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terça-feira, 23 de maio de 2023

Globalização e Forças Armadas

Caros Leitores,


A intensidade da difusão e perpetuação da globalização em diversos setores da sociedade destaca a relevância da discussão sobre como esse fenômeno afeta a soberania bem como a defesa dos interesses nacionais.


Neste contexto, trazemos nesta semana uma notícia que aborda as implicações nas esferas econômica, política, e internacional,  refletindo sobre as modalidades de internacionalização da produção e do comércio, e como esse processo se reflete inclusive nas Forças Armadas.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.


Na área militar a globalização também possui uma história que é assentada no movimento dos exércitos em vários recantos do mundo. Na pré-modernidade aconteceu a subjugação do Chipre à Assíria, a invasão da Grécia pela Pérsia, o avanço chinês sobre os países da Ásia Central e a inclusão da Eurásia no reino mongol. Na modernidade ocorreu a conquista do império inca pelos espanhóis, a anexação das Filipinas pelos Estados Unidos, as duas guerras mundiais e a manifestação do colonialismo com os britânicos na Índia e a França na África, sustentado por grandes exércitos comandados por oficiais ingleses e franceses. No suposto e alcunhado período pós-moderno, a partir do fim da guerra fria, exércitos das grandes potências têm perambulado por vários países onde ocorrem combates e os das potências subalternas se encontram em missões de conciliação comandadas pela ONU em locais dominados pelo conflito.

Tal histórico é consoante ao significado da globalização nas Forças Armadas o qual diz respeito ao processo que envolve uma progressiva extensão e uma gradual intensidade do intercâmbio militar entre as unidades políticas do planeta. A expressão essencial desse significado aponta para a centralização do poder estratégico decorrente da concretização de alianças. Como exemplos podem ser citados o Pacto de Varsóvia criado em 1955 e composto pelas repúblicas socialistas da Europa Central e Oriental e a Organização do Tratado do Atlântico Norte que emergiu em 1949 integrado pelos Estados Unidos e algumas dezenas de países europeus a qual se empoderou bastante por causa da guerra na Ucrânia. Com relevância menor cabe incluir o Diálogo de Segurança Quadrilateral composto por Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia. Também é ilustrativo as denominadas operações conjuntas e combinadas de Forças Multinacionais como a realizada pela França e Mali em 2021 a qual foi suspensa devido a aplicação de um golpe de Estado, a concretizada pela Índia, China e Rússia atualmente.

Outrossim, tem surgido diversas implicações para as Forças Armadas estatais. Uma das mais sérias relaciona-se à corrosão da sua importância, pois como é sabido existe uma significativa quantidade de grupos privados de segurança que oferecem os mesmos serviços que elas prestam. Apenas para ilustrar, citem-se o Dyn Corp norte americano que concedeu suporte aéreo e treinamento às forças iraquianas, o sul africano Executive Outcomes que atuou a serviço do Movimento Popular de Libertação de Angola e o russo Wagner que combateu terroristas em Burkina Fasso e se encontra em ação na Ucrânia. Vale destacar que muitos governantes favoráveis ao neoliberalismo, caracterizador da globalização atual, preferem contratar tais grupos porque eles são menos numerosos, mais ágeis, menos dispendiosas e mais eficientes que as Forças Armadas convencionais.

Esta assolação da relevância se mostra também naqueles Estados independentes que preferiram abrir mão de instituições bélicas próprias. Tais são os casos de Mônaco, Ilhas Marshall e Nauru dentre outros, que por acordos firmados recebem proteção militar de outros países, respectivamente da França, Estados Unidos e Austrália.  Há, também aqueles que preferem possuir apenas um aparato policial ou estabelecimentos castrenses bastante reduzidos cujos exemplos são a Islândia que é amparada pela Noruega e Dinamarca e Andorra que é dependente da Espanha.

As Forças de Manutenção de Paz das Nações Unidas, os alcunhados capacetes azuis, existentes desde há muito tempo, são aparatos militares multinacionais a serviço deste órgão mundial. Elas foram criadas para atuar em zonas internacionais de conflito sem o emprego de armas, principalmente na manutenção do cessar fogo e retirada de tropas. Aproximadamente cento e trinta países contribuem com milhares de voluntários e quase setenta operações ao redor do mundo já foram realizadas ou continuam em andamento. Apesar do relevante serviço por elas prestado e do prestígio que desfrutam em todas as nações do planeta, tais forças contribuem para o deperecimento do comando dos países participantes sobre uma significativa parcela de seus militares. Isto também se manifesta nos casos onde ocorre a centralização do poder estratégico anteriormente mencionada. Ademais seus integrantes são instados a praticar ações conciliatórias contrárias ao comportamento guerreiro desenvolvido em suas nações de origem.

Em relação aos equipamentos bélicos, sabe-se que desde fins do século dezenove a produção de material de combate era considerada um ativo nacional apoiado pelos governos nacionais. Entretanto, no período atual, a indústria de segurança sofreu sérias modificações.  Os elevados custos associados ao processo produtivo consolidaram a presença de comunidades colaborativas de segurança internacional, inclusive para minimizar os riscos associados às ações de compra. Ocorreu então uma concentração em determinados países, tais como Estados Unidos, França, Alemanha e Rússia, da capacidade de forjar armamentos. Além disso, passou a vigorar o estabelecimento de parcerias nestas áreas. É o caso dos Estados Unidos e Índia que possuem um acordo para a fabricação de caças de combate. É o caso também da Aliança Aukus integrada pelos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido voltada para os armamentos hipersônicos e tecnologia cibernética. É o caso ainda dos países europeus cuja Agência Europeia de Defesa, criada em 2004 tem se dedicado a ajudar os seus membros a desenvolver os respectivos recursos militares bem como os auxiliarem no desenvolvimento das capacidades conjuntas de defesa.

Para os países que não possuem fabricação nacional se instaurou uma situação de enorme dependência não só para a compra de material bélico, mas para a aquisição de peças de reposição, transferência de tecnologia e licenciamento da atividade de coprodução. Assim sendo acontece um evidente comprometimento da capacidade das Forças Armadas autóctones em relação às suas ações de defesa.

Talvez a área mais relevante das Forças Armadas impactada pela globalização seja a da cultura de seus integrantes. O afeto patriótico, isto é, o sentimento de orgulho, de amor e de devoção ao país, que é importantíssimo numa situação de combate, tem se mostrado bastante afetado principalmente por causa da presença de majoritários contingentes multirraciais em detrimento de cidadãos locais. Não é difícil perceber que é muito áspera a tarefa de cultivá-lo num agrupamento composto por pessoas originárias de inúmeras terras natais. Na França se encontra a Légion Étrangère composta por soldados oriundos de dezenas de países, em Israel há nas fileiras drusos, circassianos, beduínos e etíopes e na Nigéria se encontram os povos Hausa, Yoruba, Igbo, Fulani, Ijaw, Kanuri, Ibibio, Tiv e Edo.

O traço neoliberal, ainda marcante da globalização, contribuiu para a troca da conscrição pelo voluntariado atualmente adotado por inúmeros países. Através dela o recrutamento dos interessados passou a levar em conta as peculiaridades do mercado ocupacional civil para conseguir atrair o contingente necessário. Por sua vez, as pessoas passaram a encarar as Forças Armadas apenas como uma opção de trabalho entre as demais, e vista pelo ângulo do individualismo, da auto-realização, dos interesses e aspirações pessoais que são dissonantes do esprit de corps próprios das Forças Armadas. Assim sendo os princípios básicos e tradicionais das instituições castrenses, isto é, a hierarquia ou as relações estáveis de subordinação e ascendência e a disciplina ou a imediata obediência às ordens oriundas dos escalões superiores mais o acatamento irrestrito às leis, entraram em processo de esmorecimento possibilitando a emergência do uso de métodos participativos de gestão e de liderança da tropa. Tal síncope tem sido agravada pela forte presença da sociedade do conhecimento que permite às pessoas receberem múltiplas informações diárias advindas de vários recantos do mundo, as quais colaboram muito para o questionamento dos valores convencionais, inclusive nas organizações bélicas que insistem em mantê-los inalterados.



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