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terça-feira, 25 de julho de 2023

“BRICScoin”: membros do BRICS pressionam criação de moeda comum do bloco


Vários membros do BRICS, bloco de países composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, pressionam para a criação de uma moeda comum para que todos evitem o uso de Dólar em transações entre eles.

De acordo com a Bloomberg, membros do BRICS na África do Sul estão entre os mais interessados em evitar o uso do Dólar. O país é o próximo a receber uma reunião da cúpula, e a Ministro de Relações Internacionais, Naledi Pandor, confirmou o tópico na agenda.

No entanto, é importante lembrar que a criação de uma moeda única exigiria uma série de acordos políticos, econômicos e financeiros complexos entre esses países. Para isso, a próxima reunião do BRICS, deverá tornar o assunto mais consolidado e avençar a agenda do bloco.

Apesar de desejo de moeda comum do BRICS, empresas não veem o fim do Dólar próximo

Apesar da disposição dos países em conversar sobre o assunto, a ministra sul-africana entende que ainda é muito cedo para cravar uma nova moeda entre os países.

Isso porque, a discussão deve considerar as particularidades de cada país, além de suas economias. Contudo, considerando que 40% da população mundial mora nos países do bloco BRICS, a chegada da moeda é uma inovação de alto impacto.

Assim, a ministra Naledi Pandor disse que os países não podem perder tempo e devem avançar nas discussões sobre o tema. Economicamente falando, o BRICS hoje é uma potência que faz frente até as nações do G7.

Contudo, fontes consultadas pela Bloomberg entendem que o fim do Dólar não é o objetivo da “BRICScoin”, e a moeda norte-americana deve continuar soberana por um bom tempo.

Não está claro ainda como o projeto da moeda BRICS avançará, se os países pretendem criar uma CBDC coom base em blockchain ou não, mas a agenda segue avançando.

Entenda o conceito de uma moeda comum

Uma moeda comum é uma única moeda compartilhada entre vários países ou regiões, como o Euro, por exemplo. Em outras palavras, todos os países que adotam uma moeda comum usam a mesma moeda em vez de suas próprias moedas nacionais.

Se o BRICS criasse uma moeda conjunta, ela poderia ser uma moeda comum se todos os países concordassem em adotá-la como sua moeda oficial, em vez de suas próprias moedas nacionais. Essa moeda comum seria usada em todos os países membros do BRICS e seria regulada por um banco central conjunto.

No entanto, é possível que os países do BRICS adotem uma moeda conjunta, como a “moeda BRICS” ou “BRICScoin”, e ainda permitam que suas moedas nacionais continuem em circulação.

Nesse último caso, a moeda conjunta seria utilizada principalmente para transações entre os países do BRICS. Ela também pode ter uma função como reserva de valor, enquanto as moedas nacionais continuariam a ter seu uso dentro de cada país para transações locais.

Ou seja, ainda não está claro qual o padrão de uso de uma moeda criada pelo BRICS. De qualquer forma, o mundo todo acompanha o assunto de perto, inclusive os EUA, que pode perder sua hegemonia monetária.

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terça-feira, 18 de julho de 2023

Nova regra fiscal supera Teto dos Gastos, mas é criticada por limite de investimentos públicos

Caros Leitores,


O projeto que visa flexibilizar o teto de gastos governamentais, conhecido como Novo Arcabouço Fiscal (NAF), tem sido objeto de discussões acerca de quais medidas adotadas por esse plano podem ser benéficas para o aumento da arrecadação e a redução de prejuízos resultantes da inflação, assim como que diretrizes poderiam estimular os investimentos e quais poderiam suscitar erros ou atrasos econômicos.


Para analisar melhor esse cenário, trazemos essa semana uma notícia  que apresenta o debate sobre os possíveis cenários econômicos e principais impactos do Novo Arcabouço Fiscal, refletindo sobre as principais limitações e críticas a esta proposta de planejamento dos investimentos públicos.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.


O projeto que limita gastos do governo federal, chamado de Novo Arcabouço Fiscal (NAF), teve seu texto-base aprovado na Câmara dos Deputados por 372 votos, vitória da articulação política do governo Lula. A ideia é que a medida substitua o teto de gastos, criado pelo governo de Michel Temer, que impedia qualquer crescimento das despesas, só autorizando o repasse da inflação por décadas. 

A nova regra permite que, caso as metas propostas pelo governo de arrecadação e despesas sejam cumpridas, os investimentos possam subir até 2,5% ao ano além da inflação. Caso não sejam cumpridas, o investimento terá de ser menor. O relator da medida na Câmara, Cláudio Cajado (PP), ainda acrescentou ao texto original penalidades, em caso de não conter as despesas, como a proibição de novos concursos públicos. 

Esquerda critica NAF  

A ideia da medida, embora seja mais flexível que o teto, é priorizar o pagamento de juros e conter o aumento da dívida pública. Esse é um dos motivos por que partidos aliados do PT, como o Psol, votaram o NAF, que teve apoio de partidos de direita e de deputados bolsonaristas.  

As diferentes organizações e analistas de esquerda são críticos à nova regra fiscal. No geral, reconhecem a necessidade de uma regra fiscal, criticam duramente a regra anterior do Teto dos Gastos e admitem que a herança neoliberal dos governos Temer e Bolsonaro é pesada. Nesse sentido, a nova regra fiscal é melhor.

Porém, apontam a tendência do atual projeto de limite da despesa pública, o que será um problema para alavancar a economia. Parlamentares como Carol Dartora (PT-PR) votaram favoravelmente, como era esperado, na condição de base do governo. Mas fizeram nota pública contra alguns pontos do projeto.  

Leia a seguir opiniões sobre o texto aprovado, que terá ainda votação de destaques na Câmara e, depois, análise do Senado. 

Lutar por novos parâmetros

“O arcabouço fiscal é uma regra fiscal confinada aos limites do modelo neoliberal. Uma proposta muito mais avançada exige um enfrentamento ao próprio modelo, o que não parece estar na ordem do dia. A ameaça neofascista impôs uma frente ampla que congrega não só setores neodesenvolvimentistas (que não pretendem romper com o modelo neoliberal, mas atenuá-lo) mas também alguns setores neoliberais ortodoxos que têm maiores contradições com o bolsonarismo. Os trabalhadores seguem na defensiva e sem condições de apresentar um programa alternativo, que aponte para o rompimento com o modelo neoliberal. Devemos lutar para que o arcabouço fiscal tenha parâmetros menos restritivos ao investimento público, permitindo que o Estado atue como indutor do crescimento econômico e alongando a trajetória de convergência da dívida pública”, aponta Pedro Mattos, da direção nacional da Consulta Popular. 

Impacto sobre o serviço público  

“Consideramos que o relatório do Cajado agravou sobremaneira as normas de contratação de gastos públicos, limitando fortemente a capacidade do Estado de fazer justiça social e comandar um novo ciclo de desenvolvimento. Se já eram preocupantes os limitantes originais para o crescimento de despesas primárias, determinados por um teto de 2,5% na evolução anual, acima da inflação, novas travas adotadas, como os chamados gatilhos, tornam o cenário ainda mais perigoso. Mesmo que sejam superadas as metas de resultados primários, apenas 70% do eventual saldo excedente poderá ser liberado como investimentos. No entanto, caso essas metas não sejam alcançadas, além do crescimento dos gastos cair para 50% de expansão das receitas, as demais punições previstas são draconianas, com evidentes reflexos negativos sobre os serviços públicos, como a proibição de realização de concursos e o congelamento do salário do funcionalismo”, afirma Carol Dartora, deputada federal (PT – PR).

Estado tende reduzir o investimento  

“O Teto de Gastos foi criado para garantir que os recursos públicos fossem drenados para o setor financeiro. Um dos antepassados é a afamada Lei de Responsabilidade Fiscal dos governos tucanos. Portanto, a primeira coisa que precisa ficar explícita: regra fiscal, nesse mundo neoliberal, não é um instrumento para garantir que os governos gastem bem. Regra fiscal, nesse mundo neoliberal, tampouco é um instrumento para impedir que os governos gastem mais do que arrecadam. Essa regra fiscal, em época de neoliberalismo, tem outro objetivo: garantir que uma parte do recurso arrecadado, sob a forma de impostos, sirva para alimentar o setor financeiro. A primeira pergunta é a seguinte: Precisava de uma regra fiscal nova? Sim, precisava. Senão, o teto de gastos continuaria em vigência. (…) Uma segunda pergunta é: a regra fiscal proposta pelo Ministério da Fazenda era boa? É melhor que o Teto de Gastos, mas está longe de ser algo bom. Lá se estabelece que temos que ter déficit zero e superávit primário nos próximos anos. Eu pergunto: isso em um país devastado deveria ser uma meta? Lá também está dito que o crescimento das despesas sempre será menor (70%) que o crescimento da arrecadação das receitas. É justo isso em um país que precisa desesperadamente de investimento em serviço público? No longo prazo, essa regra leva à redução do tamanho do Estado na economia. E um país como o Brasil precisa de menos ou mais investimento do Estado? Menos ou mais serviços públicos?”, Valter Pomar, integrante da direção nacional do Partido dos Trabalhadores (PT).  

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quinta-feira, 13 de julho de 2023

Os desafios da economia digital na era da algoritmização

 

Caros Leitores,


A ampliação do acesso a novas tecnologias na sociedade contemporânea, permeada pela crescente fase de algoritmização do capitalismo, desencadeou a necessidade de intervenção das estruturas de regulação e de vigilância no espaço virtual.


Desse modo, como possíveis desdobramentos dos sistemas de algoritmização no campo digital, especialistas no tema têm evidenciado os riscos de restrição do exercício pleno da democracia - bem como os potenciais prejuízos na esfera econômica como decorrência desse processo.


Diante desta discussão, trazemos nesta semana uma notícia que examina os desafios resultantes deste cenário e as implicações dos projetos de regulamentação das Big Techs, que visam eliminar os obstáculos tanto do ponto de vista econômico quanto aqueles que restringem aspectos fundamentais relativos à privacidade no espaço virtual.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.



O Projeto de Lei 2630 é um dos principais avanços que o país poderá ter no campo político digital, contudo, é necessário observar que há alguns outros caminhos a serem trilhados, principalmente na Economia Digital. O capitalismo algoritmizado está ancorado em estruturas mais sólidas de poder e de vigilância, nas quais os algoritmos perpetuam a exploração sistêmica presente no projeto neoliberal. Logo, a algoritmização é um fenômeno que pode ser danoso à democracia e à economia.  

As novas tecnologias estão presentes em nossas rotinas em diferentes formas: celulares, computadores, relógios e, até mesmo, as realidades virtuais e aumentada. Estamos, em um primeiro momento, diante de várias telas com a finalidade de comunicação e entretenimento e, em um segundo momento, sendo vetores de dados. Esses dados, transformados em informações, podem ser (e são) comercializados em diferentes fins: publicidade, e-commerce ou até consumo de conteúdo.  

De acordo com Crary (2016), “Um dos objetivos de empresas como Google, o Facebook e outras é normalizar e tornar indispensável, como esboçou Deleuze, a ideia de uma interface contínua – não literalmente sem costuras, mas uma ocupação relativamente ininterrupta com telas iluminadas de diversos tipos, que exigem constante interesse ou resposta”. Nota-se que um primeiro movimento dessas empresas é provocar em cada indivíduo a percepção de que seus dispositivos são indispensáveis e que toda atividade, da mais trivial a mais complexa, deve ser feita por intermédio ou com ajuda das novas tecnologias. O autor, ainda, afirma que as constantes interferências possibilitam, em alguma medida, uma construção de pensamento uniforme e de construção individual em tal medida que é capaz de dissolver qualquer “distinção entre o pessoal e o profissional, entre o entretenimento e a informação”.  

Observa-se, então, que é necessário, para a não dissolução dessa estrutura, algo capaz de costurar aquilo que era visto como campos pessoal e profissional, bem como, o que é visto como entretenimento e informação. Os algoritmos são os mecanismos necessários capazes de criar, como diz Zuboff (2019), uma interface digital de renderização, que entrega ao Capitalismo de Vigilância a contribuição contínua do suprimento de dados como matéria-prima. Logo, é possível afirmar, de acordo com Zuboff, que não há capitalismo de vigilância sem renderização, ou seja, sem criar um arcabouço de dados que vigiam e controlam indivíduos.  

O processo de renderização é capaz, ainda, de criar ilhas (ou comumente chamadas de bolhas), pois os algoritmos são projetados para influenciar indivíduos e pessoas ao seu redor (O’Neil, 2020). A partir disso, podem ser disseminadas informações falsas bem como recrudescer a vigilância e controle de grupos de interesse. Essas estratégias podem ser utilizadas por empresas e por quem possui interesses políticos, como já visto nas eleições de 2018 e 2022.  

A renderização tem outra característica, que se assemelha ao fenômeno da algoritmização, que é o extrativismo de dados, que irá aumentar a base de informações de um indivíduo, tornando a privacidade vulnerável – e em alguns casos um privilégio – com o objetivo de prever comportamentos por meio de algoritmos. 

O extrativismo de dados também é utilizado nas plataformas (sites e aplicativos) de trabalho com o objetivo de consolidar práticas de exploração de mão-de-obra, dominação do trabalhador e fortalecimento de relações de poder. Percebe-se que o algoritmo invisibiliza o trabalhador que depende dele para a geração de renda, tornando-o um mero agente em uma cadeia produtiva.  

A algoritmização do trabalho, nesse momento, vem se construindo como uma forma perene de substituição do trabalhador sob a lógica da maximização de lucros, na qual o algoritmo assume a função de poder e, sob sua gestão, os trabalhadores são vigiados, punidos ou bonificados em uma estrutura dinâmica em que o trabalhador vende sua mão-de-obra a valores pífios e se torna servo de um senhor imaterial.  

Percebe-se, então, que a formatação do capitalismo na Economia Digital tem em seu núcleo a algoritmização, que é responsável pela vigilância e controle dos indivíduos presentes nesse modelo econômico. Assim, o processo de renderização terá uma forma mais latente da exploração em seu caráter de vigiar de forma ininterrupta qualquer pessoa e é uma extrapolação de um viés repressor, presente no capitalismo. É com mecanismos de vigilância que a algoritmização retém as pessoas em seus ambientes virtuais.  

Diante disso, há a necessidade de regular e criar políticas públicas que protejam dados e que criem mecanismos de proteção social. De acordo com Véliz (2021), órgãos e agências regulatórias, bem como a criação de leis de proteção aos dados são importantes na sociedade atual. E vai além, “há algumas tecnologias de vigilância que são tão perigosas, tão propícias para o abuso, que talvez seja melhor proibi-las completamente, assim como proibimos algumas armas que são demasiado cruéis e perigosas”. O fato que aqui se consolida é que o uso de novas tecnologias com o objetivo de vigilância é uma condição sine qua non do capitalismo algoritmizado, colocando a privacidade como um privilégio ou uma utopia.  

A partir do fato que tudo pode ser conectado e o comportamento pode ser capturado, analisado e manipulado. Logo, sem regulação e sem políticas públicas, o Estado fica enfraquecido e, como questiona Morozov (2018), “Por que confiar em leis, se podemos contar com os sensores e mecanismos inteligentes”? Cria-se, então, como diz o autor, uma governança autorregulada através de algoritmos, que retroalimenta sistemas capazes de reconhecer e criar regras necessárias para a manutenção desse capitalismo algoritmizado em que se busca uma profunda compreensão do resultado desejado.  

A Economia Digital e toda sua estrutura capitalista mostra que as novas tecnologias permitem o desaparecimento de regulação por parte do Estado enquanto aumenta seu poder de supervisão de indivíduos. Tal ausência de Estado é preenchida pela ocupação de Big Techs, que lucram exponencialmente com o garimpo perene de dados. Obviamente, com esse cenário, o Estado de bem-estar social é dilapidado, dando vazão à exploração desmedida por parte dessas grandes empresas.  

Nota-se que a Economia Digital, na orientação algorítmica, trouxe mudanças na forma como o capitalismo avança e, segundo Dowbor (2020) o principal fluxo de investimentos não resultará em uma indústria física e sim na capacidade de controle de conhecimento que irão definir formas imateriais de apropriação e controle poderosas. O autor continua, na era feudal, o principal fator de produção era a terra, no capitalismo industrial era a máquina e hoje é o conhecimento. Mais especificamente, os dados.  

Os dados não irão produzir uma estrutura física, material que pode ser entendida e vista como propriedade. Os dados são recursos imateriais que são garimpados pelas Big Techs, assim, esses recursos não ficam com o produtor (indivíduo) mas sim com o explorador (Big Techs). Por isso a urgência de regulação e políticas públicas no âmbito da Economia Digital. É necessário que sejam criados mecanismos de proteção social, econômica e, claro, da democracia. Como observado, a algoritmização irá valorizar e proteger as Big Techs enquanto derruba direitos sociais e explora trabalhadores.  

O PL 2630 deve ser visto como uma das etapas de proteção de bem-estar social e um passo importante na presença do Estado na Economia Digital. Porém, ele não abarca a solução de todos os problemas que são vistos atualmente. É necessário seguir para a regulação do que é visto como algoritmização, que está no núcleo desse capitalismo de vigilância. Tal regulação traz proteção individual e coletiva, dando mais poder social ao invés do fortalecimento das Big Techs. Precisamos de uma democracia mais forte e pensar em uma Economia Digital sustentável e social, sem os arroubos desse capitalismo algoritmizado.

terça-feira, 11 de julho de 2023

Em decisão histórica, Justiça reconhece posse dos sem-terra no quilombo Campo Grande (MG)

Caros Leitores,


A pauta de reivindicação de terras sobrepostas por latifundiários tem sido defendida por movimentos políticos em detrimento da proteção de grupos sociais como quilombolas, indígenas e trabalhadores rurais.


Em resposta a esses movimentos, com base na função social da terra prevista na Constituição, vêm sendo movidas ações que buscam legitimar a posse de comunidades sem terra nesses territórios junto ao Poder Judiciário.


A fim de levantar o debate acerca desta questão, trazemos nesta semana uma notícia que examina a decisão judicial que reconhece a posse do território do quilombo de Campo Grande aos trabalhadores que nela atuam, tendo como carro-chefe a produção de café orgânico e agroecológico.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.


A Justiça reconheceu a posse da terra por 459 famílias sem-terra acampadas no quilombo Campo Grande, no município de Campo do Meio, sul de Minas Gerais. A decisão em primeira instância foi proferida na sexta-feira (1) pela juíza substituta da Vara Agrária de Minas Gerais, Janete Gomes Moreira.

A área pertencia à antiga usina Ariadnópolis e é lar de duas mil pessoas. Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), os proprietários decretaram falência em 1983. Os trabalhadores ficaram abandonados e sem direitos trabalhistas e, hoje, sofrem com as investidas de latifundiários. 

"A Vara Agrária de Minas Gerais estabeleceu um marco histórico ao determinar em primeira instância a improcedência da reintegração de posse, uma conquista de tamanho simbólico para as pessoas vulneráveis e aos movimentos sociais, em detrimento dos grandes fazendeiros ou grandes empresas", declarou Leticia Souza, advogada do MST. 

Sem cumprir a função social da terra prevista na Constituição, os donos da usina recorreram ao Judiciário para tentar expulsar as famílias do quilombo Campo Grande, que hoje tem como carro-chefe da produção o café orgânico e agroecológico. 

"Ao longo de sua trajetória o acampamento passou por 11 reintegrações de posse, a mais recente foi em agosto de 2020, no meio da pandemia, onde 14 famílias tiveram suas casas e lavouras destruídas pelo aparato do estado em conluio com latifundiários, bem como a Escola Popular Eduardo Galeano", disse em nota o MST. 

Decisão é passo para conquista definitiva do território, diz MST

O MST destaca que a sentença relativa ao quilombo Campo Grande negou todos os pedidos de reintegração de posse e legitimou a permanência dos acampados. "Um grande passo na conquista definitiva do território para as famílias", avaliou o movimento. 

Tuíra Tule, da direção nacional do MST, cobrou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o fim do conflito rural nas áreas do Quilombo Campo Grande. Para ela, o Executivo deve atuar como determina a lei 4.132 de 1962, que prevê a desapropriação de terras por interesse social.

"Nós precisamos somar nossas forças para reivindicar juntos, fortalecendo a nossa voz e cobrar do presidente Lula que decrete a desapropriação das terras do quilombo pela lei 4.132. Lula, não dá mais para esperar: decreta e acaba com esse conflito", cobrou Tule.

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quinta-feira, 6 de julho de 2023

O paradoxo do trabalho escravo e ESG

Caros Leitores,


A contradição que tem se verificado entre o discurso acerca da proteção de direitos humanos e a efetiva violação destas garantias mínimas por empresas - que são supostamente baseadas em diretrizes de responsabilidade ambiental, social e de governança - tem sido recorrente, tendo em vista o aumento de denúncias acerca de trabalho análogo a escravidão fomentados no interior dessas mesmas organizações.


Para analisar esse paradoxo, essa semana trazemos uma notícia que apresenta a problemática acerca da contradição existente entre os valores difundidos e associados à imagem de um grupo de empresas que, simultaneamente, operam ocultando a violação de direitos trabalhistas por meio da invisibilização de casos de exploração de trabalhadores no interior dessas organizações.


Esperamos que gostem e compartilhem! 



Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise.


Há um aparente paradoxo no campo dos direitos humanos no Brasil atualmente, a saber, quanto mais as empresas e empresários se preocupam com a responsabilidade ambiental, social e de governança (termo conhecido em inglês pela sigla ESG), mais tem se descoberto casos de trabalho análogo à escravidão em empresas ou organizações de grande porte localizadas nas regiões mais desenvolvidas do país, como na região Sudeste e na região Sul. Lembremos o caso de trabalho análogo à escravidão ocorrido com os safristas de uva que prestavam serviços às vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi que vieram à tona em fevereiro de 2023, bem como a denúncia de trabalho escravo no Festival Lollapalooza que veio à público em março do mesmo ano, festival este organizado pela empresa T4F Entretenimento. O problema que quero chamar atenção é que estas empresas declaram ter um comprometimento ético tanto com as causas ambientais, como com as causas sociais, bem como com a transparência e diversidade. Mas, então, como entender estes casos análogos à escravidão em seus domínios em pleno século 21, uma vez que o comprometimento social deveria implicar no respeito aos direitos humanos e, mais especificamente, deveria conduzir, no mínimo, ao respeito às leis trabalhistas? 

Trabalho escravo e produção de vinho 

Mas, antes de tentar entender esse paradoxo, vamos relembrar os casos em tela. 

Em 22 de fevereiro de 2023, numa quarta-feira, uma ação conjunta da Polícia Rodoviária Federal (PRF), da Polícia Federal (PF), do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) do Rio Grande do Sul resgatou 207 trabalhadores de vinícolas gaúchas em Bento Gonçalves que trabalhavam como safristas na colheita da uva, oriundos majoritariamente da Bahia. Uma denúncia permitiu a descoberta das condições análogas à escravidão em que estes safristas eram mantidos numa pousada da cidade. Foram identificados o monitoramento por câmeras, prática de tortura, alimentação estragada, cerceamento do direito de ir e vir por meio de vigilância, entre outras situações previstas pelo artigo 149 do Código Penal, que tipifica o crime de escravidão contemporânea no Brasil. 

O caso foi denunciado por um grupo de trabalhadores que conseguiu fugir do esquema e procurar a PRF em Porto Alegre. Eles relataram aos policiais que foram cooptados por aliciadores de mão obra (gatos) na Bahia e trazidos para a serra gaúcha para trabalharem para uma empresa que presta serviço às vinícolas da região. Eles contaram que trabalhavam diariamente, das 5h às 20h, com folgas somente aos sábados. Também denunciaram que representantes da empresa ofereciam a eles comida estragada e que só podiam comprar produtos em um mercadinho com preços superfaturados e que o valor gasto era descontado do salário, resultando na chamada servidão por dívida que os impedia de deixar o local. 

Trabalho escravo no festival de música 

Por sua vez, o caso Lollapalooza, ocorrido na cidade de São Paulo, veio a público um pouco antes do início do festival, que ocorreu entre 24 e 26 de março de 2023. Uma fiscalização do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE) nas instalações do festival afirma ter flagrado trabalhadores em condições degradantes, podendo ser enquadrado em regime análogo ao escravo. Segundo o comunicado do Ministério Público do Trabalho (MPT), os cinco trabalhadores desempenhavam a função de “carregadores por 12 horas durante do dia (das 7h às 19h) e durante a noite eram obrigados a dormir no Autódromo Interlagos, nos diversos pontos de estoque de bebidas, para fazerem a vigilância das cargas”. A ação de fiscalização considerou a produtora de eventos T4F e a prestadora de serviços Yellow Stripe responsáveis pela situação. Além do recolhimento imediato das verbas trabalhistas, as empresas respondem administrativamente pelas infrações e podem ser processadas pelo MPT. 

Importante salientar que a reação inicial das vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi, bem como a da produtora T4F foi muito semelhante, a saber, elas responsabilizaram as empresas terceirizadas e tentaram se isentar da culpa pelo ocorrido, embora essa estratégia tenha sido rechaçada tanto pelos órgãos públicos competentes quanto pela sociedade como um todo. Por exemplo, as vinícolas Salton e Aurora emitiram um comunicado que dizia que não compactuavam com a violação de direitos humanos e que os casos análogos à escravidão eram de responsabilidade da empresa terceirizada Fênix Serviços Administrativos, responsável pela contratação e manutenção dos safristas. Similarmente, a produtora T4F disse em nota exigir que todas as empresas prestadoras de serviço garantam condições de trabalho aos seus funcionários e que encerrou o contrato com a terceirizada Yellow Stripe.  

Acontece que estas vinícolas, bem como a produtora, afirmam o comprometimento com o ESG, como pode ser visto em seus sites e declarações públicas, o que implica em respeitar e procurar integrar os aspectos ambientais, sociais e de governança em todas as etapas do processo produtivo. No site da Salton, por exemplo, está dito que ela “(…) está empenhada em integrar os aspectos ambientais, sociais e de governança em todas as etapas do processo produtivo e junto aos diferentes stakeholders que formam nossa cadeia de valor”. E no site da Aurora, encontramos a seguinte afirmação: “Através da relação com investidores e empreendedores, desenvolvemos um modelo voltado para a lucratividade, enquanto a responsabilidade social se faz presente em nossas iniciativas de cidadania, no engajamento das partes interessadas e na geração de emprego”. E no site da T4F há a afirmação de que “Dentre outras práticas a Time For Fun implementou seu Código de Conduta Ética, por meio do qual foram estabelecidos os propósitos, os valores e os princípios da Companhia e o que se espera de seus administradores, colaboradores, fornecedores, prestadores de serviços e parceiros, tendo como pressupostos a transparência, a integridade e a conduta ética em suas atividades e operações, visando a integridade e perenidade da Companhia”. Mas, como pode esse tipo de compromisso com o ESG resultar em uma terceirização da responsabilidade das condições de trabalho de alguns de seus colaboradores, uma vez que o trabalho destas pessoas é essencial para o seu sucesso? Será que estas empresas sabem de fato o que é ESG e qual é a extensão do comprometimento assumido por elas? 

O que é ESG? 

ESG é uma sigla em inglês que significa Environmental, Social and Governance, e corresponde às práticas de responsabilidade ambiental, social e de governança de uma organização que não se preocupa apenas com o lucro no mercado financeiro, mas que tem uma preocupação com o mundo no qual está inserida. O termo foi cunhado em 2004 em uma publicação do Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins, o que significa algo como “Quem Cuida, Vence”. Surgiu de uma provocação do secretário-geral da ONU Kofi Annan a 50 CEOs de grandes instituições financeiras, sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais. Na mesma época, a Organização das Nações Unidas lançou o relatório Freshfield, que consistia em um relatório sobre os princípios para o investimento responsável e que mostrava a importância da integração de fatores ESG para avaliação financeira (Pacto Global, Rede Brasil, ESG, acesso em 11/05/23). 

Desde então, o termo ESG tem sido usado como uma métrica para nortear boas práticas de negócios, o que significa estabelecer critérios normativos-morais para orientar as diversas etapas da cadeia de produção e dos negócios. Alguns importantes aspectos que devem ser observados pelo ESG são: 

  1. Mitigação das emissões de carbonos em razão da poluição da água e do ar; 

  2. Respeito à biodiversidade; 

  3. Gestão de resíduos e rejeitos provenientes de determinada atividade; 

  4. Respeito aos direitos humanos e às leis trabalhistas; 

  5. Preocupação com a segurança e a saúde dos empregados; 

  6. Preocupação com a diversidade, equidade e inclusão nos locais de trabalho; 

  7. Combate à corrupção;  

  8. Combate ao assédio tanto moral como sexual; 

  9. Compromisso com a transparência e respeito à privacidade.

E, importante frisar, que estes e outros aspectos similares são fundamentais na análise de riscos e nas decisões de investimento das empresas. Assim, o ESG é importante porque mostra o compromisso da empresa com as questões imperativas de sustentabilidade ambiental, direitos humanos e democracia, uma vez que estas são questões urgentes de nosso tempo e são demandadas por toda a sociedade, mostrando o compromisso da empresa com a construção de uma mundo ético, inclusivo e ambientalmente sustentável, de forma a garantir a qualidade de vida das pessoas que formam a sociedade. Especificamente no que concerne ao S do ESG, isto significa assumir um dever moral de respeitar os direitos humanos, promover a justiça social, cumprir às leis trabalhistas e se preocupar com a segurança e saúde dos empregados, bem como significa defender a diversidade, equidade e inclusão nos locais de trabalho. Não se trata se apenas cumprir as leis, como uma obrigação externa, mas de se comprometer moralmente em cumprir essas leis e isso pelo compromisso com os valores de equidade, igualdade, integridade e justiça, por exemplo. E tudo isso deveria convergir na boa governança, com ética, transparência e responsabilidade, que efetivamente ajudam na prevenção do trabalho escravo e exploração da mão de obra em toda a cadeia de suprimentos. 

É claro que alguém poderia argumentar que essa maior visibilidade nas ocorrências de trabalho análogo à escravidão é uma consequência da reforma trabalhista feita no governo Temer em 2017, que flexibilizou uma série de garantias importantes aos trabalhadores. Mas, ressalto que os dois casos em tela estavam descumprindo às leis trabalhistas vigentes pós reforma, em razão do excesso de horas trabalhadas por dia e cerceamento da liberdade de ir e vir, entre outras razões. Tanto foi assim que as vinícolas tiveram que assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) no valor de R$ 7 milhões com o MPT. O TAC prevê 21 obrigações que tem o objetivo de disciplinar a contratação de serviços terceirizados e impedir que o problema volte a ocorrer. E no caso Lollapalooza, segundo o MET, os cinco trabalhadores estavam em uma situação de informalidade, não possuindo contrato intermitente de trabalho válido, embora um representante da prestadora de serviços tenha apresentado os contratos, mas disse que eles ainda não estavam lançados no sistema do eSocial. Mesmo com essa consideração, o que importa ressaltar é que o tipo de jornada de trabalho de 12 horas diárias e obrigação de dormir no local de trabalho contraria claramente as leis trabalhistas em vigor e não estavam previstas no contrato apresentado, mesmo que ainda não registrado. 

O que fazer? 

Entendido o paradoxo do trabalho escravo e ESG, o próximo passo seria perguntar se este problema tem alguma solução. Acredito que uma linha interessante de ação seria procurar esclarecer o significado do termo ESG socialmente, de forma que ele possa ser compreendido como os deveres morais que as empresas e organizações assumem nos âmbitos ambiental, social e de governança, e isso em razão de seu compartilhamento com os valores éticos de equidade, integridade, justiça, igualdade, sustentabilidade ambiental, por exemplo, e não por estarem obrigados pelo Estado ou pela sociedade a se comportarem de forma ética.  

Seria importante compreender que esse comprometimento não se trata apenas de um discurso retórico que alguma empresa ou organização poderia empregar para ter mais valor de mercado, mas se trata de um compromisso moral destas organizações, o que significa que é um compromisso assumido voluntariamente. E, em sendo voluntário, esse comprometimento pode ser visto como um capital moral, capital esse que pode ser perdido rapidamente, como a partir de uma percepção que a empresa não está se esforçando adequadamente para erradicar as injustiças ou para reduzir o impacto ambiental, por exemplo. 

Por isso uma estratégia eficiente para as empresas e organizações seria tratar do ESG não puramente como marketing, como uma forma de aumentar o capital econômico da empresa, mas tratá-lo como uma questão propriamente ética, como uma maneira de aumentar o capital moral destas organizações. Talvez assim, possa se ter mais claro que assumir publicamente o compromisso com o respeito aos direitos humanos e o cumprimento das leis trabalhistas é totalmente contraditório com a conivência às situações de trabalho análogo à escravidão. Talvez tratar o ESG como um capital moral possa representar um avanço na gestão, quem sabe oportunizando a conclusão de que o que realmente importa não seria a estratégia de marketing propriamente dita, mas a criação de práticas concretas para respeitar os direitos humanos combatendo o trabalho análogo à escravidão e para cumprir todas as leis trabalhistas, inclusive, se preocupando com a segurança e saúde dos empregados, por exemplo, bem como com a criação de práticas para combater tanto o assédio sexual quanto moral e todo tipo de corrupção que deterioram as estruturas coorporativas. 

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terça-feira, 4 de julho de 2023

Como a China está expandindo a influência do yuan na América Latina em meio a disputa global com EUA


Caros Leitores,


A maior participação do yuan em negociações comerciais junto aos países da América Latina tem sido observada como tendência cada vez mais presente decorrente da ampliação do comércio da China na região.



Este fenômeno pode ser evidenciado pelo fato do yuan ter se tornado a segunda moeda em termos de reserva externa de diversos países da região, sendo acompanhado de um processo simultâneo de diminuição da participação do dólar em acordos comerciais na América Latina em comparação com a moeda chinesa.


A fim de debater este tema, trazemos nesta semana uma notícia que busca observar as circunstâncias que proporcionaram maior presença e influência da moeda chinesa junto a esses países e seus principais desdobramentos no contexto da economia latino-americana.



Esperamos que gostem e compartilhem!



Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise.


Talvez você não veja isso nos preços de carros ou eletrodomésticos do país, mas o yuan, a moeda que a China promove como alternativa ao dólar, está abrindo um espaço crescente na América Latina.


Alguns sinais disso surgiram nas últimas semanas.


Na Argentina, o governo anunciou no mês passado que suas compras da China passariam a ser pagas em yuans em vez de dólares, para preservar suas enfraquecidas reservas internacionais.


E aqui no Brasil, onde o yuan superou o euro como segunda maior moeda de reserva externa, o governo também anunciou um acordo para negociar com a China nas moedas dos dois países e evitar recorrer ao dólar.


"Existem vários mecanismos que a China pode usar para introduzir sua moeda em diferentes mercados; é um fenômeno regional, não algo exclusivo do Brasil e da Argentina", diz Margaret Myers, diretora do programa da Ásia e América Latina do Diálogo Interamericano, um centro de análises regional com sede em Washington, nos Estados Unidos.


No entanto, ela adverte em entrevista à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC) que ainda não se sabe até onde chegará esse impulso da moeda asiática.



"Uma Estratégia Chinesa"



Pequim demonstrou sua intenção de aumentar a presença do yuan na América Latina na última década, depois de se tornar um importante parceiro comercial na região e uma fonte de financiamento para alguns países.


Em 2015, as autoridades chinesas assinaram acordos de investimento e câmbio com o Chile, onde anunciaram a abertura do primeiro banco de compensação de yuans na América Latina.


Alguns meses depois, fizeram o mesmo na Argentina.


O objetivo dessas instituições, também conhecidas como clearing houses – ou câmaras de compensação –, é facilitar as transações internacionais entre a moeda local e o yuan, sem a necessidade de passar pelo dólar, como costuma acontecer.


Em fevereiro, após acordos de compensação de yuans em outras regiões, a China anunciou a mesma medida no Brasil, seu maior parceiro comercial na América Latina com uma troca bilateral que em 2022 atingiu um recorde de US$ 150 bilhões (cerca de R$ 750 bilhões).


Operado pelo Banco Industrial e Comercial da China, um importante ator financeiro que garante aos empresários brasileiros a conversão imediata para reais dos negócios fechados em yuan, o mecanismo compensatório no Brasil processou sua primeira operação de liquidação internacional em moeda asiática em abril.


Com um volume considerável de câmbio bilateral, esse mecanismo teoricamente pode tornar as operações em yuan mais atrativas porque evita a dupla conversão em dólar, explica Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil.


"É uma estratégia chinesa tentar tornar sua moeda conversível e mais amplamente utilizada", declara Barral à BBC News Mundo.


Mas ele destaca que mais de 90% do comércio exterior brasileiro ainda é feito em dólares.


Embora o yuan possa ganhar mais peso como segunda moeda nas reservas internacionais do Brasil com acordos recentes, ainda é marginal em relação ao dólar (a moeda chinesa ocupava menos de 6% desse total em dezembro, e os EUA mais de 80%).


O ministro da Economia argentino, Sergio Massa, anunciou em abril um acordo para deixar de pagar as importações da China em dólares e passar a adotar o yuan, após ativar um swap ou acordo de câmbio financeiro com o país asiático equivalente a US$ 5 bilhões.


Desta forma, a Argentina calculou oficialmente que somente em maio suas empresas pagariam com yuans mais de US$ 1,04 bilhão por importações originárias da China (de eletrônicos a automóveis) e, depois, uma média de US$ 790 milhões por mês.


O governo argentino buscou com esses acordos preservar as reservas internacionais do país, que caíram a níveis preocupantes em meio à crise econômica e à medida em que o Banco Central vendia dólares no mercado de câmbio para conter a desvalorização do peso.


Na Bolívia, onde as reservas internacionais também diminuíram e os dólares rarearam, o presidente citou a nova utilização do yuan no comércio exterior da Argentina e do Brasil como um possível caminho a seguir.


"As duas maiores economias da região já estão negociando em yuan em acordos com a China", disse Arce em entrevista coletiva neste mês. "A tendência na região vai ser essa”, acrescentou.



"Quem decidiu?"



Claro, os fatores geopolíticos também desempenham um papel em tudo isso.


Diferentes analistas acreditam que a China redobrou seu desejo de internacionalizar sua moeda não apenas como uma forma de impulsionar o seu comércio exterior, mas também para corroer o poder que o dólar americano teve por décadas.


As sanções internacionais à Rússia por invadir a Ucrânia pareciam abrir uma oportunidade para a valorização da moeda chinesa.



O yuan desbancou o dólar como a moeda mais negociada na Rússia este ano, depois de representar 23% dos pagamentos de importações russas em 2022.



E a China, pela primeira vez em março, usou mais yuan do que dólares para pagar suas transações internacionais, embora sua moeda tenha movimentado menos de 5% do comércio mundial.


Alguns especialistas acreditam que, ao tentar reduzir a dependência do dólar, Pequim quer se proteger do risco de futuras sanções ao dólar.


A China também fechou acordos recentes com outros parceiros comerciais – do Paquistão a empresas na França – para facilitar as trocas de yuans, desenvolveu sua própria moeda digital e uma alternativa à Swift, a rede global de mensagens interbancárias.


Paralelamente, também surgiram questionamentos da América Latina sobre a primazia do dólar.


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu a adoção de uma moeda diferente dos EUA para financiar o comércio entre os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).


"Quem decidiu que o dólar deveria ser a moeda depois que o ouro desapareceu como paridade?", perguntou Lula durante visita à China em abril.


"Precisamos ter uma moeda que transforme os países em uma situação um pouco mais tranquila", disse, "porque hoje um país precisa correr atrás do dólar para poder exportar".


Mas, de acordo com especialistas, a chave aqui é que o dólar tende a atrair a demanda internacional por ativos seguros e é difícil para o yuan competir nesse aspecto sem que a China relaxe suas próprias restrições de capital.


Myers considera improvável um aumento explosivo do uso do yuan na América Latina após os anúncios da Argentina e do Brasil, ainda que a moeda tenha maior presença na região.


"Vemos um crescimento no uso (do yuan) e um esforço real da China para que isso aconteça", diz ele. "Mas o grau em que será usado como moeda global depende das próprias reformas internas da China e do quanto ela abrirá seus mercados financeiros. E isso não está ocorrendo."


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