Olá alunos,
a postagem de hoje nos traz uma notícia a respeito do Welfare State que em muito tem a ver com a matéria estudada/que ainda será estudada por vocês, já que poderemos constatar muitas das idéias de Keynes por exemplo. O mesmo foi publicado na Carta Capital e foi assinado por diversos economistas. Espero que gostem.
Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense.
Um grupo de economistas formados pela Unicamp lançou nesta
terça-feira 23 um manifesto em prol do Estado de Bem Estar Social
(Welfare State) e contra a desregulamentação da economia mundial.
Chamado de “Manifesto em defesa da civilização”, o texto critica os
modelos de arrocho adotados na crise econômica mundial e se insere na
tradição da cátedra da universidade, sempre mais voltada para a economia
heterodoxa.
O manifesto assinala as benesses que o sistema capitalista trouxe à
humanidade, mas ressalta que a desregulamentação tem trazido escassez
para os mais pobres. “É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu
desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele
proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade
de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das
necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil
encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de
saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc.”
Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia
dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o
ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a
ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do
desempenho. É o seu desempenho individual no mercado que define sua
posição na sociedade: vencedor ou perdedor”, diz o manifesto.
Subscrevem a mensagem, entre outros, Luiz Gonzaga Belluzzo, Gabriel Priolli e Demerval Saviani, entre outros.
Leia o manifesto inteiro:
Manifesto em defesa da civilização
Vivemos hoje um período de profunda regressão social nos países ditos
desenvolvidos. A crise atual apenas explicita a regressão e a torna
mais dramática. Os exemplos multiplicam-se. Em Madri uma jovem de 33
anos, outrora funcionária dos Correios, vasculha o lixo colocado do lado
de fora de um supermercado. Também em Girona, na Espanha, diante do
mesmo problema a Prefeitura mandou colocar cadeados nas latas de lixo. O
objetivoalegado é preservar a saúde das pessoas. Em Atenas, na
movimentada PraçaSyntagma situada em frente ao Parlamento, Dimitris
Christoulas, químico aposentado de 77 anos, atira contra a própria
cabeça numa manhã de quarta-feira. Na nota de suicídio ele afirma ser
essa a única solução digna possível frente a um Governo que aniquilou
todas as chances de uma sobrevivência civilizada. Depois de anos de
precários trabalhos temporários o italiano Angelo di Carlo, de 54 anos,
ateou fogo a si próprio dentro de um carro estacionado em frente à sede
de um órgão público de Bologna.
Em toda zona do euro cresce a prática medieval de anonimamente
abandonar bebês dentro de caixas nas portas de hospitais e igrejas. A
Inglaterra de Lord Beveridge, um dos inspiradores do Welfare State, vem
cortando recorrentemente alguns serviços especializados para idosos e
doentes terminais. Cortes substantivos no valor das aposentadorias e
pensões constituem uma realidade cada vez mais presente para muitos
integrantes da chamada comunidade europeia. Por toda a Europa, museus,
teatros, bibliotecas e universidades públicas sofrem cortes sistemáticos
em seus orçamentos. Em muitas empresas e órgãos públicos é cada vez
mais comum a prática de trabalhar sem receber. Ainda oficialmente
empregado é possível, ao menos, manter a esperança de um dia ter seus
vencimentos efetivamente pagos. Em pior situação está o desempregado.
Grande parte deles são jovens altamente qualificados. A massa crescente
de excluídos não é um fenômeno apenas europeu. O mesmo acontece nos EUA.
Ali, mais do que em outros países, a taxa de desemprego tomada
isoladamente não sintetiza mais a real situação do mercado de trabalho. A
grande maioria daqueles que hoje estão empregados ocupam postos de
trabalhos precários e em tempo parcial concentrados no setor de
serviços. Grande parte dos postos mais qualificados e de melhor
remuneração da indústria de transformação foi destruída pela
concorrência chinesa. Nesse cenário, a classe média vai sendo espremida,
a mobilidade social é para baixo e o mercado de trabalho vai ficando
cada vez mais polarizado no país das oportunidades. No extremo superior,
pouquíssimos executivos bem remunerados que têm sua renda diretamente
atrelada ao mercado financeiro. No extremo inferior, uma massa de
serviçais pessoais mal pagos sem nenhuma segurança, que vivem uma
realidade não muito diferente dos mais de 100 milhões que recebem algum
tipo de assistência direta do Estado. O Welfare State, ao invés de se
espalhar pelo planeta, encampando as tradicionais hordas de excluídos,
encolhe, aumentando a quantidade de deserdados.
Muitos dirão que essa situação será revertida com a suposta volta do
crescimento econômico e a retomada do investimento na indústria de
transformação nestes países. Não é verdade. É preciso aceitar
rapidamente o seguinte fato: no capitalismo, o inexorável progresso
tecnológico torna o trabalho redundante. O exponencial aumento da
produtividade e da produção industrial é acompanhado pela constante
redução da necessidade de trabalhadores diretos. Uma vez excluídos,
reincorporam-se – aqueles que o conseguem – como serviçais baratos
dentro de um circuito de renda comandado pelos detentores da maior
parcela da riqueza disponível. Por isso mesmo, a
crescente desigualdade de renda é funcional para explicar a dinâmica
desse mercado de trabalho polarizado. Diante desse quadro, uma pergunta
torna-se inevitável: estamos nós, hoje, vivendo uma crise que nega os
princípios fundamentais que regem a vida civilizada e democrática? E se
isso for verdade: quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha
regressão? A angústia torna-se ainda maior quando constatamos que as
possibilidades de conforto material para a grande maioria da população
deste planeta são reais. É preciso agradecer ao capitalismo, e ao seu
desatinado desenvolvimento, pela exuberância de riqueza gerada. Ele
proporcionou ao homem o domínio da natureza e uma espantosa capacidade
de produzir em larga escala os bens essenciais para as satisfações das
necessidades humanas imediatas. Diante dessa riqueza, é difícil
encontrar razões para explicar a escassez de comida, de transporte, de
saúde, de moradia, de segurança contra a velhice, etc. Numa expressão,
escassez de bem estar! Um bem estar que marcou os conhecidos “anos
dourados” do capitalismo. A dolorosa experiência de duas grandes guerras
e da depressão pós 1929, nos ensinou que deveríamos limitar e controlar
as livres forças do mercado. Os grilhões colocados pela sociedade na
economia explicam quase 30 anos de pleno emprego, aumento de salários e
lucros e, principalmente, a consolidação e a expansão do chamado Estado
de Bem Estar Social. Os direitos garantidos pelo Estado não deveriam ser
apenas individuais, mas também coletivos. Vale dizer: sociais. Dessa
maneira, ao mesmo tempo em que o direito à saúde, à previdência, à
habitação, à assistência, à educação e ao trabalho eram universalizados,
milhares de empregos públicos de médicos, enfermeiras, professores e
tantos outros eram criados.
O Welfare State não pode ser interpretado como uma mera reforma do
capitalismo, mas sim como uma grande transformação econômica, social e
política. Ele é, nesse sentido, revolucionário. Não foi um presente de
governos ou empresas, mas a consequência de potentes lutas sociais que
conseguiram negociar a repartição da riqueza. Isso fica sintetizado na
emergência de um Estado que institucionalizou a ética da solidariedade. O
individuo cedeu lugar ao cidadão portador de direitos. No entanto, as
gerações que cresceram sob o manto generoso da proteção social e do
pleno emprego acabaram por naturalizar tais conquistas. As novas e
prósperas classes médias esqueceramque seus pais e avós lutaram e
morreram por isso. Um esquecimento que custa e custará muito caro às
gerações atuais e futuras. Caminhamos para um Estado de Mal Estar
Social!
Essa regressão social começou quando começamos a libertar a economia
dos limites impostos pela sociedade, já no início dos anos 70. Sob o
ideário liberal dos mercados, em nome da eficiência e da competição, a
ética da solidariedade foi substituída pela ética da concorrência ou do
desempenho.
É o seu desempenho individual no mercado que define sua posição na
sociedade: vencedor ou perdedor. Ainda que a grande maioria das pessoas
seja perdedora e não concorra em condições de igualdade, não existem
outras classificações possíveis. Não por acaso o principal slogan do
movimento Occupy Wall Street é “somos os 99%”. Não por acaso, grande
parte da população espanhola está indignada.
Mesmo em um país como o Brasil, a despeito dos importantes avanços
econômicos e sociais recentes, a outrora chamada “dívida social” ainda é
enorme e se expressa na precariedade que assola todos os níveis da vida
nacional. Não se pode ignorar que esses caminhos tomados nos países
centrais terão impactos sob essa jovem democracia que busca, ainda,
universalizar os direitos de cidadania estabelecidos nos meados do
século passado nas nações desenvolvidas.
Como então acreditar que precisamos escolher entre o caos e
austeridade fiscal dos Estados, se essa austeridade é o próprio caos?
Como aceitar que grande parte da carga tributária seja diretamente
direcionada para as mãos do 1% detentor de carteiras de títulos
financeiros? Por que a posse de tais papéis que representam direitos à
apropriação da renda e da riqueza gerada pela totalidade da sociedade
ganham preeminência diante das necessidades da vida dos cidadãos? Por
que os homens do século XXI submetem aos ditames do ganho financeiro
estéril o direito ao conforto, à educação e à cultura?As respostas para
tais questões não serão encontradas nos meios de comunicação de massa.
Os espaços de informação e de formação da consciência política e
coletiva foram ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais
fortes e controlado pela hegemonia das banalidades. É mais importante
perguntar o que o sujeito comeu no café da manhã do que promover
reflexões sobre os rumos da humanidade.
A civilização precisa ser defendida! As promessas da modernidade
ainda não foram entregues. A autonomia do indivíduo significa a
liberdade de se auto-realizar. Algo impensável para o homem que precisa
preocupar-se cotidianamente com sua sobrevivência física e material.
Isso implica numa selvageria que deveria ficar restrita, por exemplo, a
uma alcateia de lobos ferozes. Ao longo dos últimos de 200 anos de
história do capitalismo, o homem controlou a natureza e criou um nível
de riqueza capaz de garantir a sobrevivência e o bem estar de toda a
população do planeta. Isso não pode ficar restrito para uma ínfima
parte. Mesmo porque, o bem estar de um só é possível quando os demais à
sua volta encontram-se na mesma situação.
Caso contrário, a reação é inevitável, violenta e incontrolável. A
liberdade só é possível com igualdade e respeito ao outro. É preciso
colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização.
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