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quarta-feira, 27 de julho de 2022

Junho de 2022: o plano Biden para a América do Sul


Caros leitores,

Os Estados Unidos sempre tiveram na América do Sul uma das suas principais zonas de interesse e influência, tendo atuado diretamente em diferentes momentos visando a colocação de governos aliados a si em postos chave na conjuntura política regional. No entanto, cada vez mais percebe-se uma modificação dessa realidade, mediante a criação de um descompasso entre os interesses norte-americanos e aqueles manifestados no restante do continente.

Diante disso e à luz da Cúpula das Américas e o movimento do xadrez político recente em países como Chile e Colômbia, trazemos hoje uma análise que demonstra a dificuldade do país de impor sua agenda e seus interesses na América do Sul em um momento de novos líderes políticos de esquerda, o que gera dúvidas sobre o futuro mas sob nenhuma hipótese desmerece a importância da influência que os EUA ainda exercem na região.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

O mês de junho de 2022 foi um momento de perdas relevantes para a política externa dos Estados Unidos na América do Sul, especialmente em razão de dois eventos: o fracasso da Cúpula das Américas e a eleição de Gustavo Petro na Colômbia. Os eventos mostram a dificuldade dos EUA em impor sua agenda à região. Contudo, esses limites não devem ser superestimados e, tampouco, sinalizam o fim da hegemonia estadunidense.

A Cúpula das Américas mostrou a dificuldade de Biden em estabelecer um diálogo com a América do Sul. Com um discurso que visou à manutenção da hegemonia, da sua posição de superioridade e subordinação da região, a tentativa do governo estadunidense de relançar as relações do país com a América Latina e aumentar o protagonismo da potência ao norte fracassaram. A Cúpula foi mal organizada, algumas lideranças importantes, como o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, estiveram ausentes e o plano econômico apresentado por Biden teve pouca repercussão.

Os EUA reafirmaram a sua tendência histórica de definir quem são os países autoritários e, portanto, decidiram não enviar convites para os presidentes de Cuba, Venezuela e Nicarágua – seus atuais desafetos. Essa escolha foi respondida pelos latino americanos com ausência de líderes importantes e discursos contundentemente críticos, como aqueles proferidos  pelo presidente chileno, Gabriel Boric e argentino, Alberto  Fernandez. O que se pode observar é que a solidariedade sul americana ao projeto estadunidense para a região foi bem recebida apenas por alguns países, como a Colômbia do presidente em saída, Ivan Duque.

A agenda dos EUA volta-se muito aos seus próprios interesses – que, neste momento, concentram-se na tentativa de contenção da expansão econômica chinesa na América Latina – e se mostra pouco aberta à incorporação de demandas históricas latino-americanas. Entre estas, encontra-se a reivindicação pela participação universal dos países americanos neste tipo de reunião, não contemplada por Biden, que decidiu excluir exatamente alguns dos governos que mais têm se aproximado de outras potências. Por outro lado, a presença econômica chinesa, crescentemente vista como um problema de segurança pelos EUA, é muitas vezes entendida pelos sul-americanos como uma oportunidade.

Os desencontros também estão nas diferentes definições dos problemas regionais. Enquanto a Biden enfatiza o “trabalho conjunto” para contenção da imigração e adesão sobre as definições estadunidenses de democracia e direitos humanos, diversos governos progressistas da região reafirmam – no atual contexto de volta da fome – a necessidade de combate à insegurança alimentar e às desigualdades sociais, defesa da democracia com justiça social, acesso a tecnologias e aos investimentos internacionais bem como o fim dos embargos dos Estados Unidos aos países da região.

Reforçando as percepções de militares e congressistas estadunidenses sobre a América Latina, as propostas de Biden na Cúpula expressaram o descompasso entre as visões do país e da América Latina. Apesar desse insucesso, a administração Biden não parece buscar alternativas. Nesse sentido, após o evento, o assessor especial do presidente Biden para a região e diretor do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental, Juan Gonzales, tem declarado, por exemplo, o sucesso da Cúpula com resultados concretos (mesmo sem conseguir citar um exemplo).

Contudo, esta dificuldade dos Estados Unidos em impor sua agenda no âmbito multilateral não conta toda a história. Se neste âmbito a potência aparenta estar em decadência, outros mecanismos de atuação hegemônica tradicionais estão em pleno funcionamento, entre eles, o uso das relações bilaterais em diversas áreas e as conexões entre elites sul-americanas e estadunidenses. Nesse sentido, as relações militares Brasil-Estados Unidos são exemplares. Apesar das relações entre os presidentes dos dois países não serem das melhores, na esfera militar há uma ascendente de alinhamento representada, por exemplo, pela intensificação de treinamentos conjuntos e de acordos entre instituições educacionais de defesa dos Estados Unidos e do Brasil.

A eleição na Colômbia e seus impactos para os EUA

A histórica eleição de Gustavo Petro para presidência da Colômbia no mês passado é relevante não apenas por suas consequências internas para o país, mas também em razão de seu significado para a conjuntura regional latino-americana e a histórica subordinação deste país aos Estados Unidos. Essa vitória de Petro marcou não só o fim de governos de direita naquele país e que até então foram tradicionais aliados estadunidenses, mas também reforçou o que já está sendo chamado de “segunda onda rosa latino-americana”, ou um segundo tempo dos governos progressistas.

Ou seja, com o resultado eleitoral da Colômbia há a confirmação de que após dez anos de uma restauração conservadora que se iniciou com o golpe parlamentar no Paraguai em 2009, governos progressistas novamente são maioria na região. Foi assim na Argentina com a eleição em 2019 de Alberto Fernandez, em 2020 na Bolívia com a vitória de Luis Alberto Arce Catacora e, em 2021, com a eleição de José Pedro Castillo Terroneso no Peru e de Gabriel Boric no Chile. O grande bastião da extrema-direita na região é o governo de Jair Bolsonaro, no Brasil, que, no entanto, enfrentará o ex-presidente Lula nas eleições de outubro.

Vale ressaltar que na sua primeira edição, como uma das suas grandes marcas, a onda rosa sul-americana deixou em andamento projetos regionais que se colocaram como mais autônomos aos EUA, como foi, por exemplo, o caso da União de Nações Sul Americanas, a Unasul. Apesar de ser muito cedo para qualquer afirmação sobre os rumos que estes novos governos de esquerda e centro esquerda irão adotar, o presidente da Argentina e  também atual líder da Comunidade de Estados Latino Americanos (Celac), Alberto Fernandez, já se destaca por articular posições e discursos voltados a união dos países da região, de críticas à política externa dos EUA para a América Latina e à estrutura social internacional.

Embora essa movimentação signifique uma mudança de ventos relevante na América do Sul, e que traz maiores dificuldades à Política Externa dos Estados Unidos, é importante não superestimar as mudanças e reconhecer que esse contexto não significa o fim do poder estadunidense na região. Em primeiro lugar, cabe reconhecer os limites da busca de autonomia por parte de governos progressistas. Durante a primeira onda rosa, poucos foram os governos que romperam com os Estados Unidos e, neste momento, é pouco provável que isto aconteça. Fernandez é mais moderado que Cristina Kirchner, Boric busca garantir boas relações com os EUA e Petro precisou compor alianças com setores dos partidos tradicionais para garantir sua eleição.

Ademais, as relações entre a potência e os países que compõem sua histórica área de influência não ocorrem apenas através de encontros entre os presidentes, mas fincam raízes a partir da transnacionalização de empresas, redes de advocacy e, também, das relações mantidas com agências estatais – entre as quais destacam-se os militares. No caso da Colômbia, por exemplo, é pouco provável que décadas de aproximação entre os militares e as agências de segurança sejam revertidas de forma rápida, ou sem causar oposição interna.

A falta de compatibilidade entre os interesses dos EUA e da América do Sul

As dificuldades nas relações entre os Estados Unidos e a América do Sul não são uma novidade do presente ano, mas algo recorrente nas últimas décadas. Os países da região, especialmente quando governados por setores progressistas, comumente apresentam demandas que são desconsideradas ou marginalizadas pela potência. Exemplo disso é a busca de inclusão de todos os países latino-americanos em organismos pan-americanos, com destaque para a Cúpula das Américas. Essa demanda já havia estado presente na edição de 2012, quando também gerou desgaste nas relações com a potência.

As diferenças entre os Estados Unidos e a América do Sul também têm crescido em razão do aumento da presença econômica chinesa. Para os países sul-americanos, a China é vista muitas vezes como uma oportunidade, pelo financiamento de obras de infraestrutura e pelos superávits comerciais gerados pela exportação de commodities ao país asiático. Para os Estados Unidos, por sua vez, a intensificação das relações sino-latino-americanas é vista com preocupação e o país busca reafirmar a região como sua área de influência. Embora os Estados Unidos tenham encontrado dificuldades em limitar essa projeção econômica asiática, é imperativo reconhecer a contínua influência estadunidense, seja pela presença de empresas transnacionais, por sua capacidade de exportar conceitos e visões de mundo e, também, pelas relações desenvolvidas com parte significativa das elites sul-americanas, incluídas entre estas os militares e agências de segurança.

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