta, nos EUA, tem mais fingers (passarelas
móveis usadas para o embarque de passageiros) do que todos os aeroportos do
Brasil juntos".
É claro que isso não quer dizer
que os custos de algumas obras específicas não possam ser contestados – nem que
não haja exageros de gastos, irregularidades ou superfaturamento em algumas, ou
muitas, delas.
Muitos
especialistas contestam, por exemplo, a construção de estádios imensos em
lugares que parecem não ter público ou clubes suficientes para manter a
ocupação de tais estruturas após o evento. Entre eles estariam o estádio
construído em Brasília, que tem capacidade para 71 mil pessoas e custou R$ 1,2
bilhão. E o de Manaus, que abrigará 44 mil torcedores e custou R$ 583 milhões
(segundo o Portal Transparência).
As
empresas e Estados envolvidos nos projetos alegam que a adequação das obras ao
padrão Fifa ajuda a encarecê-las. Mas organizações da sociedade civil exigem
mais explicações e transparência sobre essas escolhas.
Segundo
o conselheiro Fabiano Silveira, do Conselho Nacional do Ministério Público, uma
das questões que o MP está investigando com atenção são os custos de estruturas
temporárias – as barracas que ficam em volta dos estádios para abrigar centros
de credenciamento, receber pessoal da Fifa e etc. Em alguns Estados, os custos
de tais estruturas chegariam a dezenas de milhares de reais, o que parece um
exagero na avaliação do conselheiro.
"Também
não há como negar que questões como corrupção e ineficiência podem encarecer
alguns projetos", diz Preuss, para quem o problema não é gastar muito, mas
como garantir, que, em cada caso, os recursos estejam sendo usados da maneira
mais eficiente possível.
3) Quem paga pelas obras da Copa?
Cerca de um terço do valor das
obras (R$ 8,7 bilhões) está sendo financiado por bancos federais – Caixa
Econômica Federal, BNDES e BNB (Banco do Nordeste do Brasil).
Boa
parte desses empréstimos é tomada pelos próprios governos estaduais, sozinhos
ou em parcerias com o setor privado (PPPs), embora alguns empréstimos também
sejam contraídos por entes privados (como os R$ 400 liberados pelo BNDES para o
Corinthians construir o Itaquerão).
Além disso, as obras da Matriz
de Responsabilidade da Copa também consumirão R$ 6,5 bilhões do orçamento
federal e R$ 7,3 bilhões de governos locais (estaduais e municipais). Dos R$
28,1 bilhões, apenas R$ 5,6 bilhões serão recursos privados (que se concentram
principalmente nos aeroportos).
4) E pelos estádios?
Os bancos federais financiaram
cerca de metade dos R$ 7,5 bilhões gastos em arenas para a Copa. Apenas R$ 820
milhões foram financiados com recursos privados (segundo valores da CGU, que
diferem um pouco de um levantamento do Tribunal de Contas da União). O restante
dos recursos foi aportado por governos locais, principalmente estaduais. Na
Alemanha, Preuss conta que os recursos públicos financiaram apenas um terço dos
1,5 bilhão de euros gastos em estádios.
Segundo
o secretário federal de Controle Interno da Controladoria-Geral da União,
Valdir Agapito, dos 12 estádios, 4 são públicos e foram, ou estão sendo
construídos ou reformados pelos governos estaduais (Brasília, Manaus, Rio de
Janeiro e Cuiabá – apesar de o Maracanã, no Rio, estar prestes a ser entregue
para exploração pelo setor privado), 5 estão a encargo de esquemas de Parcerias
Publico Privadas, ou PPPs, (Salvador, Natal, Fortaleza, Recife e Belo
Horizonte) e 3 são privados (Curitiba, Porto Alegre e São Paulo).
5) Como os governos pretendem
recuperar esse dinheiro?
No caso
das PPPs, os estádios serão entregues para exploração pelo setor privado, e o
retorno que obtiverem com jogos e uso dessas estruturas em shows e grandes eventos
seria usado para ajudar a pagar os empréstimos aos bancos federais.
No caso
do Rio, um consórcio formado pela empreiteira Odebrecht, a empresa IMX, do
empresário Eike Batista, e a companhia de origem americana AEG venceu em maio a
licitação que determinaria o responsável pela administração do estádio do
Maracanã pelas próximas três décadas. As condições da concessão e a licitação,
porém, abriram uma série de polêmicas.
Os três
estádios públicos serão administrados pelos próprios Estados. Ainda há dúvidas
sobre a rentabilidade de algumas arenas em capitais menos populosas no longo
prazo. O medo é que elas se tornem "elefantes brancos". A
rentabilidade das concessões ao setor privado para os Estados também é
contestada por alguns movimentos da sociedade civil.
6) Como a Fifa lucra com o evento?
A Fifa lucra com os contratos
de transmissão dos jogos, de marketing e com os patrocinadores. Ela tem seis
patrocinadores fixos (Adidas, Coca-Cola, Emirates, Hyundai, Sony e Visa) e
contratos exclusivos para a Copa (no caso do Brasil, já são 14).
Além
disso, a entidade não precisa pagar impostos no Brasil - privilégio também
garantido em outros Mundiais.
"A
Fifa faz uma festa privada e se você quiser que essa festa seja na sua casa,
precisa aceitar as condições da entidade", diz Preuss. "A verdade é
que ela não está comprometida com o desenvolvimento econômico dos países que
sediam as Copas. A princípio é uma entidade sem fins lucrativos, mas cujo
compromisso é com a promoção do esporte – e particularmente do futebol - no
mundo."
Segundo
Silveira, do Conselho Nacional do Ministério Público, a Fifa também mantém
convênios com hotéis dos quais cobraria uma porcentagem sobre a hospedagem – em
um esquema cujos efeitos sobre os preços estariam sendo analisados pelo MP.
7) Quanto foi comprometido em isenção
fiscal?
Aprovado em 2010, o Regime
Especial de Tributação para Construção e Reforma de Estádios da Copa, programa
conhecido como Recopa, garante a desoneração de impostos como IPI, PIS/ Pasep e
Cofins, além de tarifas de importação, na aquisição de equipamentos e contratação
de serviços para a construção de estádios do mundial.
Agapito,
da Controladoria Geral da União, diz não ter tido acesso ao dado de quanto foi
desonerado. Segundo Luís Fernandes, do CGCopa, o levantamento ainda está sendo
feito. De acordo com uma auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União), porém,
as isenções de impostos federais concedidas às construtoras responsáveis pelos
estádios da Copa somariam R$ 329 milhões.
No caso
das isenções para a Fifa, estima-se que o total desonerado ficaria em torno de
R$1 bilhão.
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