o texto de hoje retrata o papel do Brasil num mundo globalizado e, consequentemente, suas perspectivas. Texto de autoria de Luiz Felipe de Seixas Correia. Apesar de ser de 2007, o texto ainda é bem atual. Esperamos sua colaboração.
Yuri Antunes
Monitor da disciplina ''Economia Política e Direito'' da Universidade Federal Fluminense
Introdução
Desde 1941, quando Stefan Zweig publicou “Brasil, país do futuro”, os brasileiros se acostumaram a ler histórias sobre seu país com verbos no futuro. Seguido nos perguntamos se este futuro de há muito esperado algum dia se realizará de acordo com nossas expectativas.
Desde 1941, quando Stefan Zweig publicou “Brasil, país do futuro”, os brasileiros se acostumaram a ler histórias sobre seu país com verbos no futuro. Seguido nos perguntamos se este futuro de há muito esperado algum dia se realizará de acordo com nossas expectativas.
Estamos nos esforçando ao máximo
para que isso aconteça. Depois de um longo período caracterizado por períodos
sucessivos de autoritarismo e de turbulência econômica, o Brasil conseguiu
construir uma democracia estável e chegou à estabilidade macro-econômica. Dada
a nossa dúbia tradição de convívio com altos índices de inflação e com
instabilidade econômica, isso é uma conquista muito significativa. Apesar do
constante confronto político, as instituições desfrutam de grande solidez. A
economia vem crescendo com constância e todos os indicadores parecem apontar
para a boa direção.
Será isto suficiente para levar o
Brasil ao futuro vislumbrado por Stefan Zweig? Esperemos que sim. Mas para ter
sucesso, além de manter sua estabilidade política, social e econômica, o Brasil
deve enfrentar desafios complexos derivados do contexto internacional.
Não é possível que consigamos
atender a estes desafios contando apenas conosco mesmos. Por toda parte os
acontecimentos nos lembram dramaticamente de que, embora os riscos globais
emoldurados pelo antigo confronto entre Oeste e Leste tenham sido superados num
mundo hoje globalizado, a estabilidade [mundial] ainda está muito longe de
nosso alcance. Nos bastidores da simplicidade aparente de um modelo unipolar,
entrevê-se uma série de elementos que apontam para ambigüidades, dispersão e
carência de funcionalidade. Tudo isso exige reflexão criteriosa e ação concertada,
se queremos preservar a paz, a segurança, o desenvolvimento e o crescimento
numa escala global.
Os mecanismos de cooperação
internacional, bem como os processos de organização em escala mundial não se
desenvolveram à altura de se manterem em dia diante de realidades emergentes em
todo o mundo. Comprova tal assertiva o impasse em reformar o sistema da ONU, em
particular o Conselho de Segurança. Também dá sinal daquele problema nossa
incapacidade de alterar em seus fundamentos o sistema de comércio internacional
de acordo com a Rodada Doha.
Diante da emergência de muitos
sistemas e subsistemas Regionais, cujo impacto na macro-estrutura internacional
só cresceu nas últimas duas décadas, o cenário internacional se caracteriza por
uma tendência para a fragmentação e seus corolários: rivalidades, disputas e
unilateralismo.
Portanto qualquer discussão sobre o
papel do Brasil no mundo tem de levar em conta não só como estamos
correspondendo à nossa complicada agenda doméstica, mas também com o que
estamos fazendo no exterior para, de um lado aproveitarmos as oportunidades
hoje oferecidas pela economia globalizada do presente, e de outro, para
superarmos os obstáculos multifacetados que enfrentamos numa estrutura mundial
ainda impermeável a mudanças em muitos domínios, como, por exemplo, o do
comércio, o que nos penaliza.
Quero agora compartilhar com os
senhores e as senhoras alguns dados e fatos que podem nos ajudar a focalizar
apropriadamente o Brasil.
Breve visão geral do Brasil
Com 8,5 milhões de quilômetros quadrados,
o Brasil é o 5o. país do mundo em extensão territorial. Ele ocupa quase 50% da
massa territorial da América do Sul. Cerca de 58% do país são cobertos por
florestas. Ele abriga 20% da biodiversidade mundial, e nosso território abrange
oito sistemas fluviais, que contém aproximadamente 20% das reservas mundiais de
água doce. Graças à utilização de nossas reservas hidroelétricas e pesquisas em
biocombustíveis e extração em plataformas marítimas, o país tornou-se
auto-suficiente em matéria de petróleo.
O Brasil é o sexto país do mundo em
termos de população. Somos 188 milhões de habitantes. Em 2012 deveremos ser
mais do que 200 milhões. Em quatro décadas a maioria dos brasileiros terá entre
15 e 44 anos. Isso trará uma enorme pressão sobre o mercado de trabalho, com
reivindicações de monta no campo da educação, enquanto, ao mesmo tempo, isso
deve consolidar um mercado consumidor muito promissor.
O Produto Nacional Bruto do Brasil
deve chegar a 1,2 trilhão de dólares em 2008. A taxa de crescimento ganhou ritmo: nos
últimos três meses chegou a 5,4% ao ano. Nossas reservas chegaram à marca
inédita de 164 bilhões de dólares. O orçamento está sob controle e a dívida
pública decresce constantemente. A inflação – nossa companheira por tantos anos
– não passará de 4% neste ano.
Além disso, a razão entre a dívida
pública e o PNB caiu de 57% em 2003 para uma estimativa de 49% ao fim de 2007.
Um estudo da UNCTAD põe o Brasil entre os cinco lugares mais atrativos para
investimentos estrangeiros no mundo.
O maior desafio para o Brasil nos
próximos anos é acelerar o crescimento econômico, o PNB/PIB. Junto com a agenda
de reformas estruturais (Previdência, Reforma Fiscal, Reforma Política e
Judiciária), o governo trouxe à pauta o PAC – Programa de Aceleração do
Crescimento – um conjunto de medidas para incentivar investimentos privados e
acrescer os públicos na infra-estrutura econômica. O objetivo é fazer crescer a
relação entre investimento e PNB/PIB para 25% e assim garantir um crescimento
auto-sustentável de 5% [ao ano].
As exportações brasileiras
duplicaram nos últimos cinco anos e devem atingir 155 bilhões de dólares em
2007. O Brasil tem comércio regular com mais de 100 países. Três quartos das
nossas exportações são de produtos manufaturados ou semi-manufaturados. Nossos
principais parceiros são: o MERCOSUL e a União Européia (23%), os Estados
Unidos (20%) e a Ásia (16%). Somos um “pequeno comerciante global” com uma
distribuição equlibrada de parcerias. Isso é raro entre os países em
desenvolvimento.
Um dos setores mais dinâmicos dessa
explosão comercial é o do agro-negócio, que tem um sucesso mundial apesar das
barreiras comerciais e das políticas de subsídio adotadas em muitos países.
Bio-combustíveis, em especial o etanol extraído da cana de açúcar, têm tido um
crescimento espetacular no Brasil.
O Brasil também vem mostrando
capacidade para desenvover produtos de alta tecnologia, como aviões, que são
exportados em escala mundial.
Esses dados desenham o perfil de uma
economia moderna, pulsante, com segmentos da sua inteligência, do empresariado
e do governo completamente integrados às dinâmicas internacionais das mais
avançadas.
Até que ponto o Brasil tem tido
sucesso em enfrentar aqueles desafios?
Através da História do Brasil houve
tempos de mudanças maiores, mas não em conseqüência de circunstâncias
dramáticas, como guerras ou revoluções sangrentas. Reformas de maior alcance
levaram muito tempo para amadurecer, mas as mudanças que elas eventualmente
trouxeram não foram de modo nenhum graduais. Isso ajuda a entender o ritmo
particular e a profundidade das mudanças que a sociedade brasileira
experimentou nos últimos 20 anos.
Aqui “democracia” é a palavra-chave.
Nunca será demasiado enfatizá-la. Nos anos 80 do século passado, enquanto
terminava o regime autoritário, o Brasil enfrentou os desafios, que são faces
da mesma moeda, de ao mesmo tempo integrar no processo político grupos sociais
e partidos que nunca participaram formalmente dele e de, por outro lado,
desenvolver um modelo econômico que promovesse a inclusão social.
A democracia colocou o sistema
político sob pressão, diante de exigências emergentes a partir das agudas
desigualdades sociais e regionais que caracterizam o Brasil. Passo a passo,
começando pelo longo e doloroso exercício de delinear uma nova Constituição
(promulgada em 1988), progredimos em direção a um consenso social em torno de
valores, escolhas e objetivos básicos: defesa dos direitos humanos e das
liberdades democráticas, diminuição das disparidades sociais, economia de
mercado e prevalência do Estado de Direito.
Muitos elementos contribuíram para
esse resultado positivo. Entre eles estão: (a) extensos debates nacionais sobre
reformas estruturais; (b) um doloroso processo de aprendizado que atravessou
planos heterodoxos sucessivos que prometiam uma rápida cura para a
hiper-inflação mas iam a lugar nenhum; (c) o desenvolvimento de programas
sociais de eficiência crescente, como o nosso programa de sucesso no combate à
AIDS e o Bolsa-Família, projetado para recompensar famílias que mantenham suas
crianças na escola; (d) a expansão das despesas sociais dentro dos limites da
prudência fiscal; e (e) a adoção de regras mais estritas na administração
pública.
A solidez hoje corrente da economia
brasileira é o resultado de um processo longo, amplo e constante de reforma.
Aprendemos muito das experiências passadas. E esse longo e constante processo
de aprendizado foi um elemento-chave para a consolidação da democracia no
Brasil.
No passado, atravessamos vários
ciclos de crescimento. Mas um olhar mais de perto sobre a História do Brasil
mostra que eles coincidiram com regimes autoritários e se caracterizaram por
inflação alta e concentração de renda. Hoje nossas instituições democráticas se
consolidaram; a economia está baseada em fundamentos sólidos; e houve resultados
impressionantes no que toca à distribuição de renda. Desde 2003 cerca de 4
milhões de postos de trabalho formal foram criados, o desemprego vem caindo e
programas sociais transferiram recursos significativos para o terço mais pobre
da sociedade brasileira.
Portanto não é um exagero dizer que
o presente ciclo de crescimento econômico por que passa o Brasil é sustentável
economica, social e politicamente, e isso significa uma realização notável!
Um estudo recente do Deutsche Bank
sobre a economia brasileira afirma que o futuro do Brasil hoje é mais promissor
do que nunca, no que toca às últimas duas décadas. Isso é verdade.
Mas nós registramos dentro de nosso
território a maioria das assimetrias que prevalecem no sistema internacional,
para que progressivamente cheguemos a uma harmonia e
uma efetiva integração das diferentes regiões e dos diferentes estratos sociais
do país, nós temos de compatibilizar nossas políticas públicas domésticas com
nossas políticas no plano internacional. Temos consciência de que a busca de
nossos objetivos, em termos de desenvolvimento econômico e social, não dependem
apenas de reformas domésticas. Ela requer um ambiente internacional justo,
estável e próspero. Eis por que nós estamos tentando desempenhar um papel cada
vez mais ativo na definição de regras e regimes internacionais.
Os princípios que balizam nossa
política internacional são uma projeção dos consensos de base que pertencem à
sociedade brasileira: democracia, resolução pacífica das disputas, respeito
pelos direitos humanos, proteção ao meio-ambiente, luta contra a fome e a
pobreza, uma economia de mercado aberta como um sistema para a geração de
crescimento econômico e distribuição equilibrada da riqueza. Estamos
convencidos de que estes valores, que se mostraram de sucesso em promover um
desenvolvimento econômico e social inclusivo na nossa sociedade, podem e devem
ser efetivos na busca dos mesmos objetivos no contexto internacional mais
amplo.
Perseguindo os objetivos de sua
política internacional, o Brasil considera os fóruns multilaterais como os
“loci” por excelência para desenvolver e implementar a governabilidade global.
Apesar de suas limitações, organizações internacionais como a ONU e a OMC são o
melhor ambiente para todos os países, grandes e pequenos, ricos e pobres,
poderosos e fracos, influírem no desenvolvimento de regulamentações
internacionais, permitindo a participação democrática neste nível de discussão.
Por esta razão temos nos empenhado com vigor em promover uma participação mais
efetiva de países em desenvolvimento em tais organizações, entre outras.
Alguns dirão que essa “excessiva
democratização” do processo de tomada de decisões em fóruns multilaterais
tornaria as organizações internacionais inadministráveis, incapazes de produzir
resultados concretos. O Brasil não compartilha essa visão. Em vez disso,
defendemos um procedimento inclusivo de construção de consenso baseado em Blocos Regionais
e em coalizões de variada geometria como o G20 na OMC. Queremos fortalecer a
percepção de responsabilidades e interesses compartilhados por países
desenvolvidos e em desenvolvimento em relação à governabilidade global em
fóruns multilaterais. Temos inclusive participado também ativamente em
negociações regionais e entre diferentes regiões.
Para dar-lhes uma idéia de nossas
prioridades quanto a isso, deixem-me focalizar cinco tópicos.
(1) Integração sul-americana
O desenvolvimento nacional do Brasil
está ligado ao processo Regional da América do Sul. O objetivo de construir uma
América do Sul politicamente estável, justa socialmente e próspera é para nós
uma prioridade. Temos tentado usar nosso lastro político e econômico para
aprofundar e ampliar a integração sul-americana, através do comércio, do
investimento e de projetos conjuntos de infra-estrutura. No presente mais de
dez grandes projetos para melhorar e interconectar a infra-estrutura
sul-americana estão sendo financiados pelo Brasil.
A pedra fundamental deste processo é
o MERCOSUL. Nosso projeto de integração tornou-se um catalisador para construir
um futuro compartilhado com democracia, crescimento econômico e justiça social.
Estamos agora buscando a consolidação da Comunidade Sul-americana de Nações
desenhada para congregar todos os países do continente num único espaço de
integração. O objetivo desse processo vai além do comércio, do investimento e
da infra-estrutura. Ele deve promover a estabilidade política e econômica do
continente e fortalecer seu lastro de negociação em relação a outras nações e
grupos de países. Uma relação mais intensa com nossos vizinhos também ajudará
na luta contra o crime, as drogas e o comércio ilegal.
(2) IBSA (ou BRISA)
IBSA ou BRISA é um fórum trilateral
formado em 2003 pela Índia, pelo Brasil e pela África do Sul. Reunindo três
democracias do Sul na África, na Ásia e na America do Sul, o IBSA pode ter um
papel fundamental como um ímã para a cooperação entre países em desenvolvimento
e como um apoio para o diálogo com os parceiros desenvolvidos. Numa conferência
de cúpula em 2006, no Brasil, o Primeiro Ministro Manmohan Singh, o Presidente
Thabo Mbeki e o Presidente Lula assumiram compromissos ambiciosos de aprofundar
e ampliar a cooperação em energia, segurança global e de, no futuro, criar uma
área de livre comércio. Na segunda conferência, realizada neste mês de Outubro,
na África do Sul, os três líderes concordaram em intensificar as negociações
com relação a este último objetivo.
(3) Nações Unidas
O Brasil deseja fortalecer a
Assembléia Geral da ONU. Mais do que nunca, precisamos de um fórum com
representatividade universal onde os as questões decisivas do mundo de hoje
podem ser debatidas democraticamente. O Brasil também apóia a recém-criada
Comissão de Paz que procura construir uma ponte sobre a lacuna institucional
entre segurança e desenvolvimento. Pensamos que as estruturas e os mecanismos
da ONU no campo dos direitos humanos deveriam ser melhorados e reforçados. O
estabelecimento do Conselho de Direitos Humanos foi um passo positivo nesta
direção.
Neste contexto, a reforma do
Conselho de Segurança assume relevância especial. O fortalecimento do Conselho
requer melhorias no seus métodos e uma expansão eqüitativa de seus membros. Um
Conselho de Segurança reformado com novos membros permanentes tornou-se uma
necessidade urgente. Brasil, Alemanha, Índia e Japão, os assim chamados G-4
estão lutando para tornar o Conselho de Segurança da ONU mais representativo,
legítimo e democrático. Temos perseverado nessa busca e permaneceremos unidos
em torno desta aspiração comum.
(4) OMC
O sistema multilateral de comércio
foi um dos grandes baluartes em favor do crescimento econômico que os países
desenvolvidos desfrutaram no pós-Segunda-Guerra. Assim foi desde a sua gestação
logo depois do término do conflito, com o GATT, até o estabelecimento de sua
sucessora, a OMC, em 1994, na conclusão da Rodada Uruguai.
Os países em desenvolvimento, na
maioria, são recém-chegados ao comércio internacional. Isso se deve, sobretudo,
ao fato de que seus trunfos comparativos – têxteis e agricultura – não ficaram
sob as regras multilaterais. Durante a Rodada Uruguai, a perspectiva de
coloca-los sob tais regras, e a possibilidade de montar um sistema de resolução
de disputas mais reforçado atraíram um crescente número de países em
desenvolvimento para as negociações.
Ainda assim as expectativas desses
países não foram satisfeitas. Os desequilíbrios e as distorções existentes nos
direitos e nas obrigações nos principais acordos da OMC ainda não foram
corrigidos, e continuam a atrapalhar uma distribuição mais justa da riqueza
gerada pelo comércio mundial. Nada se compara, nem de longe, ao impacto que a
reforma do comércio agrícola teria em termos de alívio da pobreza e promoção do
desenvolvimento. A agricultura é o campo onde os países em desenvolvimento
gozam de vantagens efetivas ou potenciais, comparativamente. Dois terços dos
pobres em países em desenvolvimento dependem da agricultura para sobreviver.
Maiores ganhos na agricultura são essenciais para assegurar a eles uma
participação mais ampla no comércio internacional e são cruciais para suas equações
de estabilidade doméstica. As políticas protecionistas e os pesados subsídios
que ainda prevalecem nos países desenvolvidos são responsáveis pela real falta
de oportunidade de melhoras na situação de países em desenvolvimento no que se
refere a uma série de produtos, como algodão, açúcar, carne bovina, avícola,
arroz e outros.
Muita esperança acorreu para a assim
chamada Rodada Doha para o Desenvolvimento, desde seu lançamento, em 2001. A agricultura foi a
razão desta Rodada, assim como foi a razão de seu fracasso em trazer resultados
concretos até agora. Os Estados Unidos foram incapazes de reformular sua
Política Pública para a Agricultura de acordo com princípios gerais de
liberalização, enquanto as tendências protecionistas cresceram neste país, e muito.
O beco sem saída em que estão as
negociações gera ameaças concretas para a sobrevivência do sistema
multilateral, assim como o colapso da Rodada levaria inevitavelmente à proliferação
de acordos bilaterais e Regionais discriminatórios. Isso seria muito negativo,
em especial para os países em desenvolvimento.
Esta é a razão por que o Brasil,
junto com a Índia, a China, a Argentina e a África do Sul, tomou a iniciativa
de criar o assim chamado G-20, no caminho para a Conferência Ministerial de
Cancun. Pela primeira vez em matéria de comércio global os países em
desenvolvimento conseguiram desempenhar um papel central e coordenado no
processo de tomada de decisões. É difícil desconsiderar um grupo que representa
quase 60% da população mundial, 70% dos agricultores mundiais, 26 % das
exportações e 18% das importações de produtos agrícolas.
(5) O G-7/G-8 e o “Grupo Associado”
O assim chamado Processo de
Heilingendam volta-se para a intensificação do diálogo entre o G-7/G-8 e os
cincos grandes países do mundo em desenvolvimento: Brasil, África do Sul,
China, Índia e México, conhecido como “Os 5 Associados” (O-5, por causa da
expressão em inglês “Outreach Five”).
O Processo de Heilingendam de fato
trouxe à luz uma mudança qualitativa na interação entre os grupos G-7/G-8 e os
outros cinco países. Com um foco “topicamente orientado” os países do O5
participaram lateralmente do processo preparatório para aquela conferência de
cúpula. Espera-se agora que esse “diálogo expandido” evolua para um “diálogo
estrutural”.
A agenda para o diálogo proposta
pela presidência alemã da cúpula inclui áreas onde o Brasil pode contribuir
muito: mudanças climáticas, cooperação energética e para o desenvolvimento.
Além da agenda estabelecida pelo G-7/G-8, o Brasil vem tentando estimular a
consideração de suas próprias prioridades, como negociações multilaterais para
o comércio, diminuição da pobreza e bio-combustíveis. Estamos buscando um novo
paradigma de cooperação internacional com foco em resultados concretos e
verificáveis, capazes de levarem em conta os interesses e as necessidades dos
países em desenvolvimento.
Até o momento, no entanto, apesar de
todos os esforços empenhados pela presidência do G-7/G-8, hoje exercida pela
Alemanha, ainda não está claro se este diálogo ampliado e estruturado levará a
uma negociação também ampliada e estruturada. O G-7/G-8 continua a se reunir em
separado e a construir consensos que depois são apresentados aos países do O5,
mas não de fato negociados com estes. Até agora este mecanismo continua a seguir uma visão de “altura mínima”. Muita coisa
vai depender de como a futura presidência, a ser exercida pelo Japão, vai
administrar este diálogo em 2008.
Com certeza o Brasil vai perseverar
na busca de usar o G-7/G-8, ou melhor ainda, um novo G-13, como um espaço para
o estabelecimento de uma agenda comum e equilibrada entre os países
desenvolvidos e os em desenvolvimento, de modo a implementar uma
governabilidade global e a promover um crescimento eqüitativo em escala
mundial.
Eu poderia me referir a muitos
outros tópicos que merecem atenção na política externa brasileira, como o
meio-ambiente, nosso papel de manter a paz no Haiti, os mecanismos inovadores
no combate à fome e à pobreza, nosso programa de cooperação com a África, entre
outros.
Se escolhi me concentrar nestes 5
tópicos, é porque eles podem claramente ilustrar e enfatizar a lógica por
detrás das ações do Brasil na arena internacional:
Através da consolidação do MERCOSUL
e da integração comercial e física da América do Sul, o Brasil tenta garantir
um ambiente Regional próspero e pacífico, capaz de melhor lidar com seus
desafios globais;
Através do IBSA, podemos nos
associar de algum modo neste processo com nossos grandes parceiros na África e
na Ásia;
Através da reforma da ONU, podemos
criar uma moldura adequada e equilibrada para lidar com assuntos globais de um
modo mais democrático e participativo;
Através do fortalecimento do Sistema
Multilateral de Comércio e da remoção das distorções quanto à agricultura, nós
estaríamos, conjuntamente com outras nações em desenvolvimento, numa posição de
fato favorável para tirar vantagem dos benefícios potenciais que o comércio
pode trazer para nosso desenvolvimento social e econômico; e
- Através do diálogo expandido e aberto com o G-7/G-8 – e possivelmente através da expansão deste no sentido de incluir as nações do O5 – nós poderemos estimular a negociação de regras e regimes mais justos e eqüitativos para a governabilidade global, mais permeáveis às necessidades e aspirações dos países em desenvolvimento.
Concentrando-se nestes tópicos, a
política externa brasileira está projetada para compatibilizar as demandas e
expectativas internas com as oportunidades e os desafios externos, e assim
ajudar a promover a inserção competitiva do Brasil na economia global. Nosso
objetivo geral é favorecer o desenvolvimento social e econômico. Nossas opções
externas e nossas alianças operacionais são definidas mais pelas oportunidades
positivas do que pelos antagonismos. Vemo-nos como movidos essencialmente pelo
pragmatismo e pelo senso comum ao invés de por compulsões de segurança, ou
ideológicas, ou outras de raízes mais profundas. Tudo o que não temos em termos
de poder impositivo, tentamos compensar pelo poder da persuasão e pela crença
firme nas virtudes da diplomacia.
Através dessas virtudes – as da
diplomacia – quem sabe, nós poderemos finalmente incorporar o futuro ao nosso
presente...
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