Olá alunos,
A postagem de hoje foi uma sugestão do aluno Daniel Tofahrn, da turma P1, e traz luz ao problema do enfraquecimento da democracia, mostrando como alguns fenômenos econômicos estão envolvidos nesse processo. Essa questão foi tratada pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos em uma conferência ocorrida no Palácio do Planalto.
Agradecemos a indicação do aluno Daniel e contamos com a participação de todos.
Esperamos que gostem.
Lucas Dadalto e Silvana Gomes
Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense
Com os olhos miúdos, atrás das lentes dos
óculos, fixos na plateia que lotou o auditório do anexo do Palácio do Planalto,
o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos deu o alerta: “a democracia
está em perigo”. Aos 72 anos, cabelos brancos, e uma trajetória de quatro
décadas de estudos que o tornou um dos estudiosos da democracia mais
respeitados do planeta, tratou logo de esclarecer. “Isso pode parecer estranho
em um mundo onde a democracia é cada vez mais hegemônica, mas ela entra pela
porta transversa e, com um autoritarismo gradual, vai minando direitos”, disse.
Ao lado do reitor José Geraldo de Sousa Junior, com quem compartilha debates desde o final dos anos 1970, e de representantes da Presidência da República e do Conselho Nacional de Saúde, organizadores da conferência Colóquio Interconselhos, Boaventura de Sousa Santos resumiu seu raciocínio em uma frase. “O que está a se passar é a suspensão da democracia”, disse. “A especulação financeira fez com que o Estado se desorganizasse. O Estado não pode intervir muito na saúde, na educação, porque está preso a uma lógica de mercado. As reformas estruturais estão a ser adiadas. O Estado está tão reacionário, tão oligárquico quanto antes. O capitalismo só quer a democracia se ela lhe der lucros. A democracia tem de ser distributiva.”
Para elucidar a afirmação, o teórico tomou como exemplo a crise europeia. “O que está acontecendo é o empobrecimento da Europa. Cortes salariais, cortes nas pensões, cortes nos direitos essenciais, cortes nos serviços públicos, privatização, da saúde, da água, com consequentes ataques aos imigrantes. Já vimos tudo isso nos outros continentes, e é desta aprendizagem recíproca que podemos ganhar alguma coisa”, ensinou.
Boaventura de Sousa Santos atribui os acontecimentos a uma certa “arrogância imperialista”, reforçada pela ideia de que há um grupo de países desenvolvidos e os demais são subdesenvolvidos. “Esse modelo fez com que se pensasse que o subdesenvolvimento era um estado inicial pelo qual todos os países teriam de passar para chegar a um estágio final, o desenvolvimento. Foi uma armadilha teórica muito bem feita, e que os cientistas sociais aceitaram de maneira acrítica, porque nunca se puseram a pensar nas suas verdadeiras origens, e nunca puderam ver com atenção o muito saber criado em continentes como África e Ásia sobre estes conceitos fundamentais”, analisou. “O que os fatos recentes, como a crise na Europa, nos mostram é que esta flecha do tempo, que vai do subdesenvolvimento ao desenvolvimento, deve ter tomado muita cachaça e deve estar louca, porque são os países desenvolvidos que estão a se subdesenvolver”, disse.
O raciocínio, apresentado com naturalidade e lucidez nesta quarta-feira, 13 de junho, abriu a fala do sociólogo em palestra assistida principalmente por representantes de conselhos, estudantes e professores universitários. Em aproximadamente 40 minutos, Boaventura ensinou aos gestores ali presentes como os conselhos representativos podem ser instrumentos para ampliar a democracia, garantir que ela se fortaleça em seu sentido original e se aprimore para um modelo mais participativo. “A democracia que temos não é falsa, é pouca, precisa de complementos que a reforcem”, recomendou. “A democracia não pode ser só representativa, mas participativa. Direitos não são quantidades, são relações”, reforçou José Geraldo. “No Brasil, construímos a democracia sem fazer algumas rupturas necessárias”, completou Maria do Socorro de Souza, representante do Conselho Nacional de Saúde e de outros 36 presentes no encontro.
Após as considerações iniciais, o sociólogo expôs os quatro argumentos com que mostra por que a democracia está em perigo:
Ao lado do reitor José Geraldo de Sousa Junior, com quem compartilha debates desde o final dos anos 1970, e de representantes da Presidência da República e do Conselho Nacional de Saúde, organizadores da conferência Colóquio Interconselhos, Boaventura de Sousa Santos resumiu seu raciocínio em uma frase. “O que está a se passar é a suspensão da democracia”, disse. “A especulação financeira fez com que o Estado se desorganizasse. O Estado não pode intervir muito na saúde, na educação, porque está preso a uma lógica de mercado. As reformas estruturais estão a ser adiadas. O Estado está tão reacionário, tão oligárquico quanto antes. O capitalismo só quer a democracia se ela lhe der lucros. A democracia tem de ser distributiva.”
Para elucidar a afirmação, o teórico tomou como exemplo a crise europeia. “O que está acontecendo é o empobrecimento da Europa. Cortes salariais, cortes nas pensões, cortes nos direitos essenciais, cortes nos serviços públicos, privatização, da saúde, da água, com consequentes ataques aos imigrantes. Já vimos tudo isso nos outros continentes, e é desta aprendizagem recíproca que podemos ganhar alguma coisa”, ensinou.
Boaventura de Sousa Santos atribui os acontecimentos a uma certa “arrogância imperialista”, reforçada pela ideia de que há um grupo de países desenvolvidos e os demais são subdesenvolvidos. “Esse modelo fez com que se pensasse que o subdesenvolvimento era um estado inicial pelo qual todos os países teriam de passar para chegar a um estágio final, o desenvolvimento. Foi uma armadilha teórica muito bem feita, e que os cientistas sociais aceitaram de maneira acrítica, porque nunca se puseram a pensar nas suas verdadeiras origens, e nunca puderam ver com atenção o muito saber criado em continentes como África e Ásia sobre estes conceitos fundamentais”, analisou. “O que os fatos recentes, como a crise na Europa, nos mostram é que esta flecha do tempo, que vai do subdesenvolvimento ao desenvolvimento, deve ter tomado muita cachaça e deve estar louca, porque são os países desenvolvidos que estão a se subdesenvolver”, disse.
O raciocínio, apresentado com naturalidade e lucidez nesta quarta-feira, 13 de junho, abriu a fala do sociólogo em palestra assistida principalmente por representantes de conselhos, estudantes e professores universitários. Em aproximadamente 40 minutos, Boaventura ensinou aos gestores ali presentes como os conselhos representativos podem ser instrumentos para ampliar a democracia, garantir que ela se fortaleça em seu sentido original e se aprimore para um modelo mais participativo. “A democracia que temos não é falsa, é pouca, precisa de complementos que a reforcem”, recomendou. “A democracia não pode ser só representativa, mas participativa. Direitos não são quantidades, são relações”, reforçou José Geraldo. “No Brasil, construímos a democracia sem fazer algumas rupturas necessárias”, completou Maria do Socorro de Souza, representante do Conselho Nacional de Saúde e de outros 36 presentes no encontro.
Após as considerações iniciais, o sociólogo expôs os quatro argumentos com que mostra por que a democracia está em perigo:
Desorganização
do Estado
“A especulação financeira fez com que o Estado se desorganizasse. O Estado não pode intervir muito na saúde, na educação, porque está preso a uma lógica de mercado. As reformas estruturais estão a ser adiadas. O Estado está tão reacionário, tão oligárquico quanto antes. O capitalismo só quer a democracia se ela lhe der lucros. A democracia tem de ser distributiva.”
Esvaziamento da democracia
“A democracia está nas funções, mas não cumpre suas funções. O abismo entre representantes e representados nunca foi tão grande. Hoje na política, tudo se compra, tudo se vende, por isso a corrupção é uma chaga tão grande.”
Desvalorização do trabalho
“Nunca se trabalhou tanto e nunca se fizeram tantos muros para impedir a passagem de imigrantes. A desvalorização do trabalho é tão grande que começa a ser difícil distinguir trabalho pago de não pago. Não há distinção entre tempo livre e tempo do trabalho. A forma mais cruel do trabalho não pago é o tempo perdido procurando trabalho.”
Destruição da natureza
“Aqui bem perto, na Bolívia e no Equador, vemos a ação do capitalismo. É a mineralização a céu aberto, é a destruição dos territórios indígenas, é a destruição dos ecossistemas, é a explosão de montanhas para explorar minérios, com grande contaminação da água, essa é a outra face da chamada acumulação primitiva, e que, longe de ser uma forma de capitalismo, é uma constante de capitalismo. Muito do conhecimento técnico está relacionado com interesses de grandes empresas e serve a essa exploração. Tudo é representado de maneira técnica e fria. O valor do conhecimento é o valor do mercado do conhecimento.”
“A especulação financeira fez com que o Estado se desorganizasse. O Estado não pode intervir muito na saúde, na educação, porque está preso a uma lógica de mercado. As reformas estruturais estão a ser adiadas. O Estado está tão reacionário, tão oligárquico quanto antes. O capitalismo só quer a democracia se ela lhe der lucros. A democracia tem de ser distributiva.”
Esvaziamento da democracia
“A democracia está nas funções, mas não cumpre suas funções. O abismo entre representantes e representados nunca foi tão grande. Hoje na política, tudo se compra, tudo se vende, por isso a corrupção é uma chaga tão grande.”
Desvalorização do trabalho
“Nunca se trabalhou tanto e nunca se fizeram tantos muros para impedir a passagem de imigrantes. A desvalorização do trabalho é tão grande que começa a ser difícil distinguir trabalho pago de não pago. Não há distinção entre tempo livre e tempo do trabalho. A forma mais cruel do trabalho não pago é o tempo perdido procurando trabalho.”
Destruição da natureza
“Aqui bem perto, na Bolívia e no Equador, vemos a ação do capitalismo. É a mineralização a céu aberto, é a destruição dos territórios indígenas, é a destruição dos ecossistemas, é a explosão de montanhas para explorar minérios, com grande contaminação da água, essa é a outra face da chamada acumulação primitiva, e que, longe de ser uma forma de capitalismo, é uma constante de capitalismo. Muito do conhecimento técnico está relacionado com interesses de grandes empresas e serve a essa exploração. Tudo é representado de maneira técnica e fria. O valor do conhecimento é o valor do mercado do conhecimento.”
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