Caros Leitores,
O debate acerca da representatividade dos países no âmbito da governança global tem permeado as discussões no campo das Relações Internacionais, sobretudo quando se verifica o crescente tensionamento entre as organizações tradicionais e aquelas conduzidas pelos chamados “países emergentes”.
Desde a crise financeira de 2008 e posteriormente com a falta de coordenação durante a pandemia, as instituições multilaterais decorrentes de Bretton Woods vêm passando por uma fase crítica tanto em termos de performance quanto em termos de credibilidade.
Para discutir esse tema, trazemos nesta semana uma notícia acerca do fortalecimento da plataforma BRICS e como estes países vêm conduzindo para inserir sua pauta em termos de implantação de uma agenda mais democrática e plural no contexto internacional.
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Alejandro Louro Ferreira é membro do Grupo de
Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.
Na sequência dos recentes acontecimentos, onde as tragédias em Gaza agravaram as divisões entre o Norte e o Sul, o economista francês Thomas Piketty, em artigo publicado no Le Monde, faz um apelo claro e contundente: "É hora de os países ocidentais saírem de sua arrogância e levarem os BRICS a sério”. Em um mundo em transformação, onde a cúpula dos BRICS se fortaleceu recentemente em Joanesburgo, Piketty destaca a importância de compensar a ordem econômica global e implementar medidas que promovam a justiça e a equidade entre as nações.
A disparidade econômica entre os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e os países do G7 é evidente, com um PIB combinado que supera os 40 trilhões de euros, comparado aos 30 trilhões do G7. Piketty ressalta que, embora as diferenças na renda per capita persistam, os BRICS representam uma classe média global, uma força que não pode ser ignorada.
“Todos vêem: a guerra em Gaza corre o risco de aumentar ainda mais o fosso entre o Norte e o Sul. Para muitos países do sul, e não apenas no mundo muçulmano, os milhares de mortes de civis devido aos bombardeios israelenses no enclave palestino, vinte anos após as dezenas de milhares de mortes causadas pelos Estados Unidos no Iraque, provavelmente encarnarão por muito tempo os dois pesos e duas medidas dos ocidentais”, destaca.
Piketty aborda as múltiplas inconsistências dentro do grupo, reconhecendo que há desafios, mas destaca a necessidade dos países ocidentais superarem a visão eurocêntrica. Ele observa que os BRICS, ao aceitarem seis novos membros, estão moldando seu papel no cenário internacional de maneira significativa.
O economista alerta para a urgência dos países ocidentais repensarem as suas abordagens e tratarem os BRICS com a seriedade que merecem. Ele enfatiza que as críticas às contradições internacionais do grupo não devem obscurecer a importância de suas transformações profundas.
“Os BRICS também incluem democracias eleitorais muito antigas, que certamente encontram dificuldades, mas não necessariamente mais graves do que as observadas no Ocidente. A Índia tem mais eleitores do que todos os países ocidentais juntos. A afluência às urnas foi de 67% nas últimas eleições legislativas em 2019, em comparação com apenas 48% na França em 2022, onde também há uma queda acentuada (e inédita em dois séculos) na participação dos municípios mais pobres em relação aos mais ricos. A democracia americana também mostrou todas as suas fragilidades nas últimas décadas, de Guantánamo ao assalto ao Capitólio, e até tendeu a dar um mau exemplo aos trumpistas brasileiros”, pontua.
Ao abordar as fragilidades democráticas nos países ocidentais, Piketty destaca a necessidade de ações concretas para restaurar a substituição global. Ele propõe uma mudança no sistema político e econômico global, enfatizando a importância de uma tributação mínima sobre os atores mais prósperos do planeta, com uma redistribuição justa das receitas entre todas as nações.
Piketty ressalta que o foco deve ser na redistribuição com base nas necessidades de cada país, não apenas nas bases fiscais existentes. O argumento de que essa abordagem faz uma enorme diferença, especialmente para os estados mais pobres, como os da África, que enfrentam desafios significativos em áreas como saúde e educação.
Ao encerrar sua reflexão,
Piketty faz uma alusão à obra “Le Ministère du futur” de Kim Stanley Robinson,
destacando a urgência de medidas antes que desastres climáticos forcem mudanças
radicais. Ele expressa a esperança de que a ascensão dos BRICS estimule os
países ricos a enfrentar os desafios globais e compartilharem a riqueza antes
que seja tarde demais.