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quinta-feira, 13 de julho de 2023

Os desafios da economia digital na era da algoritmização

 

Caros Leitores,


A ampliação do acesso a novas tecnologias na sociedade contemporânea, permeada pela crescente fase de algoritmização do capitalismo, desencadeou a necessidade de intervenção das estruturas de regulação e de vigilância no espaço virtual.


Desse modo, como possíveis desdobramentos dos sistemas de algoritmização no campo digital, especialistas no tema têm evidenciado os riscos de restrição do exercício pleno da democracia - bem como os potenciais prejuízos na esfera econômica como decorrência desse processo.


Diante desta discussão, trazemos nesta semana uma notícia que examina os desafios resultantes deste cenário e as implicações dos projetos de regulamentação das Big Techs, que visam eliminar os obstáculos tanto do ponto de vista econômico quanto aqueles que restringem aspectos fundamentais relativos à privacidade no espaço virtual.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.



O Projeto de Lei 2630 é um dos principais avanços que o país poderá ter no campo político digital, contudo, é necessário observar que há alguns outros caminhos a serem trilhados, principalmente na Economia Digital. O capitalismo algoritmizado está ancorado em estruturas mais sólidas de poder e de vigilância, nas quais os algoritmos perpetuam a exploração sistêmica presente no projeto neoliberal. Logo, a algoritmização é um fenômeno que pode ser danoso à democracia e à economia.  

As novas tecnologias estão presentes em nossas rotinas em diferentes formas: celulares, computadores, relógios e, até mesmo, as realidades virtuais e aumentada. Estamos, em um primeiro momento, diante de várias telas com a finalidade de comunicação e entretenimento e, em um segundo momento, sendo vetores de dados. Esses dados, transformados em informações, podem ser (e são) comercializados em diferentes fins: publicidade, e-commerce ou até consumo de conteúdo.  

De acordo com Crary (2016), “Um dos objetivos de empresas como Google, o Facebook e outras é normalizar e tornar indispensável, como esboçou Deleuze, a ideia de uma interface contínua – não literalmente sem costuras, mas uma ocupação relativamente ininterrupta com telas iluminadas de diversos tipos, que exigem constante interesse ou resposta”. Nota-se que um primeiro movimento dessas empresas é provocar em cada indivíduo a percepção de que seus dispositivos são indispensáveis e que toda atividade, da mais trivial a mais complexa, deve ser feita por intermédio ou com ajuda das novas tecnologias. O autor, ainda, afirma que as constantes interferências possibilitam, em alguma medida, uma construção de pensamento uniforme e de construção individual em tal medida que é capaz de dissolver qualquer “distinção entre o pessoal e o profissional, entre o entretenimento e a informação”.  

Observa-se, então, que é necessário, para a não dissolução dessa estrutura, algo capaz de costurar aquilo que era visto como campos pessoal e profissional, bem como, o que é visto como entretenimento e informação. Os algoritmos são os mecanismos necessários capazes de criar, como diz Zuboff (2019), uma interface digital de renderização, que entrega ao Capitalismo de Vigilância a contribuição contínua do suprimento de dados como matéria-prima. Logo, é possível afirmar, de acordo com Zuboff, que não há capitalismo de vigilância sem renderização, ou seja, sem criar um arcabouço de dados que vigiam e controlam indivíduos.  

O processo de renderização é capaz, ainda, de criar ilhas (ou comumente chamadas de bolhas), pois os algoritmos são projetados para influenciar indivíduos e pessoas ao seu redor (O’Neil, 2020). A partir disso, podem ser disseminadas informações falsas bem como recrudescer a vigilância e controle de grupos de interesse. Essas estratégias podem ser utilizadas por empresas e por quem possui interesses políticos, como já visto nas eleições de 2018 e 2022.  

A renderização tem outra característica, que se assemelha ao fenômeno da algoritmização, que é o extrativismo de dados, que irá aumentar a base de informações de um indivíduo, tornando a privacidade vulnerável – e em alguns casos um privilégio – com o objetivo de prever comportamentos por meio de algoritmos. 

O extrativismo de dados também é utilizado nas plataformas (sites e aplicativos) de trabalho com o objetivo de consolidar práticas de exploração de mão-de-obra, dominação do trabalhador e fortalecimento de relações de poder. Percebe-se que o algoritmo invisibiliza o trabalhador que depende dele para a geração de renda, tornando-o um mero agente em uma cadeia produtiva.  

A algoritmização do trabalho, nesse momento, vem se construindo como uma forma perene de substituição do trabalhador sob a lógica da maximização de lucros, na qual o algoritmo assume a função de poder e, sob sua gestão, os trabalhadores são vigiados, punidos ou bonificados em uma estrutura dinâmica em que o trabalhador vende sua mão-de-obra a valores pífios e se torna servo de um senhor imaterial.  

Percebe-se, então, que a formatação do capitalismo na Economia Digital tem em seu núcleo a algoritmização, que é responsável pela vigilância e controle dos indivíduos presentes nesse modelo econômico. Assim, o processo de renderização terá uma forma mais latente da exploração em seu caráter de vigiar de forma ininterrupta qualquer pessoa e é uma extrapolação de um viés repressor, presente no capitalismo. É com mecanismos de vigilância que a algoritmização retém as pessoas em seus ambientes virtuais.  

Diante disso, há a necessidade de regular e criar políticas públicas que protejam dados e que criem mecanismos de proteção social. De acordo com Véliz (2021), órgãos e agências regulatórias, bem como a criação de leis de proteção aos dados são importantes na sociedade atual. E vai além, “há algumas tecnologias de vigilância que são tão perigosas, tão propícias para o abuso, que talvez seja melhor proibi-las completamente, assim como proibimos algumas armas que são demasiado cruéis e perigosas”. O fato que aqui se consolida é que o uso de novas tecnologias com o objetivo de vigilância é uma condição sine qua non do capitalismo algoritmizado, colocando a privacidade como um privilégio ou uma utopia.  

A partir do fato que tudo pode ser conectado e o comportamento pode ser capturado, analisado e manipulado. Logo, sem regulação e sem políticas públicas, o Estado fica enfraquecido e, como questiona Morozov (2018), “Por que confiar em leis, se podemos contar com os sensores e mecanismos inteligentes”? Cria-se, então, como diz o autor, uma governança autorregulada através de algoritmos, que retroalimenta sistemas capazes de reconhecer e criar regras necessárias para a manutenção desse capitalismo algoritmizado em que se busca uma profunda compreensão do resultado desejado.  

A Economia Digital e toda sua estrutura capitalista mostra que as novas tecnologias permitem o desaparecimento de regulação por parte do Estado enquanto aumenta seu poder de supervisão de indivíduos. Tal ausência de Estado é preenchida pela ocupação de Big Techs, que lucram exponencialmente com o garimpo perene de dados. Obviamente, com esse cenário, o Estado de bem-estar social é dilapidado, dando vazão à exploração desmedida por parte dessas grandes empresas.  

Nota-se que a Economia Digital, na orientação algorítmica, trouxe mudanças na forma como o capitalismo avança e, segundo Dowbor (2020) o principal fluxo de investimentos não resultará em uma indústria física e sim na capacidade de controle de conhecimento que irão definir formas imateriais de apropriação e controle poderosas. O autor continua, na era feudal, o principal fator de produção era a terra, no capitalismo industrial era a máquina e hoje é o conhecimento. Mais especificamente, os dados.  

Os dados não irão produzir uma estrutura física, material que pode ser entendida e vista como propriedade. Os dados são recursos imateriais que são garimpados pelas Big Techs, assim, esses recursos não ficam com o produtor (indivíduo) mas sim com o explorador (Big Techs). Por isso a urgência de regulação e políticas públicas no âmbito da Economia Digital. É necessário que sejam criados mecanismos de proteção social, econômica e, claro, da democracia. Como observado, a algoritmização irá valorizar e proteger as Big Techs enquanto derruba direitos sociais e explora trabalhadores.  

O PL 2630 deve ser visto como uma das etapas de proteção de bem-estar social e um passo importante na presença do Estado na Economia Digital. Porém, ele não abarca a solução de todos os problemas que são vistos atualmente. É necessário seguir para a regulação do que é visto como algoritmização, que está no núcleo desse capitalismo de vigilância. Tal regulação traz proteção individual e coletiva, dando mais poder social ao invés do fortalecimento das Big Techs. Precisamos de uma democracia mais forte e pensar em uma Economia Digital sustentável e social, sem os arroubos desse capitalismo algoritmizado.

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