Olá alunos.
A notícia de hoje mostra a relação, aparentemente paradoxal, entre abundância de recursos naturais e subdesenvolvimento, sobretudo em matéria de educação. Relaciona, em síntese, como os conflitos pelos quais os países mais ricos em recursos naturais passaram, desde o processo de descolonização na segunda metade do século XX, cooperaram para criar um quadro de extrema violência, pobreza generalizada, baixíssimo grau de desenvolvimento e pífios níveis educacionais.
Gostaríamos de agradecer a colaboração do Grupo 4 Integral - Rebeca Neves, Larissa de Souza, Caio Augusto, Larissa Macedo e Lucas Vignoli - pela contribuição da notícia.
Esperamos que gostem e participem,
Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
No início de setembro, cidades e vilarejos se enchem desde bem cedo de crianças sonolentas e nervosas que enfrentam seu primeiro dia de aula. Essa imagem tão habitual para alguns não é, de forma alguma, algo comum para muitos, muitíssimos outros. Recentemente, vem avançando a escolarização dos menores —entre 2000 e 2015 o acesso à escola primária chegou a 90% das crianças— mas ainda restam 264 milhões fora da escola em todo o mundo. E dois terços deles vivem em países ricos em recursos naturais, mas que paradoxalmente ocupam os últimos postos de desenvolvimento e têm orçamentos em educação inferiores a 3% de seu PIB.
Para chamar a atenção sobre esta realidade tão gritante, a ONG Entreculturas lançou a campanha Escolas em perigo de extinção e, com ela, um relatório intitulado Educação em zonas de conflito que analisa minuciosamente as relações entre o direito à educação, a exploração dos recursos naturais, a paz e o desenvolvimento sustentável.
“A forte pressão sobre os recursos minerais, fósseis, pesqueiros, florestais, agrícolas e hídricos e a luta por seu controle geram, além da degradação ambiental, tensão, conflitos, violência e deslocamentos forçados”, resume o estudo, que descreve como os civis que vivem nessas regiões exploradas veem seus direitos serem violados. Sobretudo o da educação. Os dados falam por si: 87% das pessoas desalojadas no mundo na última década vêm de regiões de exploração mineira e petrolífera.
Hombeline Bahati, coordenadora de um projeto de melhoria de qualidade de vida do Serviço Jesuíta ao Refugiado, conhece o assunto. Trabalha em Masisi, na castigada região de Kivu norte, na República Democrática do Congo (RDC). Um país com abundantes recursos minerais que há 20 anos está mergulhado em um conflito sem perspectivas de acabar. A RDC é uma mina de tântalo, o minério que faz funcionar os telefones móveis, e todos querem se beneficiar dela.
“Há problemas tribais por conta do acesso por terra, porque com a crise de Ruanda nos anos noventa, os hutus se deslocaram para Masisi e continuam ali, e não há lugar para todos”, explica Bahati, em Madri, onde está para dar visibilidade a seu trabalho. “Então, desde que chegaram os brancos para ajudar e descobriram a riqueza de nossas montanhas, começaram a explorar a terra e não mais só para cultivá-la, mas para obter maiores benefícios. Aí entraram o Governo, as milícias, as grandes empresas extrativistas... já foi uma luta de todos contra todos”, descreve.
Só em Masisi estão 11 campos de refugiados e Bahati trabalha em sete. Estima-se que neles vivem —ou sobrevivem— cerca de 36.000 pessoas. “A partir da formação em diferentes ofícios, essas pessoas podem ser autônomas. São famílias que tiveram de ir para outras cidades ou campos de refugiados para ter o mínimo de tranquilidade, porque sofriam com os confrontos entre guerrilhas e entre estas e o exército regular”.
É um círculo vicioso: menos educação, mais conflitos, mais conflitos, menos educação. E a particularidade de que a briga tem a ver direta ou indiretamente com a exploração dos recursos de um país só piora as coisas. Segundo o relatório, é um agravante para as crianças em idade escolar: “Dez dos países com indicadores educacionais mais baixos são ricos em recursos naturais. Oito deles estão sendo ou foram assolados por conflitos. Dos 40 conflitos produzidos entre o ano de 1999 e o de 2013 foram feitos ataques recorrentes à educação, mais da metade vinculados direta ou indiretamente aos recursos naturais”, enumera. E além disso durante os últimos 60 anos, entre quatro e seis em cada 10 conflitos armados tiveram um vínculo com a exploração de recursos naturais. A maioria foi na África subsaariana, mas também na América Latina e Ásia.
A razão fundamental é que essas contendas se prolongam por mais tempo, estão associadas a maiores níveis de violência, especialmente contra as mulheres, e são mais difíceis de superar. O risco de ressurgimento é muito mais alto, em parte porque os processos de paz e reconciliação não costumam abordar a governança e a gestão dos recursos naturais.
Em Masisi, Bahati é testemunha diariamente de como isso afeta a educação das crianças: “Quando há um conflito nada funciona, nem os colégios. Chegam famílias refugiadas com seus filhos para uma nova comunidade e as escolas da região não têm vagas para todos, estão lotadas, então as crianças não conseguem ter acesso à educação ou têm a uma de muito má qualidade”, descreve.
Outras guerras menos visíveis
Há conflitos armados mais violentos à primeira vista, como o da República Democrática do Congo. Neles há ataques a escolas, assassinatos, deslocamentos forçados de comunidades inteiras e uma importante degradação do meio ambiente. Mas existem outros de menor escala que afetam milhões de pessoas de pequenas comunidades locais e têm sua origem na apropriação de enormes extensões de terras que depois serão exploradas por grandes empresas (cultivos de soja em grande escala, por exemplo, na América Latina) ou na luta por recursos decrescentes (água, terras, pastos, pesca...).
Calcula-se que há ativos mais de 2.000 conflitos ambientais, uma cifra que aumentou nos últimos anos em paralelo com os assassinatos de ecologistas, que com frequência também exercem a liderança educacional em suas comunidades. Um dos mais conhecidos foi o de Dorothy Stang, mas não o único. Estes crimes aumentaram 59% entre 2004 e 2015, com 185 assassinatos em 16 países, segundo o último relatório da Global Witness.
Nos conflitos armados relacionados com recursos naturais são frequentes os ataques à educação. Desde os ataques a escolas e professores, a destruição de salas de aula, o recrutamento de meninas e meninos como soldados até a violência contra mulheres e meninas, estudantes e docentes. No caso da República Democrática do Congo, desde 2013 foram destruídas mais de 500 escolas e prejudicados mais de 200.000 alunos.
Nos conflitos ambientais os impactos não são tão visíveis, em parte porque os ataques diretos a escolas, professores e estudantes são menos frequentes, mas também são muito danosos e violam o direito à educação de milhões de menores. A apropriação de terras por parte de empresas desloca a população que nelas habitava ou trabalhava, com a consequente perda de oportunidades educacionais para os afetados. No Quênia há 30.000 escolas em risco de desaparecimento por causa deste fenômeno. Um total de 83% não conta com um título jurídico de propriedade, por isso seus efetivos donos não podem defender-se.
Uma questão de gênero
Dentre todos os prejudicados por esse tipo de disputa, as mulheres e meninas têm um problema adicional. A educação lhes dá poder para enfrentar diversas discriminações. Mas se não têm a oportunidade de se formar, serão mais propensas a sofrer outros abusos. É o caso do casamento infantil ou do acesso à saúde e ao emprego. Sem esquecer que nos lugares onde existem conflitos pelos recursos naturais há com frequência violações em massa de mulheres, como arma de guerra. Além das sequelas físicas e psicológicas, elas ficam estigmatizadas por toda a vida e marginalizadas, por isso o tecido social das comunidades acaba destroçado.
Bahati descreve sua experiência com essa situação. Explica que os deslocados perdem o acesso à terra, já não têm onde cultivar e, portanto, deixam de ganhar dinheiro. “Quando muito podem realizar alguma atividade econômica informal, mas se lhes sobra algo do pouco dinheiro que ganham para destinar à educação, vão privilegiar os filhos homens”, conta Bahati. “O fato de as meninas ficarem nos campos sem fazer nada as leva à escravidão sexual: nos meus campos acontece muito”, afirma a congolesa. “Por menos de meio dólar, os pais as prostituem.”
Mais guerra, pior alimentação e pior educação
Como se mencionava antes, uma boa parte das pessoas mais pobres do mundo vive em países ricos em recursos naturais. E também boa parte das que passam fome. Essa combinação de pobreza e fome dificulta o acesso à educação e a aprendizagem efetiva: uma criança com fome ou com carências nutricionais não vai render adequadamente na escola. No entanto, a educação é fundamental para sair do círculo da pobreza.
O mesmo ocorre com os problemas de saúde: afetam o direito à educação porque favorecem o absenteísmo, o abandono e as dificuldades de aprendizagem. Outras consequências sobre a saúde são a poluição gerada pelas indústrias da mineração ou dos hidrocarbonetos, a destruição da infraestrutura sanitária e a propagação de doenças.
Medidas realistas
Com esta campanha, a Entreculturas faz um chamado aos Governos de países onde existem conflitos relacionados com os recursos naturais. Exortam-nos a buscar o consentimento livre, prévio e informado das populações locais e a que respeitem seus direitos fundamentais, sobretudo o direito à vida, à alimentação adequada, à saúde e à educação. Sobre esta última, o relatório enfatiza que é imprescindível que sejam reforçados os meios e o financiamento atuais para mitigar os déficits existentes. Um exemplo positivo, na opinião dos pesquisadores, é o da Etiópia, onde a pobreza foi reduzida à metade desde 1995, quando o país começou a aplicar programas educacionais mais eficazes.
No caso das comunidades indígenas, é dada ênfase especial no investimento em uma educação bilíngue, em um reforço do enfoque multicultural e da orientação da educação para o empoderamento para a defesa dos direitos referentes a seu estilo de vida, à propriedade da terra e à gestão de seus recursos.
Por outro lado, os autores consideram necessário incorporar a questão da governança dos recursos naturais aos processos de paz e reconciliação por parte dos Governos nos países em conflito, dos atores que desempenham um papel de mediação e das organizações sociais que contribuem para a restauração da paz.
Apesar de tudo, Hombeline Bahati sabe que nem Masisi nem Kivu serão uma terra pacífica em curto prazo. Por isso, pede a adoção de medidas realistas para conseguir que a população sobreviva da maneira mais digna possível e com acesso aos melhores recursos, também dentro das circunstâncias. Não se pode acabar com a guerra de um dia para o outro, mas é possível sensibilizar as comunidades locais sobre a importância da educação. Ela, nascida nessa terra indômita, vai notando mudanças. “A sensibilização é muito importante, cada vez mais pais entendem que é fundamental que seus filhos e filhas se formem. O aumento da demanda é observado também na existência de um número cada vez maior de universidades e centros de formação profissional. Antes eram para poucos privilegiados, mas nos últimos anos o acesso se tornou mais comum”, afirma.