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segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Um mundo das finanças.


Olá alunos, 

A notícia de hoje fala sobre o estado atual em que o próprio Estado, em conjunto com instituições financeiras, tornaram-se "máquinas de desigualdade" em vista de uma política econômica excludente e responsável por privilegiar elites, garantindo-lhes investimentos seguros e rentáveis. 

Agradecemos a notícia sugerida pelos alunos: João Miguel Aguero, Pedro Amon, Pedro Rondon, Jorge Dib e Herison Henrique dos Santos. 

Esperamos que gostem e participem. 
Nathalia Marques e Lucas Pessoa são monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.

Vivemos em um mundo das finanças. Em muitos sentidos, instituições financeiras constituem o grupo mais influente de nosso tempo. Sua presença-ausente nos mais diferentes aspectos da vida social – na construção de visões de mundo, nas disputas políticas, na viabilização do consumo, de serviços públicos e até do exercício de direitos – naturaliza sua supremacia e lhes confere um caráter fantasmagórico. Como expressão e motor desse domínio, ganha o senso comum a ideia de que seu funcionamento regular e sua higidez são pressupostos para o andamento de toda a economia, o que consolida um mecanismo de perene chantagem do setor financeiro ao restante da sociedade. Nesses termos, agentes políticos e cidadãos em geral são postos permanentemente diante de um dilema: estabilidade econômica ou catástrofe. Como consequência, o horizonte de possibilidades de organização política, econômica, cultural da vida coletiva fica cada vez mais encurtado.

Tamanho predomínio não é, obviamente, etéreo. Ao contrário, tornou-se mais intenso desde o fim dos anos de 1970, no processo histórico registrado por cientistas sociais (economistas, inclusive, apesar de em regra recusarem esse chapéu) como “financeirização” do capitalismo. É verdade, vale deixar claro, que em uma organização econômico-política construída a partir da propriedade privada, decisões sobre os investimentos necessários a toda atividade econômica sempre ficam restritas a (poucos) proprietários dos meios e recursos sociais. Nesse sentido, por princípio, a “decisão de investir” constitui uma potencial fonte de chantagem, de modo que não desagradar os tomadores de tal decisão é sempre relevante para que, em tese, haja produção, comércio e emprego. Se, por um lado, isso é da estrutura do arranjo capitalista e tão antigo quanto ele, por outro, a capacidade de agência dos “proprietários” não se manteve estável no tempo.

Com o processo de liberalização de mercados financeiros e o crescente afluxo internacional de capitais e mercadorias, as ameaças de “saída” (isto é, de se deixar de investir em certa economia nacional) tornaram-se mais críveis e atemorizantes. Nesse cenário, instituições financeiras passaram a atuar de modo integrado em escala global, valendo-se da prerrogativa de investir apenas em mercados que lhes sejam favoráveis e de se retirar (ou ameaçar retirada) dos que lhes criem ônus adicionais por meio de políticas tributárias, regulatórias, redistributivas, e assim por diante. Estados, por sua vez, apesar de premidos por povos a que governam democraticamente, sujeitam-se às novas regras do jogo, pois dependem que, além de investirem em suas economias, capitais internacionais financiem suas funções públicas por meio da compra de títulos públicos.

Com capacidade crescentemente reduzida de tributar elites financeiras e seus capitais voláteis, Estados passam a depender do endividamento para conseguir manter minimamente atividades que lhes caracterizam. Instituições financeiras, por sua vez, encontram nesses títulos um investimento rentável e seguro para seus ativos – desde que garantias devidas sejam dadas por países, conforme o referido mecanismo de chantagem. De um ponto de vista funcional, o que se viu desde o fim dos trente glorieuses foi a substituição da tributação pelo empréstimo, de modo que dívidas soberanas tornaram-se um eixo central na sustentação estatal das finanças. Não por acaso, a ascensão das finanças acompanhou um processo de crescimento do endividamento público na maior parte do mundo capitalista ocidental. Esse mecanismo, por sua vez, tornou os Estados imensas máquinas de desigualdade, que além de não serem capazes de tributar proporcionalmente tais elites, ainda lhes garantem investimentos seguros e rentáveis por prazo indeterminado.[i]

Pois bem, essa é a economia política subjacente ao domínio, por assim dizer, estrutural das finanças sobre Estados. O processo de produção e reprodução cotidiana dessa estrutura, no entanto, acontece em diversos planos, sobrepostos e simultâneos, que contribuem a um tipo de poder totalizante (totalitário?) e, ao mesmo tempo, invisível. Sugiro uma divisão heurística dos planos de influência, que pode auxiliar em seu escrutínio concreto.

No plano da cultura – possivelmente o mais transversal e de difícil análise –, na esfera da atuação de políticos e policy-makers, pode-se dizer que o pensamento econômico ajudou a naturalizar a ideia de que o bem-estar das finanças constitui o princípio elementar para produção de políticas públicas. Isto é, elevando a sensibilidade dos capitais à condição de “lei natural da economia”, a teoria econômica bloqueou caminhos de ação que divirjam desse princípio e desmanchou (já há algum tempo) o dissenso político, tão necessário em democracias. Já na esfera privada, a política de facilitação do crédito para se garantir o consumo desenfreado, mas também o acesso a serviços básicos como hospitais, escolas, universidades, já não mais supridos por um Estado endividado, tem transformado o próprio exercício de cidadania. No que se chamou de “keynesianismo privatizado”, a noção de sujeito de direitos dá espaço à de consumidor, com todas as implicações subjetivas e concretas dessa operação.[ii]

No plano da diplomacia financeira internacional, governos são constantemente pressionados em suas decisões regulatórias e de políticas econômicas por um novo conjunto de stakeholders que monitoram seu grau de “credibilidade”. Agências de rating, com sua suposta técnica de classificação de risco, dão concretude às sensibilidades dos mercados financeiros. Avaliações atribuídas influenciam decisões de se investir ou não em certo título, bem como as taxas de juros cobradas por cada um deles. Governos se esforçam, então, como bons alunos em um eterno ensino fundamental, para obter boas notas. Além disso, para alguns países, agências multilaterais, por meio de empréstimos condicionados ou de seus relatórios técnicos, se encarregam de ensinar o caminho das “boas práticas” a serem adotadas. Dada a concentração dos mercados de títulos, completa a diplomacia financeira o contato direto entre gestores de fundos gigantescos e ações de autoridades públicas, em telefonemas secretos e reuniões a portas fechadas.

No plano da política doméstica, finanças participam de forma decisiva da dinâmica política de muitos países por meio do financiamento de campanhas eleitorais e, ao fazê-lo, distorcem o poder econômico das candidaturas que ficam reféns dos valores milionários para se tornarem viáveis. Nesse sentido, candidatas não apoiadas com extensos recursos são apresentadas como párias eleitorais, como se fossem rejeitadas por toda a sociedade e não apenas pelos donos dos cofres. Além disso, a partir de associações nacionais, instituições financeiras realizam lobbysistemático no congresso e no poder executivo em favor de suas agendas.[iii] Apesar dessa dimensão dominar o imaginário popular (“o poder do lobby dos bancos”), há quem ressalte que, principalmente em momentos de crise, é justamente por meio da “inação coletiva” (e não da ação organizada) que instituições financeiras garantem políticas governamentais segundo seus interesses.[iv]

No plano da gestão macroeconômica, também doméstico, há uma forma mais pervasiva de influência que se dá por meio de conexões pessoais entre mercados financeiros e posições-chave no Estado. Trocas frequentes entre o “público” e o “privado” nas trajetórias profissionais de indivíduos que ocupam cargos de chefia (presidência e diretorias) em bancos centrais iluminam as preferências políticas e o padrão de atuação de gestores públicos. Objetivos profissionais, habilidades específicas e preferências teóricas são algumas variáveis condicionadas pela dinâmica das “portas giratórias”, na qual a divisão entre Estado e mercado se torna sensivelmente fluida.[v]


O predomínio de políticas econômicas “pró-mercado” e o estreitamento de opções institucionais (bancos centrais independentes, leis de responsabilidade fiscal ou equivalentes, regras de livre comércio, entre outras) são os resultados mais evidentes da atuação conjugada desses diferentes planos. Como camisa de força, a convergência institucional de distintas experiências nacionais reforça imagem de que as finanças são verdadeiros shadow principals da política global. É necessário, contudo, investigar mais a fundo o passo a passo, os meandros, dessa dominação para ser possível compreender seu alcance para além de jargões e contestar mesmo seus fundamentos mais primários.

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