Caros Leitores,
O debate acerca do processo integração sul-americana possui inúmeras nuances em uma trajetória de avanços e retrocessos. Por representar um ator importante nesse contexto, o Brasil está prestes a retomar, em 2024, o plano de integração para a América do Sul através de projetos de infraestrutura. Por outro lado, a ascensão de governos de tendência mais conservadora tende a sinalizar na direção de não priorizar essa agenda.
Para compreender esse cenário, composto pelo embate entre uma postura mais autônoma e um posicionamento mais dependente para o subcontinente, trazemos essa semana uma notícia que apresenta os movimentos e riscos do processo de integração em curso na região.
Esperamos que gostem e compartilhem!
Alejandro Louro Ferreira é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.
Em um mundo multipolar, de
três grandes protagonistas políticos e econômicos - Estados Unidos, União
Europeia e China - o mais efetivo caminho para os países sul-americanos
passarem a pesar mais nesta balança é aquele de agirem em bloco. Tomados
isoladamente, cada país da região terá menor capacidade de interferência
permanente. Obviamente que sabemos das formas clássicas utilizadas pela
potência continental para obstruir este processo de integração, como o
oferecimento de vantagens singulares para aquele país que se disponha a ser
dissidente neste processo.
Os
seis anos, somados, de governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro no plano da
integração sul-americana foram de retrocessos e obliteração das relações entre
os Estados da região. A furiosa onda de ascensão das ideias e políticas de
direita e de extrema direita acontecida naquele período permitiu que se
estigmatizassem negativamente todas as iniciativas de integração sul-americana,
ainda mais seus aspectos de afirmação de soberania nacional. Houve um “giro” do
centro da política de relações internacionais para uma reaproximação com os
Estados Unidos, o que significou um retrocesso nas relações regionais e um
esfriamento em relação aos países europeus.
Essa
política internacional esteve diretamente relacionada com a política econômica
majoritária do período marcado pela “comoditização” da economia brasileira,
voltada à exportação de produtos extrativos e agrícolas com baixa geração de
emprego e de pouca capacidade de densificação e complexificação dos serviços e
novas tecnologias.
O
resultado foi que o Brasil se reposicionou no cenário global de forma
subsidiária, recuando progressivamente em sua capacidade política nas relações
internacionais. Foi uma espécie de “joia” cobrada pelo rentismo internacional
para essa associação aos países centrais do Ocidente, onde o Brasil acabou por
cumprir um papel logístico, abastecendo o grande comércio global com produtos
primários e servindo ao rentismo com altas taxas de juros e dividendos
financeiros.
A
política do governo Lula inflexionou, durante o ano de 2023, o continente
sul-americano para uma expectativa mais forte no sentido de retomar a agenda da
integração. Houve expectativa convergente com a eleição de Gustavo Petro na
Colômbia e Gabriel Boric no Chile. Contudo, outros novos governos como do
Paraguai e Equador têm posições menos ativas neste sentido.
Neste
novo momento de debate e confronto entre políticas integracionistas e
anti-integracionistas há três aspectos distintos a serem enfrentados: a
fragmentação das relações produzidas entre os países, a reinserção efetiva da
Venezuela no bloco e as relações diretas e individuais com as superpotências
econômicas EUA e China. O fato é que a base da compreensão do governo
brasileiro sobre a integração é, precisamente, a importância da América do Sul
agir como bloco econômico e político. Estratégia esta que enfrenta desafios,
inclusive entre governos progressistas e de esquerda. Colômbia e Chile, por
exemplo, têm um histórico de relações com os EUA bem distinto das relações do
Brasil. Já a linha dos governos de direita é privilegiar a relação singular com
as economias centrais.
Efetivamente,
o tema da integração se identifica com os governos à esquerda. Enquanto
governos à direita o esfriam ou efetivamente rejeitam a integração
sul-americana como política. O papel ocupado, muito astutamente, diga-se de
passagem, por Lacalle Pou, presidente do Uruguai, é uma evidência deste
alinhamento político. Sem deixar de comparecer ou negar as relações e encontros
entre os países sul-americanos, o governo uruguaio tem adotado uma política de
obstrução suave à integração, sempre interpondo questões críticas, tais como a
possibilidade de acordos singulares e a crítica ao governo venezuelano. Contudo
a posição de Pou deve perder espaço para a de Javier Milei, bem mais agressiva
e explícita.
As
posições de Milei devem significar novas dificuldades nesta relação. A posição
já externada por seu governo sobre o afastamento do Brics já aponta a ampliação
das restrições à formação de um bloco sul-americano, uma vez que coloca as duas
maiores economias da região, Brasil e Argentina, em posições muito distintas no
cenário mundial. Sem a Argentina, a própria posição do Brasil no Brics se
enfraquece.
Na
Argentina, o histrionismo de Milei, próprio da extrema direita e do ultra
neoliberalismo, deixou um pouco à sombra a política em relação à região. As
propostas de bimonetarismo, que deixariam o dólar estadunidense circular
livremente no país, com aumento da autonomia do Banco Central, simplificação
das atividades financeiras, reforma trabalhista para diminuir direitos e a
centralidade do ajuste fiscal, parecem repetir os passos de Temer-Bolsonaro,
contudo, em um período de tempo condensado. As primeiras medidas de Milei são
violentas, autoritárias, antissoberanas e antipopulares para surpresa de zero
pessoas no planeta, incluindo-se o presidente Lula.
Será uma nova e distinta situação da vivida nos primeiros dois governos de Lula, para quem a integração é de alta importância para sua política econômica e geopolítica. Milei jogará não somente a Argentina em um ciclo de crise como toda a América do Sul. Tempos difíceis virão.
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