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terça-feira, 31 de outubro de 2017

Meu país é rico, mas eu não posso ir à escola

Uma criança vai para a escola levando sua mochila no Congo.
Olá alunos.     
A notícia de hoje mostra a relação, aparentemente paradoxal, entre abundância de recursos naturais e subdesenvolvimento, sobretudo em matéria de educação. Relaciona, em síntese, como os conflitos pelos quais os países mais ricos em recursos naturais passaram, desde o processo de descolonização na segunda metade do século XX, cooperaram para criar um quadro de extrema violência, pobreza generalizada, baixíssimo grau de desenvolvimento e pífios níveis educacionais.
Gostaríamos de agradecer a colaboração do Grupo 4 Integral - Rebeca Neves, Larissa de Souza, Caio Augusto, Larissa Macedo e Lucas Vignoli - pela contribuição da notícia.   
Esperamos que gostem e participem,     
Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
No início de setembro, cidades e vilarejos se enchem desde bem cedo de crianças sonolentas e nervosas que enfrentam seu primeiro dia de aula. Essa imagem tão habitual para alguns não é, de forma alguma, algo comum para muitos, muitíssimos outros. Recentemente, vem avançando a escolarização dos menores —entre 2000 e 2015 o acesso à escola primária chegou a 90% das crianças— mas ainda restam 264 milhões fora da escola em todo o mundo. E dois terços deles vivem em países ricos em recursos naturais, mas que paradoxalmente ocupam os últimos postos de desenvolvimento e têm orçamentos em educação inferiores a 3% de seu PIB.
Para chamar a atenção sobre esta realidade tão gritante, a ONG Entreculturas lançou a campanha Escolas em perigo de extinção e, com ela, um relatório intitulado Educação em zonas de conflito que analisa minuciosamente as relações entre o direito à educação, a exploração dos recursos naturais, a paz e o desenvolvimento sustentável.
“A forte pressão sobre os recursos minerais, fósseis, pesqueiros, florestais, agrícolas e hídricos e a luta por seu controle geram, além da degradação ambiental, tensão, conflitos, violência e deslocamentos forçados”, resume o estudo, que descreve como os civis que vivem nessas regiões exploradas veem seus direitos serem violados. Sobretudo o da educação. Os dados falam por si: 87% das pessoas desalojadas no mundo na última década vêm de regiões de exploração mineira e petrolífera.
Meu país é rico, mas eu não posso ir à escolaampliar foto

Hombeline Bahati, coordenadora de um projeto de melhoria de qualidade de vida do Serviço Jesuíta ao Refugiado, conhece o assunto. Trabalha em Masisi, na castigada região de Kivu norte, na República Democrática do Congo (RDC). Um país com abundantes recursos minerais que há 20 anos está mergulhado em um conflito sem perspectivas de acabar. A RDC é uma mina de tântalo, o minério que faz funcionar os telefones móveis, e todos querem se beneficiar dela.
“Há problemas tribais por conta do acesso por terra, porque com a crise de Ruanda nos anos noventa, os hutus se deslocaram para Masisi e continuam ali, e não há lugar para todos”, explica Bahati, em Madri, onde está para dar visibilidade a seu trabalho. “Então, desde que chegaram os brancos para ajudar e descobriram a riqueza de nossas montanhas, começaram a explorar a terra e não mais só para cultivá-la, mas para obter maiores benefícios. Aí entraram o Governo, as milícias, as grandes empresas extrativistas... já foi uma luta de todos contra todos”, descreve.
Só em Masisi estão 11 campos de refugiados e Bahati trabalha em sete. Estima-se que neles vivem —ou sobrevivem— cerca de 36.000 pessoas. “A partir da formação em diferentes ofícios, essas pessoas podem ser autônomas. São famílias que tiveram de ir para outras cidades ou campos de refugiados para ter o mínimo de tranquilidade, porque sofriam com os confrontos entre guerrilhas e entre estas e o exército regular”.
É um círculo vicioso: menos educação, mais conflitos, mais conflitos, menos educação. E a particularidade de que a briga tem a ver direta ou indiretamente com a exploração dos recursos de um país só piora as coisas. Segundo o relatório, é um agravante para as crianças em idade escolar: “Dez dos países com indicadores educacionais mais baixos são ricos em recursos naturais. Oito deles estão sendo ou foram assolados por conflitos. Dos 40 conflitos produzidos entre o ano de 1999 e o de 2013 foram feitos ataques recorrentes à educação, mais da metade vinculados direta ou indiretamente aos recursos naturais”, enumera. E além disso durante os últimos 60 anos, entre quatro e seis em cada 10 conflitos armados tiveram um vínculo com a exploração de recursos naturais. A maioria foi na África subsaariana, mas também na América Latina e Ásia.
A razão fundamental é que essas contendas se prolongam por mais tempo, estão associadas a maiores níveis de violência, especialmente contra as mulheres, e são mais difíceis de superar. O risco de ressurgimento é muito mais alto, em parte porque os processos de paz e reconciliação não costumam abordar a governança e a gestão dos recursos naturais.
Em Masisi, Bahati é testemunha diariamente de como isso afeta a educação das crianças: “Quando há um conflito nada funciona, nem os colégios. Chegam famílias refugiadas com seus filhos para uma nova comunidade e as escolas da região não têm vagas para todos, estão lotadas, então as crianças não conseguem ter acesso à educação ou têm a uma de muito má qualidade”, descreve.
Outras guerras menos visíveis
Há conflitos armados mais violentos à primeira vista, como o da República Democrática do Congo. Neles há ataques a escolas, assassinatos, deslocamentos forçados de comunidades inteiras e uma importante degradação do meio ambiente. Mas existem outros de menor escala que afetam milhões de pessoas de pequenas comunidades locais e têm sua origem na apropriação de enormes extensões de terras que depois serão exploradas por grandes empresas (cultivos de soja em grande escala, por exemplo, na América Latina) ou na luta por recursos decrescentes (água, terras, pastos, pesca...).
Calcula-se que há ativos mais de 2.000 conflitos ambientais, uma cifra que aumentou nos últimos anos em paralelo com os assassinatos de ecologistas, que com frequência também exercem a liderança educacional em suas comunidades. Um dos mais conhecidos foi o de Dorothy Stang, mas não o único. Estes crimes aumentaram 59% entre 2004 e 2015, com 185 assassinatos em 16 países, segundo o último relatório da Global Witness.
Nos conflitos armados relacionados com recursos naturais são frequentes os ataques à educação. Desde os ataques a escolas e professores, a destruição de salas de aula, o recrutamento de meninas e meninos como soldados até a violência contra mulheres e meninas, estudantes e docentes. No caso da República Democrática do Congo, desde 2013 foram destruídas mais de 500 escolas e prejudicados mais de 200.000 alunos.
Nos conflitos ambientais os impactos não são tão visíveis, em parte porque os ataques diretos a escolas, professores e estudantes são menos frequentes, mas também são muito danosos e violam o direito à educação de milhões de menores. A apropriação de terras por parte de empresas desloca a população que nelas habitava ou trabalhava, com a consequente perda de oportunidades educacionais para os afetados. No Quênia há 30.000 escolas em risco de desaparecimento por causa deste fenômeno. Um total de 83% não conta com um título jurídico de propriedade, por isso seus efetivos donos não podem defender-se.
Uma questão de gênero
Dentre todos os prejudicados por esse tipo de disputa, as mulheres e meninas têm um problema adicional. A educação lhes dá poder para enfrentar diversas discriminações. Mas se não têm a oportunidade de se formar, serão mais propensas a sofrer outros abusos. É o caso do casamento infantil ou do acesso à saúde e ao emprego. Sem esquecer que nos lugares onde existem conflitos pelos recursos naturais há com frequência violações em massa de mulheres, como arma de guerra. Além das sequelas físicas e psicológicas, elas ficam estigmatizadas por toda a vida e marginalizadas, por isso o tecido social das comunidades acaba destroçado.
Bahati descreve sua experiência com essa situação. Explica que os deslocados perdem o acesso à terra, já não têm onde cultivar e, portanto, deixam de ganhar dinheiro. “Quando muito podem realizar alguma atividade econômica informal, mas se lhes sobra algo do pouco dinheiro que ganham para destinar à educação, vão privilegiar os filhos homens”, conta Bahati. “O fato de as meninas ficarem nos campos sem fazer nada as leva à escravidão sexual: nos meus campos acontece muito”, afirma a congolesa. “Por menos de meio dólar, os pais as prostituem.”
Mais guerra, pior alimentação e pior educação
Como se mencionava antes, uma boa parte das pessoas mais pobres do mundo vive em países ricos em recursos naturais. E também boa parte das que passam fome. Essa combinação de pobreza e fome dificulta o acesso à educação e a aprendizagem efetiva: uma criança com fome ou com carências nutricionais não vai render adequadamente na escola. No entanto, a educação é fundamental para sair do círculo da pobreza.
O mesmo ocorre com os problemas de saúde: afetam o direito à educação porque favorecem o absenteísmo, o abandono e as dificuldades de aprendizagem. Outras consequências sobre a saúde são a poluição gerada pelas indústrias da mineração ou dos hidrocarbonetos, a destruição da infraestrutura sanitária e a propagação de doenças.

Medidas realistas

Duas meninas trabalham no campo, na Etiópia.ampliar foto

Com esta campanha, a Entreculturas faz um chamado aos Governos de países onde existem conflitos relacionados com os recursos naturais. Exortam-nos a buscar o consentimento livre, prévio e informado das populações locais e a que respeitem seus direitos fundamentais, sobretudo o direito à vida, à alimentação adequada, à saúde e à educação. Sobre esta última, o relatório enfatiza que é imprescindível que sejam reforçados os meios e o financiamento atuais para mitigar os déficits existentes. Um exemplo positivo, na opinião dos pesquisadores, é o da Etiópia, onde a pobreza foi reduzida à metade desde 1995, quando o país começou a aplicar programas educacionais mais eficazes.
No caso das comunidades indígenas, é dada ênfase especial no investimento em uma educação bilíngue, em um reforço do enfoque multicultural e da orientação da educação para o empoderamento para a defesa dos direitos referentes a seu estilo de vida, à propriedade da terra e à gestão de seus recursos.
Por outro lado, os autores consideram necessário incorporar a questão da governança dos recursos naturais aos processos de paz e reconciliação por parte dos Governos nos países em conflito, dos atores que desempenham um papel de mediação e das organizações sociais que contribuem para a restauração da paz.
Apesar de tudo, Hombeline Bahati sabe que nem Masisi nem Kivu serão uma terra pacífica em curto prazo. Por isso, pede a adoção de medidas realistas para conseguir que a população sobreviva da maneira mais digna possível e com acesso aos melhores recursos, também dentro das circunstâncias. Não se pode acabar com a guerra de um dia para o outro, mas é possível sensibilizar as comunidades locais sobre a importância da educação. Ela, nascida nessa terra indômita, vai notando mudanças. “A sensibilização é muito importante, cada vez mais pais entendem que é fundamental que seus filhos e filhas se formem. O aumento da demanda é observado também na existência de um número cada vez maior de universidades e centros de formação profissional. Antes eram para poucos privilegiados, mas nos últimos anos o acesso se tornou mais comum”, afirma.

domingo, 29 de outubro de 2017

Um assalariado sem submissão é possível

16-subordinacao trabalho-Rafael Correa

Olá alunos.    

A notícia de hoje analisa, sobre múltiplas perspectivas, alguns aspectos das novas relações sociais de trabalho, sobretudo destacando a possibilidade de se discutir relações de trabalho que perpassam por um salário, mas sem a necessidade de pensa-las, na prática, como se fossem de subordinação entre patrão e empregado.

Gostaríamos de agradecer a colaboração do Grupo 4 Integral - Rebeca Neves, Larissa de Souza, Caio Augusto, Larissa Macedo e Lucas Vignoli - pela contribuição da notícia.  

Esperamos que gostem e participem,    
Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.meu ip

É raro ver trabalhadores reivindicando uma relação de submissão com seus patrões. No entanto, os condutores de veículos particulares que trabalham em conjunto com as plataformas digitais, como o Uber, empunharam essa bandeira na França. Eles querem sair da situação de autônomos para poder contar com direitos sociais, argumentando que, na verdade, dependem de um empregador ao qual são subordinados. “Começa uma nova batalha legal em torno do Uber”, destaca o jornal econômico Les Échos. “A Urssaf [União de Cobrança das Contribuições de Previdência Social e Alocações Familiares] está processando a plataforma para reclassificar seus motoristas como empregados, [pois] há uma ‘relação de subordinação’ entre eles e a plataforma.”

Quase nem nos lembramos disso, mas os empregados pagam de duas formas as proteções e garantias relacionadas a seu estatuto de empregados: em dinheiro – suas contribuições ajudam a cobrir direitos como seguro-saúde, aposentadoria, programas de treinamento etc. – e in natura – eles são forçados a aceitar a obrigação de subordinação que os acompanha por toda sua carreira, mantendo-os em um estado de submissão aos superiores hierárquicos.

Para ter direito ao estatuto de empregado, na iniciativa privada, e de funcionário, no setor público, o trabalhador deve comprometer-se a atuar no contexto bastante específico de uma subordinação permanente, isto é, da obediência aos representantes da empresa ou órgão, que está no cerne do contrato salarial. Mas, por causa dos direitos a ele relacionados, o estatuto de subordinado parece vantajoso e até desejável, como mostra o citado exemplo dos motoristas ou o dos trabalhadores que se mobilizam para não serem expulsos, empreendendo longas lutas, às vezes muito violentas, contra os planos de demissões. Essa energia do desespero em reclamar a perenidade do emprego, mesmo que submetido à dura realidade do trabalho subordinado, marcou o movimento social – pensemos na luta dos empregados da Conti, da Goodyear, da PSA Aulnay etc.

No entanto, não faz muito tempo, essa condição de empregado era rejeitada por quem sonhava com uma sociedade do trabalho emancipadora, na qual os trabalhadores não precisariam submeter-se à exploração e à alienação. Hoje considerada uma espécie de fatalidade, tal condição justifica o sacrifício necessário para assegurar um mínimo de garantias sobre o futuro: um salário, acesso aos cuidados de saúde, auxílio em caso de desemprego, além da possibilidade de uma inserção social e cidadã na sociedade, bem como a participação em uma comunidade de trabalho que faça algum sentido. A subordinação, essa forma de renúncia de si mesmo, tornou-se mais que nunca um investimento, que deveria proteger contra a precariedade material e a perda da autoestima.

Embora essa condição se imponha cada vez mais como “natural”, inevitável, ela se revela, na realidade, cada vez mais incômoda. Prova disso é a extensão do sofrimento no trabalho, que se tornou onipresente. Tal degradação precisa ser relacionada à individualização crescente da relação assalariada.

Após as grandes greves de 1968 e a contestação maciça da ordem social taylorista, os empregadores passaram a tentar atomizar o corpo social das empresas e a personalizar a relação com o trabalho. Essa política de gestão derrotou aos poucos os coletivos onde se construía clandestinamente uma identidade de produtores com suas próprias regras de dignidade e reconhecimento, seus valores alheios aos da hierarquia. Hoje, os trabalhadores precisam enfrentar sua condição de empregado assalariado de modo cada vez mais solitário.

Ora, quanto mais a subordinação é individualizada e personalizada, mais difícil de suportar ela se torna. Mais crua, mais perturbadora, quase obscena, ela já não se inscreve em experiências coletivas, afetando diretamente a pessoa para além do trabalhador. A gestão foca cada vez mais a dimensão íntima do indivíduo, em detrimento de sua dimensão profissional, isto é, bem mais suas habilidades interpessoais do que o conhecimento e o ofício, dimensões inerentemente mais coletivas. Os objetivos definidos pelos superiores e a avaliação de cada empregado são altamente individualizados, solicitando explicitamente seu envolvimento subjetivo, emocional, afetivo, em um contexto de concorrência sistemática. Os trabalhadores são convidados a ser ambiciosos, apaixonados, a mostrar seu talento, a se comprometer profundamente e, até, a surpreender seus superiores. Um ex-gestor da France Télécom me contou que definiu a seguinte meta para um de seus subordinados: “Tornar possível o impossível”.

Não é exatamente o profissional, dotado de certo tipo de qualificação, que é subordinado no exercício de seu trabalho, ao lado de seus colegas: é uma pessoa específica, com suas aspirações, desejos, necessidades, que se torna objeto de uma consideração muito particular por parte de seus superiores e dos departamentos de recursos humanos (DRH) – os quais já não hesitam em se redefinir, em algumas empresas, como “DRH da benevolência e da felicidade”, sendo assistidos por um chief happiness officer (textualmente!).

Códigos de ética para empregados “virtuosos”
Se, de um lado, as decisões de organização do trabalho e de gestão dos empregados são tomadas a montante, em bases financeiras, abstratas e anônimas, de outro, os empregados são solicitados, no contexto de sua atividade, de maneira muito pessoal. Trata-se, diante de objetivos cada vez mais exigentes, de provar sua lealdade, seu engajamento, sua adesão à causa da empresa. Os gestores jogam com a necessidade de reconhecimento de seus empregados por meio de uma gestão dos afetos e das emoções, cujos recursos alimentam toda uma literatura.

No entanto, esse não é o único paradoxo: solicita-se a esses empregados, em entrevistas de avaliação, que sejam intuitivos, audaciosos, ágeis, autônomos e responsáveis; contudo, em seu cotidiano de trabalho, são impostos procedimentos, protocolos, processos, metodologias, “boas práticas”, isto é, formas de trabalho abstratas e uniformes inventadas por consultores especialistas de grandes consultorias internacionais que ministram de fora as balizas da prática – são os “planejadores”, nas palavras de Marie-Anne Dujarier.

Assim, a subordinação concretiza-se por meio desses dispositivos que prendem os empregados e os obrigam a trabalhar segundo critérios de desempenho e objetivos decididos unilateralmente. Ela se manifesta como uma negação de suas capacidades profissionais (ou profissionalismo), que poderiam legitimar sua vontade de expressar outra visão do trabalho. Em uma reunião de um grupo de discussão de gestores de alto nível, ouvi um deles, que nem era tão alto assim, afirmar, com um impressionante suspiro: “Para mim, o grande problema é que em nossa empresa todos os empregados estão convencidos, com o pretexto de que estão lá há muitos anos, que sabem mais sobre seu trabalho do que eu!”. E todos os outros afirmaram em alto e bom som que com eles era a mesma coisa. Os gestores estavam indignados com a pretensão dos trabalhadores de que estes conheceriam seu trabalho, e sua preocupação era, acima de tudo, conseguir convencer os empregados de que deveriam confiar nas instruções dadas e se conformar aos métodos pensados para eles, sem eles. É a mesma lógica que leva os diretores de hospitais a quererem impor “boas práticas” aos médicos – o que chega ao ponto de definir o número de minutos a ser dedicado a cada paciente.

Esses empregados forçados a trabalhar segundo métodos que podem entrar em contradição com seus valores profissionais e morais são “apoiados” por códigos de ética e conduta, conjuntos de valores elaborados pela direção. Esses documentos colocam em cena um empregado “virtuoso”, ou seja, disponível, leal, móvel, flexível, comprometido com a excelência e profundamente engajado, corajoso e disposto a desafiar-se, a assumir riscos. “O diktat da moda é: ‘Saia de sua zona de conforto’. […] Poderíamos chamar de comfortless management. […] Eis a panaceia, o ápice, o motor da criatividade, o trampolim para superar os desafios.”

O empregado deve, portanto, mobilizar integralmente sua pessoa, no plano cognitivo e emocional, a fim de alcançar objetivos que não teve a oportunidade de discutir, com recursos que lhe foram impostos e utilizando procedimentos inegociáveis, sob o risco de parecer não adaptado, incompetente, de má vontade, melindroso e, por fim, decepcionante, sem valor e sem interesse. Muitas entrevistas realizadas em empresas evidenciam o sentimento de solidão e autodesvalorização que pode sobrecarregar os empregados após uma entrevista de avaliação: “Eles estão certos, eu sou um inútil”, confessou para mim um gerente (ex-aluno da École Polytechnique) de um grande banco.

As intermináveis reestruturações dos departamentos e serviços, as constantes mudanças de software, as várias recomposições das funções, as sistemáticas mobilidades impostas, as terceirizações em cascata, os sucessivos deslocamentos, tudo isso borra os referenciais e mergulha os empregados em uma precarização subjetiva. Os profissionais, sejam quais forem, são permanentemente reduzidos à categoria de aprendizes. Eles precisam de novo e de novo provar a si mesmos e se esgotam procurando reconstruir um mínimo de controle sobre seu ambiente de trabalho.

Essa estratégia de gestão torna obsoletos seu conhecimento e sua experiência. Ela os mergulha em um estado de dependência quanto aos procedimentos, às boas práticas etc., concebidos para eles e os quais eles não têm legitimidade para contestar, pois estão na condição de aprendizes eternos. Desse modo, precisam conectar-se com tais procedimentos, que lhes servem de salva-vidas em um contexto no qual ninguém pode contar com a ajuda de ninguém, já que todos estão presos dentro da mesma lógica.6 Isso explica a amplitude do consumo de substâncias como álcool, drogas e tranquilizantes no local de trabalho, para aguentar o tranco.

Esse mundo do emprego apavora os jovens, desespera os mais velhos, cansa os que já chegaram aos 40. Romances, filmes, peças de teatro e documentários enfocam o sofrimento, o desconforto, as terríveis frustrações e dramas que o habitam. Lançado no ano passado, o filme Corporate, um thriller dirigido por Nicolas Silhol, expõe, por meio do suicídio de um empregado, a violência gerencial. Os meios de comunicação relatam suicídios, e as políticas públicas enumeram medidas contra os riscos psicossociais. Os sindicatos denunciam o assédio, as pressões que levam ao burnout, mas não questionam a subordinação. Esta parece inexorável.

Há quem acredite, inclusive, que, no contexto da guerra econômica incessantemente lembrada, é necessário pedir ainda mais ao empregado já constrangido pela subordinação: aumentar as horas de trabalho, reduzir o efetivo (especialmente no setor público) e aumentar a idade mínima para se aposentar. É essa a posição do Movimento das Empresas da França (Medef), que deseja reduzir as contrapartidas da subordinação, defendendo o enxugamento da legislação trabalhista, considerada excessivamente complexa e, sobretudo, excessivamente protetora dos empregados; a redução do papel dos médicos e inspetores de trabalho; e a diminuição dos direitos das comissões de saúde e segurança.

É nesse sentido que podemos interpretar a Lei El Khomri, que, recomendando medidas como a inversão da hierarquia das normas, enfraquece os empregados na relação de forças e na negociação. Para o Partido Socialista, impor às diretorias das empresas limites de poder e autoridade seria algo “ultrapassado” e, especialmente, traria o risco de prejudicar o desempenho no trabalho, que só poderia ser incrementado em um contexto mais liberal. O partido se rendeu, portanto, à ideologia patronal, considerando que é necessário basear-se em uma desconfiança a priori em relação aos empregados e encontrar arranjos organizacionais capazes de contê-los, colocando-os sempre em uma posição de restrição.

A nova lei sobre o trabalho prevista na França para este verão, sob a presidência de Emmanuel Macron, vai nesse sentido: “libertar” as diretorias das empresas da rigidez que as impede de demitir e contratar, bem como de negociar as condições de trabalho e emprego nos níveis mais locais, aqueles em que a negociação é precisamente a menos vantajosa para os empregados…

Aos antípodas do empreendedorismo
Outros reivindicam um enfraquecimento do lugar tomado pela relação de assalariamento na sociedade, por meio da redução das horas de trabalho (é particularmente a reivindicação do Partido Comunista Francês) ou da introdução da renda universal, que permitiria aos indivíduos não depender exclusivamente do salário (como defendia Benoît Hamon, candidato socialista nas eleições presidenciais). Desse ponto de vista, trata-se de afrouxar gradualmente o jugo do trabalho assalariado, reduzindo sua envergadura e o lugar que ele ocupa na vida dos indivíduos; de limitar, quantitativamente, a influência dos constrangimentos que o definem.

Paradoxalmente, essa visão é compartilhada pelas direções de empresa que gostariam, a fim de tornar mais leves suas “despesas” e responsabilidades, de mobilizar cada vez mais trabalhadores fora da lógica do salário. À sua maneira, essas companhias procuram reduzir o “jugo” que representam para elas os direitos e garantias que constituem o outro lado da relação assalariada. Assim, esforçam-se para desenvolver competências dos indivíduos “que lhes permitam assumir a si próprios”, a enfrentar por conta própria os riscos, sem deixar de prendê-los com imposições suficientemente fortes para garantir o lucro. Isso ocorre sob a forma do autoempreendedorismo e, particularmente, da economia de plataforma digital (como o Uber). Esses trabalhadores, apresentados como amantes da liberdade e da aventura, da ousadia e da flexibilidade, veem-se diante de imposições bastante específicas em termos de equipamentos (carro, bicicleta), vestuário e até roteiros de interação verbal, que são obrigados a respeitar sob pena de multa. As plataformas também estabelecem os preços a serem cobrados e recebem avaliações dos clientes, não hesitando em punir os trabalhadores, recorrendo, portanto, a um poder disciplinar.9 Por mais independentes que pareçam ser, os “parceiros” da plataforma Deliveroo, por exemplo, são multados caso recusem mais de três chamadas de serviço durante seu horário de trabalho. Regra semelhante existe para os motoristas do Uber, embora sejam eles mesmos que devam pagar os impostos referentes à atividade, as contribuições sociais, a gasolina e o carro…

Ocorre que 87% dos trabalhadores em atividade são assalariados. Portanto, é espantoso que seja sistematicamente ignorada a via de modernização que consistiria em manter (ou até fortalecer) os aspectos positivos do assalariamento, libertando-o dessa dimensão alienante que é a subordinação.

Por que não mirar essa coerção arcaica e ilegítima da subordinação, que é fonte de sofrimento e não contribui, muito longe disso, para a qualidade ou eficiência do trabalho? Por que não desconectar a subordinação das garantias e proteções sociais, mesmo que elas tenham se constituído juntas?

Até o patronato começou a pensar sobre isso. Na verdade, ele tem consciência das limitações dos métodos de gestão atuais, que se revelam ineficazes para garantir o desempenho das empresas francesas diante da concorrência. Estas não podem, de modo algum, tentar vencer a competição pelo custo: nunca serão capazes de superar as empresas dos países em desenvolvimento com baixo custo de mão de obra. Portanto, precisam apostar na qualidade do engajamento dos empregados, em sua inteligência e experiência coletiva, em sua força propositiva, para melhorar as condições de trabalho, para dar realmente lugar à renovação das ideias, dos produtos, para satisfazer de maneira autêntica as necessidades dos consumidores e integrar outros imperativos, além da rentabilidade a curto prazo.

Existe, há algum tempo, uma corrente que se diz detentora de inovações significativas nesse sentido. São as empresas “libertas”, que ficaram conhecidas do grande público por meio do documentário Le Bonheur au travail [A felicidade no trabalho], dirigido por Martin Meissonnier e transmitido pelo canal francês Arte, no final de 2014. Desde então, o termo “empresas libertas” (que alguns passaram a rebatizar como “libertadoras”) ganhou espaço. Essas empresas colocam em prática a horizontalidade, a holacracia (organização em círculos de decisão), os métodos “ágeis”, a redução da linha hierárquica etc. Essas práticas refletiriam sua premissa básica: a confiança a priori nos empregados, a qual permite que eles se autodirijam. Algumas servem de modelo: o Ministério da Previdência Social da Bélgica, a Favi, a Poult, a Chronoflex, a Harley-Davidson etc. Elas inspiram muitos gestores de grandes empresas que se consideram “libertados” – parece que é o caso, até, de algumas agências do Pole Emploi [entidade francesa de apoio ao emprego].

Essencialmente, porém, o rótulo é concebido e aplicado pelos dirigentes de tais empresas, e praticamente não há pesquisas sociológicas aprofundadas sobre esses métodos organizacionais. Considerando as experiências anteriores, temos o direito de nos perguntar se não estamos diante da enésima inovação gerencial destinada a convencer os empregados da boa-vontade dos dirigentes de empresa e de sua capacidade de fazer a diferença nos recursos humanos.

A ênfase na capacidade de auto-organização dos empregados, neste momento, teria o objetivo de economizar uma grande fatia da hierarquia intermediária. Os dirigentes apostam que os empregados estão suficientemente balizados pelas “boas práticas” ou protocolos, e suficientemente convencidos da eficácia desses dispositivos, de modo a não precisarem mais de gestores próximos, remunerados para fazer o papel de enquadrá-los.

As condições da “libertação do trabalho” não podem ser unilateralmente decretadas pelos dirigentes, mesmo que eles se considerem no direito de representar, sozinhos, a empresa. É significativo que o Centro Nacional do Patronato Francês (CNPF) tenha mudado de nome, em 1998, passando a se chamar Movimento das Empresas da França (Medef). Até o momento, a modernização da iniciativa de gestão (seja sob a forma de empresas “libertas” ou das plataformas digitais) consiste, sobretudo, em transferir aos trabalhadores uma série de encargos e responsabilidades que antes recaíam sobre os empregadores, sem, no entanto, afrouxar as limitações impostas pela subordinação.

Uma contribuição real dos empregados na definição de seus métodos de trabalho e dos critérios de desempenho que determinam esse trabalho supõe que se reconheça a esses trabalhadores o direito e a legitimidade de desenvolverem uma relação, em seu trabalho e em sua empresa, baseada no profissionalismo e na experiência. Essa é a condição indispensável para libertar a inventividade, a criatividade, a agilidade, que fazem tanta falta, e também para romper com o mal-estar que acompanha a organização do trabalho infantilizadora e desrespeitosa da gestão moderna em suas várias formas.

Digamos já que não existe, no presente, um modelo alternativo no qual seja possível nos basearmos para avançar. Ele precisa ser inventado. Isso só pode ser feito com a mobilização da inteligência coletiva dos empregados em seus locais de trabalho – em outras palavras, fora do contexto de subordinação que paralisa e anestesia qualquer vontade de inovar, em razão da espada de Dâmocles que pende sobre a cabeça de cada empregado. E não pode ser feito em empresas que estejam separadas do público a que se destinam os bens e os serviços produzidos.

Assim, é possível imaginar a instauração de conselhos corporativos nos quais sentariam não apenas empregados na condição de profissionais, mas também representantes dos consumidores e dos cidadãos imbuídos de preocupações ambientais que deveriam contribuir para a definição da qualidade dos bens e serviços, cientes das condições de sua produção.

Para que o trabalho constitua uma atividade socializadora e cidadã, para que crie empregos e alimente lógicas de consumo respeitosas em relação às pessoas e à natureza, é imperativo começar a olhar a subordinação por outro prisma e “desnaturalizá-la”.

Pode-se dizer que isso é irreal e utópico, e que é preciso ter a “coragem do pragmatismo”. Isso seria ignorar que nossa realidade decorre de uma série de construções e escolhas sociais anteriores. Inventar outras realidades é legítimo, possível e urgente.

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Jovens são os mais afetados pela crise econômica

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Olá alunos.   

A notícia de hoje pinta o quadro da crise econômica nacional, destacando os jovens como grupo mais afetado por ela.

Gostaríamos de agradecer a colaboração do Grupo 1 Noturno - Bruna, Bruno Henrique, Carol, Douglas, Karina Moraes - pela contribuição da notícia. 

Esperamos que gostem e participem,   

Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.



Os movimentos do mercado de trabalho brasileiro mostram que a crise econômica enfrentada pelo país atinge com mais intensidade os mais jovens, que também têm maiores dificuldades de conseguir emprego e mais chances de ser demitidos. A informação foi foi divulgada nesta quinta-feira (14) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), na seção Mercado de Trabalho do blog da Carta de Conjuntura.

No segundo trimestre deste ano, do total de desempregados com idade entre 18 e 24 anos, apenas 25% foram recolocados no mercado de trabalho, atingindo um nível bem abaixo do observado no início da pesquisa em 2012, de 37%. As análises são feitas com base nos microdados extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os pesquisadores destacam que, além disso, entre os que perderam o emprego, o segmento dos mais jovens forma o grupo com maior perda percentual de ocupação. De 2012 a 2017, os trabalhadores com idade entre 18 e 24 anos que estavam ocupados e foram dispensados, passou de 5,2% para 7,2%.

“Os dados salariais revelam que, além de receber as menores remunerações, o grupo dos trabalhadores mais jovens apresenta queda de salário [de 0,5% na comparação com o mesmo período de 2016]. Na outra ponta, os empregados com mais de 60 anos elevaram em 14% seus ganhos salariais, na mesma base de comparação”, diz o documento.

De abril a junho deste ano, enquanto os empregados com mais de 60 anos receberam, em média, R$ 2.881, aqueles com idade entre 18 e 24 anos obtiveram remuneração média de R$ 1.122.

Segundo o Ipea, no segundo trimestre, o país tinha aproximadamente 13,5 milhões de desocupados, entre os quais 65% com idade inferior a 40 anos.

Melhora no setor formal
De acordo com o documento, embora ainda apresente um cenário ruim, os dados mais recentes da Pnadc mensal sinalizam melhora no mercado de trabalho brasileiro. No trimestre móvel de maio a julho de 2017, a taxa de desemprego no país ficou em 12,8%, apresentando a quarta queda consecutiva. “De um modo geral, a melhora recente da ocupação é decorrente tanto de um aumento no número de pessoas que conseguiram uma vaga no mercado de trabalho quanto de uma queda do número de ocupados que perderam os seus empregos.”, dizem os pesquisadores.

No segundo trimestre deste ano, 31,7% dos trabalhadores que estavam desocupados no trimestre anterior conseguiram voltar ao mercado de trabalho, ou seja, uma expansão de quase 3 pontos percentuais quando comparada ao observado no mesmo trimestre de 2016. Na outra ponta, o percentual de pessoas que ficaram desempregadas recuou de 3,6% no segundo trimestre do ano passado para 3,4% no mesmo período de 2017.

“A melhora do mercado de trabalho no segundo trimestre de 2017 foi decorrente de um maior dinamismo do mercado informal, que, sozinho. respondeu por 1 milhão de um total de 1,3 milhão de trabalhadores incorporados à população ocupada. De fato, dentre os trabalhadores que estavam desempregados e conseguiram nova ocupação, 43% foram incorporados pelo mercado informal, 28% obtiveram uma vaga formal, 28% se tornaram conta própria e 1% viraram empregadores”, diz o estudo do Ipea.

Os pesquisadores ressaltam, no entanto, que, se por um lado, o mercado de trabalho formal vem perdendo o dinamismo ao longo dos últimos trimestres, no que se refere à criação de vagas, por outro, ele vem reduzindo o ritmo de demissões e expandindo seus rendimentos a taxas superiores às dos demais.

De abril a junho passado, de todos os trabalhadores que foram demitidos, 32% estavam empregados no mercado formal, percentual este que é 10 pontos percentuais menor que o observado há dois anos. Adicionalmente, a alta de 3,6% dos salários pagos pelo setor privado com carteira assinada é maior que a dos informais, que teve queda de 2,9%, e a dos trabalhadores por conta própria, que recuou 1,2%.

No caso do setor informal, observa-se uma estabilidade ao longo do tempo – 38% desses trabalhadores perdem o emprego a cada trimestre –, sinalizando que o setor informal recebeu o maior número de desempregados.

“Em termos agregados, o mercado formal continua sendo o principal empregador do país, com um contingente ocupado de 44 milhões de trabalhadores, o que corresponde a 49% de toda a ocupação. Em relação às demais categorias, observa-se que ao longo dos últimos anos, vem crescendo o número de trabalhadores por “conta própria”, enquanto o contingente de empregados no mercado formal mantém-se estável. Como consequência, a participação relativa dos trabalhadores informais no total da ocupação recuou 2 pontos percentuais entre 2012 e 2017 – de 23% para 21%, e a do “conta própria” avançou de 22% para 25%”, dizem os pesquisadores.

Expectativas

Segundo a publicação, a expectativa para os próximos meses é de que a taxa de desemprego continue diminuindo lentamente, com a retomada gradual do crescimento da economia. “No entanto, a queda do desalento pode exercer pressões adicionais sobre a PEA [População Economicamente Ativa], impedindo um recuo da taxa de desemprego mesmo em um cenário de expansão da ocupação”, diz o documento.

A redução da taxa de desemprego (que está em 12,8%) só não foi maior porque entrou mais gente na PEA: alta de 1,6% no trimestre encerrado em julho. Segundo o Ipea, a parcela dos inativos desalentados, que achavam que não conseguiriam emprego, foi de 44,7% no segundo trimestre. Esse número é 2,5% menor que o registrado no trimestre anterior, o que indica aumento da confiança em alcançar uma vaga.

Quanto aos salários, os pesquisadores afirmam que as perspectivas são de continuidade de aumento dos rendimentos, principalmente em um cenário de inflação baixa. “Dessa forma, a tendência é que a massa salarial real continue a acelerar, contribuindo positivamente para a continuidade da retomada do crescimento do consumo das famílias”, diz a análise do Ipea.

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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Brasil pós-reformas: é esse o país que queremos?

Menino em comunidade no Brasil













Olá alunos.  
A notícia de hoje traz um balanço crítico do que as reformas do governo Temer podem, na visão dos autores, causar em termos de impacto sócio-econômico. 
Gostaríamos de agradecer a colaboração do Grupo 1 Noturno - Bruna, Bruno Henrique, Carol, Douglas, Karina Moraes - pela contribuição da notícia.
Esperamos que gostem e participem,  
Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.

Reflexões e estatísticas recentes sobre desigualdades socioeconômicas demostram que padrões mais igualitários de distribuição de renda e de riqueza só foram atingidos nos países desenvolvidos, no período compreendido entre o imediato pós-guerra e a década de 1970, em resposta aos efeitos devastadores provocados pelas guerras mundiais e mediante um consenso social, forjado naquele contexto.
Esse consenso permitiu a implementação de políticas fiscais, sociais e regulatórias que alçaram o capitalismo a um novo patamar civilizatório.
Com o passar do tempo, porém, à medida que as lembranças dos horrores dos conflitos bélicos foram se esmaecendo, o aludido consenso social foi paulatinamente desmoronando e as políticas públicas distributivas enfraquecidas.
Como consequência, as desigualdades avançaram, ainda que em ritmos diversos a depender do país analisado, amparadas por um discurso que as elevam a um status de valor positivo, pois promoveriam o crescimento econômico ao libertar a paixão empreendedora capitalista dos grilhões representados pelas instituições do Estado de Bem-Estar Social.
No Brasil, os efeitos práticos e simbólicos das guerras pouco contribuíram para a superação das consequências socioeconômicas de seu passado colonial-escravista, dentre as quais destacam-se os obscenos níveis de desigualdade de renda e de riqueza.
A modernização conservadora da ditadura militar, porém, serviu como aglutinadora de movimentos sociais diversos que defendiam o retorno da democracia e um país socialmente mais justo e igualitário.
Constituição Federal de 1988, de certa forma, foi resultado do relativo consenso social que emergiu daquele processo e significou uma tentativa de enfrentar o enorme passivo social historicamente acumulado, numa espécie de esforço de mimetização do que ocorreu nos países desenvolvidos, porém numa etapa da história do capitalismo mundial amplamente desfavorável, de hegemonia do pensamento neoliberal.
A verdade é que parte dos avanços da Constituição foram tolhidos nas décadas seguintes, reduzindo substancialmente o seu alcance e o seu potencial reformista.
Entretanto, foram justamente os avanços da Constituição Federal de 1988 que lograram efetivar-se, acompanhados por decisões políticas e econômicas tomadas a partir de meados da década passada, com destaque para a valorização do salário mínimo e a expansão das políticas de transferência de renda, que permitiram que o ciclo de crescimento econômico iniciado naquele período fosse inclusivo.
Tal ciclo expansionista foi marcado por uma diminuição expressiva das taxas de desemprego, redução da informalidade, aumento do rendimento médio real dos trabalhadores, e redução das desigualdades (pessoal e funcional) de renda.
No entanto, a grave crise econômica que se instalou no país a partir de 2015, e a reorganização do bloco no poder por ela provocada, cimentou um ambiente por muito tempo ansiado pelas elites locais, propício a, finalmente, tornar a Constituição Federal de 1988 e sua vocação social uma lembrança de um passado remoto.
Crise, aliás, que, se não fosse alimentada por razões políticas muito pouco republicanas, não passaria de uma recessão econômica provocada pela desaceleração da economia mundial, pelo esgotamento de um ciclo de consumo e de endividamento, e por decisões de política econômica equivocadas.
As reformas encaminhadas desde o ano passado – a do “teto dos gastos públicos”, a trabalhista e a previdenciária – têm como fio condutor o objetivo de reduzir o tamanho do Estado brasileiro, viabilizando a promoção de uma estratégia de crescimento econômico orientada pelo mercado e mais integrada à globalização capitalista, efetivando o país como um polo de exportação de produtos agropecuários e manufaturados de baixo valor agregado, posicionado nos elos menos virtuosos das cadeias globais de valor.
O sucesso dessa estratégia, por suposto, exige que a competitividade nacional se apoie em uma carga tributária mínima, em baixos custos do trabalho e em um padrão amplamente flexível de contratação e demissão, uso e remuneração de mão de obra.
Mas, vale dizer, não é toda e qualquer intervenção do Estado que se mira nas reformas atualmente propostas.
O “novo regime fiscal” e a proibição de que os gastos públicos cresçam em termos reais – o que, na prática, significa uma diminuição do seu montante como percentual do PIB e per capita –, diz respeito somente aos gastos primários, ou seja, exclusive o pagamento dos juros da dívida pública.
O que está irremediavelmente comprometido são os gastos com saúde, educação e assistência social, por exemplo.
A reforma trabalhista visa, por um lado, a oferecer um “cardápio” mais diversificado de contratos de trabalhos precários – como o intermitente, o temporário e o autônomo – para que o lucro privado possa ser maximizado; por outro lado, expor os trabalhadores a negociações que se dão em âmbito cada vez mais individual, fragilizando os sindicatos e o seu poder de barganha, além de dificultar-lhes o acesso à Justiça do Trabalho.
A reforma previdenciária pretendida, por fim, tem como objetivo reduzir o alcance da Previdência pública, restringindo o acesso aos benefícios e cortando seu valor, sem preocupações substantivas com a recuperação ou elevação de receitas.
Insistir nesta estratégia de crescimento provocará um rebaixamento geral dos salários e uma ampliação da desigualdade e da pobreza, debilitando o mercado interno de consumo. O crescimento econômico, se vier, será sem dúvida alguma de caráter excludente.
O país precisa de uma estratégia de crescimento econômico que busque a sofisticação de sua estrutura produtiva e a consolidação de um amplo mercado interno de consumo, pela geração de emprego e renda, bases sem as quais não haverá suporte para uma estrutura de proteção social que atenda as necessidades da população.
Para tanto, reformas são necessárias sim. Mas, as mais urgentes certamente não são as que estão sendo encaminhadas recentemente, por um governo sem legitimidade democrática e um Congresso com baixa representatividade social.
Notando que a necessidade de mudanças estruturais é necessária não apenas na economia, pode-se destacar, por exemplo, a urgência de uma reforma da política econômica, que diminua drasticamente as taxas de juros praticadas pelo país, elimine a indexação da economia brasileira e evite a tendência à apreciação da taxa de câmbio.
Ou a necessidade de uma reforma tributária, que aumente a progressividade dos tributos – diminuindo o peso da tributação indireta (incidente sobre o consumo) e aumentando a parcela da tributação direta (que taxa renda e patrimônio) –e torne o sistema tributário brasileiro mais justo, capaz de suportar uma atuação estatal com maior potencial redistributivo e de estabilização da economia.