Olá alunos.
A notícia de hoje busca discutir um pouco mais a questão do espaço urbano, destacando a importância das cidades para a economia global, e trabalhando o conceito de cidades "frágeis".
Esperamos que gostem e participem,
Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da
disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.
Cidades são facas de dois gumes. Por um lado, são
abertas, dinâmicas e cosmopolitas: são os motores econômicos do mundo,
gerando 80% do PIB
global e mais de 90% de todas as
patentes. Por outro, concentram desamparo e
desigualdade: são verdadeiros desastres climáticos, consumindo 75% de toda a energia produzida e produzindo 80% das emissões
de CO2. O que é certo é que nossa sobrevivência
depende de como as cidades do futuro serão planejadas.
Vivemos em um século urbano. Quando os Estados nacionais começaram a se consolidar
no século XVII, menos de 1% da população mundial morava em cidades: hoje, esse
montante gira em torno de 54%. Em razão da urbanização desmedida, as cidades estão crescendo tanto em quantidade
como em tamanho. Cerca de dois terços da população mundial viverá em cidades
até 2030 – e três quartos, até 2050. Essa expansão é desigual: em torno de 90%
do crescimento urbano futuro ocorrerá em cidades de baixa
renda da África e da Ásia.
Uma proporção considerável desse crescimento passará
despercebida. Parte do surto populacional ocorrerá em áreas formais e informais
de grandes aglomerações urbanas como Lagos (Nigéria), Nova Déli (Índia) e Cantão
(China). Porém, a maior parte dessa expansão urbana consistirá de uma mudança
mais sutil – embora não menos impactante – da população rural para cidades
pequenas e médias. Os 3 milhões de novos habitantes das cidades por semana não
moram em reluzentes arranha-céus, mas em comunidades negligenciadas das
periferias.
A urbanização acelerada está criando tipos radicalmente
novos de cidades que desafiam os padrões da geografia urbana. Modelos antigos e
ocidentalizados de planejamento urbano não mais se aplicam. Considere a nova
“supercidade” de 130 milhões de pessoas que une Pequim e Tianjin. Ou então a nova safra de “hipercidades” no mundo, como
Jacarta ou Dongguan, que reúnem 20 milhões de residentes ou mais. E há ainda
algo em torno de trinta “megacidades”, como Istambul, Paris, São Paulo ou
Buenos Aires, com pelo menos 10 milhões de cidadãos. Um número crescente de
cidades rivaliza com estados-nação em poder e influência.
As notícias não são muito positivas. Apenas uma minoria
das cidades prospera e impulsiona o crescimento global. De acordo com a
McKinsey, espera-se que 600 cidades gerem 60% de
todo esse crescimento até 2025. Eis o problema: a vasta maioria das cidades
está com dificuldades para acompanhar o ritmo – muitas ficam para trás,
incapazes de atender às demandas de suas populações em expansão. Essas cidades
não estão crescendo verticalmente, ficando mais “inteligentes” ou se
beneficiando da nova economia digital. Muitas delas estão se urbanizando antes
mesmo de se industrializar, fazendo com que os governos, infraestrutura e
serviços tenham dificuldade em acompanhar o ritmo. O resultado é o surgimento
de cidades mais desiguais, empobrecidas e frágeis.
Todas as cidades sofrem de fragilidade, mas algumas são
mais frágeis que outras. Curiosamente, a despeito da importância das cidades à
governança global, ao comércio e ao bem-estar socioeconômico, muito pouco é
conhecido sobre elas. A maior parte das pesquisas foca nas cidades mais ricas
da América do Norte, Europa Ocidental e do leste da Ásia. No afã de preencher
essa lacuna de conhecimento, o Instituto Igarapé, junto com a Universidade das
Nações Unidas, o Fórum Econômico Mundial e uma rede de parceiros que inclui o Create
Lab da universidade americana Carnegie Mellon, criou
ferramentas para mapear as fragilidades de todas as
cidades ao redor do mundo.
A fragilidade se intensifica quando o pacto social da
cidade – o acordo entre os líderes municipais e os residentes urbanos – é
quebrado. De um ponto de vista prático, quando as cidades são incapazes de
fornecer um mínimo de serviços públicos – lei
e ordem, serviços básicos, segurança quanto a desastres naturais de curto e
longo prazo – a fragilidade se aprofunda. Não é uma condição permanente – as
cidades regularmente entram e saem da fragilidade – mas quando os riscos se
acumulam, eles podem assoberbar as instituições da cidade. É claro que as
cidades são ecossistemas complexos e diversos. Mesmo assim, é possível prever
alguns parâmetros de fragilidade e os riscos de colapso das cidades.
A visualização de dados Cidades Frágeis mapeia
a evolução da fragilidade de mais de 2.100 cidades com população de 250.000
habitantes ou mais. A plataforma se vale de 11 medidas da fragilidade urbana,
incluindo o crescimento populacional, desigualdade de renda, desemprego, acesso
a serviços, poluição, exposição a terrorismo, índices de homicídio e relatos de
conflitos. A visualização mostra dados de 2000 a 2015, permitindo que os
usuários explorem tendências recentes. Reconhecendo que análises preditivas
devem sempre ser vistas com cautela, as pontuações de fragilidade também são
previstas para todas as cidades (até o ano de 2030).
Essa visualização de dados revela que uma proporção
surpreendentemente grande das cidades do mundo sofre de níveis de fragilidade
acima da média. De acordo com o último ano registrado, 239 cidades exibiram
pontuação de fragilidade “alta” ou “muito alta” (2,5 ou mais em uma escala de 5
pontos), mais ou menos 11% do total. Outras 346 cidades – 13% – registraram
“fragilidade baixa” (0 a 2,4 em uma escala de 4 pontos). A maioria das cidades,
1.489 ou 71% do total – apresentou pontuação de “fragilidade média”.
O mais preocupante é que a fragilidade das cidades parece
aumentar cada vez mais, especialmente em locais de renda baixa ou média. Essas
tendências são mais evidentes na África do Norte e Central, no Oriente Médio e
no centro, sul e sudeste asiático onde o número de cidades frágeis cresceu 26%
entre 2000 e 2015. Mesmo assim, situações de média e alta renda também
testemunharam uma intensificação da fragilidade – 7% e 14% respectivamente. É
interessante notar que altos níveis de fragilidade não estão restritos a países
afetados pela guerra, sendo mais abrangentes – incluindo países notadamente
pacíficos.
Existem diversos motivadores da fragilidade das cidades
que variam de região a região. Por exemplo, crescimento populacional acelerado,
terrorismo, rede elétrica reduzida e poluição são riscos chave para fragilizar
cidades do Oriente Médio e Ásia Central. Em contraste, nas cidades da África
Central e Ocidental, desemprego crônico, cobertura elétrica falha e os
conflitos são os fatores mais determinantes. Enquanto isso, na América Central
e no Caribe, grandes índices de desigualdade, de desemprego, de homicídios e a
grande exposição a desastres naturais fazem a diferença quanto à pontuação de
suas cidades serem maiores ou menores.
Neste momento delicado quando instituições multilaterais
e sistemas nacionais estão paralisados, as cidades e seus líderes são os novos
visionários do século XXI. Eles têm direito a um lugar na mesa onde as decisões
são tomadas. Felizmente, uma crescente rede
de colaboração intercidades – há atualmente
mais de 200 delas pelo mundo – estão redobrando seus esforços para facilitar o
empoderamento das cidades. Enquanto isso, ferramentas que usam dados para
registrar o pulso das cidades podem revelar a saúde das nações, ao mesmo tempo que
fomentam o planejamento municipal.
Para enfrentar os grandes perigos deste século, prefeitos
e planejadores urbanísticos precisam estar mais bem informados do que nunca.
Melhorar a coleta e visualização de
dados ajudará, mas são apenas o começo. As
cidades não sobreviverão apenas ao se apoiar em estratégias preventivas. Elas
precisam se tornar mais proativas, investindo em estratégias de adaptação e
mitigação. Elas também precisarão de maior poder discricionário e da autoridade
que lhes permita tomar medidas que reforcem sua resiliência. As autoridades
urbanas também vão precisar trabalhar em coalizões intercidades para navegar
pelas vindouras tempestades. Ao trabalharem
juntos, as cidades podem amplificar suas vozes
nos palcos nacional e global.
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