Caros Leitores,
Com a posse do atual governo, novas diretrizes para o controle de problemas macroeconômicos têm sido fruto de discussões, sendo que, dentre estas,medidas que se referem ao corte de gastos públicos têm recebido atenção especial.
Diante disso, essa semana trazemos uma notícia que analisa a natureza da responsabilidade fiscal brasileira, apresentando possíveis consequências adversas provientes dos cortes no gasto público.
Esperamos que gostem e compartilhem!
Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).
Para os economistas neoliberais, responsabilidade fiscal é sinônimo de cortes de gastos públicos, que consideram uma atitude sempre virtuosa e remédio para todos os problemas macroeconômicos.
Inflação fora do controle? Cortes de gastos públicos vão ajustar as expectativas de inflação, que determinam a própria, antes e mais intensamente que qualquer outra condição.
Baixo nível de atividade econômica? Cortes de gastos públicos vão elevar a confiança dos empresários, que aumentarão a produção e a capacidade produtiva, mesmo sem estar vendendo ou recebendo encomendas.
Afinal de contas, acham que despesas públicas são sempre perniciosas, usadas para pagar funcionários públicos ineptos e indolentes, distribuir dinheiro para os eleitores carentes continuarem votando em determinados políticos, que usam essas despesas.
De acordo com essa narrativa, cortes de gastos permitirão menores impostos, levando a maiores retornos do capital produtivo, que garantirão mais investimentos, ainda que não tendo para quem produzir. Também os detentores da dívida pública aceitarão juros menores, embora tenham se contentado com taxas reais negativas por 18 meses consecutivos, em 2020-2021.
Por mais tosca que possa ser, com cada vez menos adeptos no mundo, sobretudo a partir da crise financeira de 2008, é a narrativa que continua predominando na mídia corporativa nacional, entre seus analistas e “os economistas”, na verdade os criterios criteriosamente selecionados para reforçá-la.
No extremo oposto estariam alguns economistas heterodoxos, que nunca consideram limites para as despesas públicas, como se sempre houvesse recursos ociosos possíveis de serem mobilizados para atender qualquer aumento de demanda, ainda que trazidos de fora, ou mesmo se eventual aumento da inflação fosse aceitável, como um efeito passageiro e facilmente compensável. A inflação, no Brasil, teve efeitos devastadores em várias ocasiões, por isso tem forte rejeição, demonstrada em vários resultados eleitorais.
Gastos públicos que elevem a demanda além da capacidade produtiva da economia, de modo persistente, vão gerar pressões inflacionárias. Temporariamente, excessos de demanda por bens comercializáveis podem ser supridos com mais importações ou menos exportações, mas os não comercializáveis, como os serviços, seguirão pressionados.
O teto de gastos, no formato ainda em vigor, é uma forma de evitar tais excessos, mas carrega custos econômicos e sociais absurdos e injustificáveis. São limites para as despesas públicas atualizados anualmente apenas pela inflação. Aumentos do PIB, que elevariam as possibilidades de financiamento de gastos adicionais, assim como aumentos da população, que elevariam as suas necessidades, não afetam o teto, que por isso vai se reduzindo em relação a esses parâmetros.
Essa regra também não permite elevações, temporárias e compensáveis, para realização de política anticíclica, despesas adicionais que se pagariam com os aumentos que promoveria em arrecadações futuras nem que seriam financiadas com elevações de tributos.
Aumentos de carga tributária também são sempre contestados, com o argumento de que já é muito superior à praticada em países de renda média, como o nosso. A rigor, trata-se de uma escolha soberana, decidida por representantes eleitos, e os seus efeitos sobre a competitividade dependerão, especificamente, da incidência sobre a produção e as empresas.
Atualmente, temos muito espaço para arrecadar mais de pessoas físicas de altas rendas, gerando recursos que podem ser usados para financiar despesas e/ou reduzir a tributação que eleve a competitividade ou a equidade.
O que vem a ser, afinal, responsabilidade fiscal? Podemos definir como uma conduta que assegure que o governo cumprirá seus compromissos. Sendo uma dívida em sua própria moeda, não haverá qualquer dificuldade em emitir e pagá-la. No caso do Brasil, o o Tesouro possui saldo em sua conta única suficiente para pagar grande parcela dessa dívida, cobrindo vencimentos por vários meses. Contudo, o que tem ocorrido é a sua rolagem, com taxas determinadas, principalmente, pelo que o Banco Central tem considerado necessário para controlar a inflação.
As emissões de moeda e de títulos públicos têm ocorrido muito intensamente, nos últimos anos, entre países mais desenvolvidos, sem causar pressões inflacionárias, que têm sido atribuídas a outros fatores. A moeda brasileira não tem suficiente aceitação para se manter entesourada por longos períodos. Mesmo os títulos públicos podem ter aceitação comprometida por rolagens e estoques percebidos como muito elevados, induzindo seus detentores a exigir taxas maiores e/ou a diversificar seus portfólios com mais operações de crédito e mais títulos estrangeiros.
Tais circunstâncias podem surtir efeitos indesejáveis na atividade econômica e/ou na inflação, o que estabelece limites para o endividamento público.
Assim, é possível se chegar a consensos sobre responsabilidade fiscal, tanto em termos de gastos, quanto de tributação e endividamento. Inicialmente, todos precisam reconhecer que existem limites, mas também flexibilidade. Planejamento, cumprimento de compromissos e transparência são indispensáveis, ao lado da identificação e acompanhamento de indicadores críticos para se estimar até onde a economia acomoda gastos, tributação e endividamento.
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