Olá alunos.
A notícia de hoje traz um panorama de como a crise fiscal tem afetado os programas sociais nos Estados e como isso impacta, por exemplo, medidas de combate à pobreza.
Gostaríamos de agradecer a colaboração do Grupo 1 Noturno - Bruna, Bruno Henrique, Carol, Douglas, Karina Moraes - pela contribuição da notícia.
Esperamos que gostem e participem,
Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
Num
momento de crise econômica dramática, com mais de 13 milhões de desempregados e
renda em queda, os governos estaduais deixam de dar prioridade política ao
combate à pobreza para não elevar ainda mais o rombo no campo fiscal. De 2014
para cá, oito Estados acabaram com programas próprios de transferência direta
de renda. Os que mantiveram essas políticas reduziram o número de famílias
beneficiadas.
Levantamento
do Valor mostra que mais de 400 mil famílias - quase 2 milhões de pessoas - de
baixa renda, ou em situação de extrema pobreza, foram prejudicadas pelo fim de
benefícios, ou enxugamento de orçamentos estaduais, em cerca de R$ 500 milhões
anualmente. O movimento segue tendência do Bolsa Família, no âmbito federal,
que expurgou 1,3 milhão de famílias entre 2014 e 2017.
Os
casos mais expressivos vêm de dois dos Estados mais problemáticos quando o
assunto é descontrole das contas públicas: Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Ambos decretaram fim dos programas de transferência de renda que ajudavam a
complementar o benefício do Bolsa Família de quase 200 mil famílias pobres. O
Renda Melhor, criado em 2011 para combater a pobreza extrema no Rio de forma
integrada ao Bolsa Família, foi suspenso em junho de 2016. O governo do Estado
culpou problemas de realização de receitas, queda dos royalties do petróleo e a
inexistência de disponibilidade financeira. Com isso, 122,5 mil famílias
deixaram de receber o benefício, que variava de R$ 30 a R$ 300 conforme a
situação de pobreza de cada beneficiário.
De
acordo com decreto do governador interino Francisco Dornelles (PP), os
benefícios derradeiros deveriam ser pagos até setembro de 2016, mas o Estado
deu calote nas famílias. O governo admite que a conta de R$ 152, 4 milhões
referente a cinco meses está "em aberto" e que não há prazo para
regularização. Mesmo antes da suspensão, o Renda Melhor já havia sofrido
redução de 57% no número de famílias beneficiadas.
A
história se repetiu no Rio Grande do Sul com o RS Mais Igual, principal
bandeira social da gestão do ex-governador Tarso Genro (PT). A suspensão por
tempo indeterminado do programa foi uma das primeiras medidas do sucessor, José
Ivo Sartori (PMDB), que alega dificuldades financeiras para manter o benefício.
Também
integrado ao Bolsa Família, o programa chegou a atender 100 mil famílias em
todo o Estado e complementava a renda do benefício federal, de modo que o valor
recebido permitisse que a renda familiar per capita superasse os R$ 85 que
marcam a condição de pobreza extrema. "Nossas avaliações apontavam que as
famílias atendidas estavam avançando em vários indicadores de saúde,
alimentação e educação. Sem uma complementação, conquistas podem se
perder", diz Paola Loureiro, excoordenadora do RS Mais Igual.
O
governo gaúcho informou que vem investindo em outras políticas de assistência
social voltadas para o combate à extrema pobreza, como cursos de capacitação
profissional e geração de novas oportunidades de trabalho, acesso a serviços
públicos e participação em atividades dos centros de referência de assistência
social nos municípios. "Apesar disso, constatou-se enorme dificuldade de
mobilizar os beneficiários em qualquer dessas atividades por causa da cessão da
transferência de renda", reconheceu, em nota, o governo estadual.
Com
as finanças mais arrumadas, os governos de São Paulo e do Distrito Federal
mantiveram seus programas de transferência de renda. No DF, mais 10 mil
famílias são atendidas atualmente em relação ao período 2014-2016, chegando a
70,8 mil lares beneficiados. Os pagamentos estaduais, porém, não estão em dia.
Eles são feitos dois meses depois do recebimento do Bolsa Família.
"Sabemos
da importância da nossa complementação para as famílias pobres e de todo o
acompanhamento socioassistencial do programa. Importante que não houve
descontinuidade. O movimento é equiparar os pagamentos do DF Sem Miséria com o
Bolsa Família até o fim do ano", prevê Marlene Azevedo, secretária-adjunta
de Desenvolvimento Social do DF.
O
secretário estadual de Assistência Social de São Paulo, Floriano Pesaro,
sustenta que é "reducionismo" avaliar o alcance das políticas sociais
apenas sob a ótica da renda. Segundo ele, em São Paulo a demanda por serviços
ligados à rede de proteção social do Estado aumentou durante a crise econômica,
mas boa parte da população que procura o governo não se enquadra no perfil financeiro
do Renda Cidadã, versão paulista do Bolsa Família.
"Não
dá só para pensar em renda, reducionismo nosso pensar que uma pessoa
desempregada tem renda zero", afirma o secretário. Ele explica que parte
das pessoas desempregadas tem geração de renda e por esse motivo não se
enquadra no perfil de até ¼ de salário mínimo de renda familiar para fazer
parte do programa. "A lógica de aferição de renda é feita pelos gastos que
essa família possui e não só a partir do que é declarado como renda",
esclarece.
"Aumentou
muito, principalmente nas regiões metropolitanas, a demanda por creche,
encaminhamento para serviço socioassistencial para idoso ou atividade para
crianças fora do horário de aulas. Nos últimos seis meses, no entanto, boa
parte das 20 mil pessoas que procuraram nossos serviços não se enquadrava no
perfil do Renda Cidadã", diz Pesaro.
O secretário argumenta que o Renda Cidadã não sofreu
durante a recessão, mas as leis orçamentárias anuais entre 2014 e 2017 indicam
queda de 21% nos recursos do programa, para R$ 156,9 milhões, e redução de
quase 30% da meta de famílias atendidas, de 222 mil para 156,2 mil. O
secretário contesta os dados e informa que a meta de atendimento é de 200,5 mil
famílias para este ano e que a pasta conta com margem de suplementação orçamentária
já autorizada, caso o programa avance na inclusão de novas famílias
beneficiárias.
Em
Goiás, mais de 70 mil famílias são atendidas pelo Renda Cidadã, o programa de
transferência de renda estadual que oferece benefícios de R$ 80 a R$ 160. Há três
anos, eram 49 mil. Os gastos anuais do governo do Estado com a política são de
R$ 60 milhões.
O
aumento do desemprego e a queda na renda em todo o país tiveram efeito no
aumento do número dos atendidos pelo programa goiano, mas a secretária estadual
da Mulher, Igualdade Racial, dos Direitos Humanos e do Trabalho, Lêda Borges,
diz que o que realmente pesou foi uma mudança nas regras da política em 2015,
quando ela passou a incluir idosos e pessoas com deficiências permanentes. A
meta do Renda Cidadã para 2018 é cobrir 104 mil lares, informa Lêda.
O
Renda Cidadã goiano foi criado em 2000, antes de o governo Lula ter dado escala
ao Bolsa Família. Desde 2015 o governo estadual também passou a estipular um
limite de dois anos para que cada beneficiário fique no programa.
"Diferentemente do Bolsa Família, aqui eles têm dois anos para se
recolocar no mercado e nesse período o Estado o ajuda com capacitação e com
parceria com o Sebrae."
Na
Paraíba, o Abono Natalino complementa renda do Bolsa Família de pobres e extremamente
pobres e o Proalimento dá R$ 25 mensais para compra de alimentos. De 2014 para
cá, o primeiro perdeu 26,2 mil famílias por causa da crise, enquanto que o
cartão alimentação registrou expansão.
Chapéu
de Palha é uma política do governo de Pernambuco que beneficia trabalhadores
rurais e da pesca artesanal no período da entressafra. Os beneficiários recebem
até quatro parcelas de cerca de R$ 250. Nos últimos três anos, pouco mais de 5
mil famílias deixaram o programa, que tem hoje 48,4 mil beneficiários.
"Essa variação negativa pode estar relacionada ao fato de que as pessoas
estão tendo acesso a outras fontes de renda e também ao estabelecimento de
critérios mais rigorosos no processo de cadastramento", informa o governo
pernambucano.
Na
avaliação da economista Lena Lavinas, professora da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), o quadro estadual na área de proteção social demonstra a
debilidade do Estado brasileiro na condução de políticas de combate à pobreza.
"A
lógica de cobertura do Bolsa Família e dos programas estaduais não é a
necessidade da população. Evidentemente, os programas têm que expandir a oferta
em momentos de crise, quando o déficit de renda das famílias é brutal, mas o
foco está na disponibilidade fiscal de recursos. É um viés perverso, mostra que
nossa política social é pró-cíclica: cresce quando a economia avança e se
retrai na crise. Isso é absolutamente irracional e contraditório com qualquer
lógica econômica e ideia de proteção social", afirma Lena.
Nas
contas de Marcelo Neri, diretor da FGV Social e ex-secretário de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República, a recessão de 2015 e 2016 empurrou
5,9 milhões de pessoas para a pobreza em todo o país. Para ele, os Estados
deveriam "contar os tostões" e expandir suas redes de proteção
social, o que também beneficiaria a economia.
"A
cada real que o governo gasta com Bolsa Família, a economia gira R$ 1,78. Esse
efeito multiplicador deve ser tão forte nos programas estaduais. Você movimenta
o comércio, os serviços. Cortar os programas é um tiro no pé do pobre e também
no próprio pé dos governos", diz Neri.
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