Olá alunos,
A postagem de hoje aborda como se dá a relação entre a moeda do país e algumas políticas públicas. Nesse contexto, o Brasil vem se demonstrando uma estratégia inovadora em conjunto com outros países emergentes, envolvendo a criação de um Novo Banco de Desenvolvimento.
Esperamos que gostem e participem.
Ramon Reis, monitor da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
O Brasil, no âmbito dos BRICS, tem participado de iniciativas ousadas no que se refere ao ordenamento monetário internacional, outro tema sensível entre as grandes potências.
No final do Século XIX, a Inglaterra logrou um feito original até então: impôs sua moeda nacional como a de referência internacional. Depois de um processo histórico secular, seu coroamento ocorreu com término da Guerra Franco-Prussiana (1870-71), por meio do enquadramento da França e a adesão Alemanha de Bismark ao padrão libra-ouro em 1872.
Cada etapa da internacionalização da libra teve como resultado a alavancagem da capacidade de gasto do estado inglês. A demanda por ativos denominados em libra, sobretudo moeda e títulos da dívida pública inglesa, cresceu de modo desproporcional. Estes ativos foram transformados no principal instrumento de estabilização para as demais economias nacionais. Grosso modo, o acúmulo de reservas denominadas em libras permitia-os contornar os problemas nas contas externas, ao mesmo tempo em que ampliava a capacidade de endividamento do estado inglês. Não menos importante, o sistema passou a funcionar de modo estabilizador à economia inglesa e de forma instável às demais economias por conta da liberdade de movimentos dos capitais.
No entre-guerras, ocorreu uma disputa político-diplomática entre a Inglaterra e Estados Unidos sobre a moeda de referência internacional. Nas negociações de Bretton Woods, em 1944, os Estados Unidos garantiram para si o “privilégio exorbitante” de que gozavam os ingleses. Desde então, a diplomacia monetária dos Estados Unidos seguiu sendo orientada pela mesma estratégia: veto e oposição permanente a qualquer iniciativa de substituição do dólar como moeda de referência internacional, sobretudo nas instituições financeiras multilaterais (FMI e Banco Mundial) criadas em 1944; e “precificação” em dólar de mercadorias estratégicas globais (petróleo, sobretudo).
Ao longo da história do Banco Mundial e do FMI é possível observar uma certa coerência entre as modalidades e as exigências relativas às operações financeiras dessas instituições e a política externa dos países do centro, em especial a dos EUA, o que balizou a atuação dessas instituições aos objetivos estratégicos deste país.
Nesse contexto, chamam atenção as iniciativas dos BRICS no campo financeiro internacional, sobretudo no que se refere à criação de instituições semelhantes ao FMI e ao Banco Mundial, mas cujo controle será compartilhado por um conjunto de países que antagonizam com os EUA em outras áreas sensíveis. Envolvem dois dos principais rivais dos Estados Unidos no campo militar, Rússia e China; além de Índia, Brasil e África do Sul.
A criação do Arranjo de Contingência de Reservas (uma espécie de “FMI dos BRICS”) e o Novo Banco de Desenvolvimento (o “Banco dos BRICS”) permitirá aos países com dificuldades em seus Balanço de Pagamentos o endividamento em moeda estrangeira fora da alçada de influência e do controle das instituições consagradas nos Acordos de 1944. Em caso de sucesso e projeção global, essas instituições financeiras dos BRICS ganham potencial para, em outro momento, pressionarem a própria hierarquia monetária internacional atual, por meio da difusão do uso de uma moeda de referência diferente do dólar norte-americano.
Observa-se, por fim, que a VI Cúpula dos BRICS ocorreu em Fortaleza, em julho de 2014, onde se anunciou a assinatura do Acordo constitutivo do Novo Banco de Desenvolvimento e do Tratado para o estabelecimento do Arranjo Contingente de Reservas. Aos olhos de outros, a foto de encerramento da Cúpula não passou despercebida. A presidenta Dilma estava ao centro dos presidentes da Rússia, V. Putin, e da China, Xi Jinping, cercados, por sua vez, pelo primeiro-ministro indiano, N. Modi, e o presidente da África do Sul, J. Zuma.
Arrematando, não é com indiferença que potências estrangeiras analisam as iniciativas de projeção internacional do Brasil por meio de uma política externa autônoma e de uma política de defesa organizada com base em ameaças externas, articuladas a instrumentos militares assentados em energia nuclear, tendo por trás reservas expressivas de petróleo, garantidoras da segurança enérgica nacional, com potencial de uso enquanto instrumento de política externa e, também, como instrumento para reforçar, quando conveniente, as reservas internacionais em moeda estrangeira do país. Alguns dos alvos da operação lava jato constituem-se pilares deste conjunto de iniciativas. Sob a névoa das disputas políticas domésticas, as conexões estrangeiras da operação lava-jato ainda não estão claras, mas seus efeitos já se fazem sentir.
Mauricio Metri - Professor de Economia Política Internacional da UFRJ.