Olá alunos,
Pra encerrar o mês de outubro e o período de vocês, vai ai um texto interessantíssimo a respeito do capitalismo e seus corolários. O texto é de autoria de Luiz Gonzaga Beluzzo (sim, ex-presidente do Palmeiras) e foi publicado na Carta Capital. Espero que gostem.
Yuri Antunes Moreira
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense.
O anúncio do conjunto de projetos de infraestrutura envolvendo a
participação do governo e do setor privado ensejou mais um debate de
grande envergadura intelectual. Estamos nós, o povo brasileiro, diante
de uma nova rodada de privatizações ou observamos apenas o prosaico
desenvolvimento e aperfeiçoamento dos modelos de concessões e parcerias?
Entre os protagonistas do contencioso semântico não faltaram os
recursos retóricos dignos dos animadores de reality shows. “O Choque de
Capitalismo de Dilma”, proclama a prestigiosa revista Veja na edição que foi às bancas no sábado 11 de agosto. A reportagem de capa é encerrada com um desafio: “Quem tem medo do mercado?
Mercado? Falam de uma enteléquia congelada em seu imobilismo. Em A Riqueza das Nações,
Adam Smith mostrou como o desenvolvimento da economia industrial
capitalista promoveu a generalização do mercado. Em outros tempos
existiam mercados. O Mercado, com M maiúsculo, é uma criação histórica
do capitalismo industrial.
No Manifesto Comunista, Marx e Engels celebraram as
transformações produzidas pelo capitalismo. “A burguesia não pode
existir sem revolucionar constantemente os meios de produção e,
portanto, as relações de produção e com elas o conjunto das relações da
sociedade… Revolução permanente nas condições de produção, distúrbios
ininterruptos de todas as condições sociais, permanente incerteza e
agitação, é o que distingue a era burguesa de todas as demais.” As
transformações na divisão social do trabalho suscitaram a diferenciação
de funções e impulsionaram novas formas de convivência, criaram outros
modos de informação e de percepção dos indivíduos, alteraram
profundamente os padrões de ocupação do espaço e de utilização do tempo.
A organização e a dinâmica impostas pela
generalização dos mercados às sociedades urbano-industriais determinaram
à maioria dos trabalhadores a separação entre o local da residência e o
de trabalho, e a distinção entre o tempo do labor e o do lazer. As
transformações econômicas produzidas pelo mercado expulsaram,
dolorosamente, o “novo” indivíduo de seu hábitat “originário”.
Os mercados libertaram, sim, os subalternos das misérias da
dependência pessoal e de isolamento espacial, típicas da “economia
natural”. Mas as condições da liberdade são as mesmas que aprisionaram
suas vidas nas engrenagens da acumulação da riqueza abstrata, do
dinheiro.
Marx e Engels escreveram o Manifesto em 1848, antes das
escaladas industriais dos Estados Unidos, da Alemanha e do Japão.
Extasiados diante da potência revolucionária e “progressista” do
capitalismo em seu ímpeto de mercantilização universal, Marx e Engels
não anteciparam o papel crucial dos Estados Nacionais na “deformação”
dos mercados e das condições da concorrência que determinou o declínio
da Inglaterra.
Desde meados do século XIX, as economias retardatárias se
desenvolveram, primeiro, sob o livre-comércio patrocinado pelos
interesses da haute finance abrigados na City. Depois, nas três
últimas décadas dos Oitocentos, sobretudo a partir da Grande Depressão
iniciada nos anos 70, os latecomers cresceram à sombra do
protecionismo e das regras monetárias liberais do padrão-ouro.
Contradições? Sim, estas são as condições de autotransformação do
capitalismo na batalha pela reafirmação de sua “natureza”.
A vulgata liberaloide bate a cabeça contra as
realidades que o capitalismo construiu. Em seu frenesi expansivo, ele
realiza o seu conceito como forma social de produção nos marcos da
propriedade privada. Os critérios privados de apropriação da renda e de
valorização da riqueza são executados no âmbito de um sistema econômico
cada vez mais integrado e, por isso mesmo, mais “politizado”. As
reformas liberalizantes, empreendidas desde o crepúsculo dos anos 70 do
século passado, trataram de mobilizar os recursos políticos e
financeiros dos Estados Nacionais para fortalecer os respectivos
sistemas empresariais envolvidos na concorrência global.
A abertura dos mercados impôs o acirramento da concorrência global e
tornou inevitável o fortalecimento das grandes empresas nacionais. Assim
a concorrência engendra o monopólio e convida o Estado a “escolher os
vencedores”. As fusões e aquisições e a intervenção dos Estados
Nacionais desataram a liça por um maior controle dos mercados globais.
A intensificação da concorrência entre as empresas no espaço global
foi acompanhada de um maior controle da finança desregulada sobre as
decisões de consumo e de investimento. A gestão empresarial foi, assim,
submetida aos ditames dos ganhos patrimoniais de curto prazo. A
acumulação financeira acrescentou novos fatores às instabilidades das
economias de mercado.
Por isso, os neorreformistas também cuidaram de buscar o Estado e sua
força coletiva para limitar as perdas provocadas pelos sucessivos
episódios de desvalorização da riqueza.
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