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quinta-feira, 27 de abril de 2023

Como o Brasil vai encarar o poder das Big Techs?

Caros Leitores,


O combate à disseminação de desinformação e de discursos de ódio no ambiente cibernético tem intensificado a incidência de discussões acerca de quais organizações devem ter responsabilidade sob tal impasse, sendo que o Estado e as Big Techs representam dois pólos nesse cenário.


Para compreender esse processo, trazemos uma notícia que examina os obstáculos que o governo brasileiro enfrenta em relação à regulamentação da internet e à magnitude da influência exercida pelas grandes plataformas digitais nesta dinâmica.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.


Existe uma preocupante inversão no debate sobre o combate à desinformação e ao discurso de ódio. De repente, o Marco Civil da Internet passou a ser responsabilizado pela inoperância das plataformas diante dos ataques à ciência e às informações de qualidade baseadas em fatos. Nos Estados Unidos ou na Inglaterra não existia o Marco Civil e nem por isso deixamos de assistir uma onda de desinformação que redundou no Brexit, na eleição de Trump e na invasão do Capitólio.

O Marco Civil nunca impediu a moderação de conteúdos pelas plataformas. Quem não conteve as falsificações da realidade, as “fazendas de cliques”, a proliferação de grupos fascistas e seu discurso de ódio foram os donos das plataformas. Isso não ocorre simplesmente por que grande parte do Vale do Silício tem simpatias pelas ideias de incompatibilidade entre a liberdade irrestrita de exploração econômica e as democracias, tal como Peter Thiel, fundador do PayPall, ou de Larry Elisson, co-fundador da Oracle, entusiastas da extrema direita e do chamado movimento alt-right.

As plataformas têm um modelo de remuneração extremamente exitoso que redundou em valores de mercado superiores a 1 trilhão de dólares para as Big Techs que possuem o seu controle acionário. Qual a dinâmica principal desse modelo de negócios? Primeiro, a oferta gratuita de interfaces e serviços com o objetivo de coletar massivamente dados das pessoas que as utilizam. Segundo, esses dados são tratados pelos sistemas algorítmicos para a formação de perfis de comportamento e microssegmentação da população que a utiliza. Terceiro, os perfis são agrupados pelas plataformas para serem atingidos com propaganda direcionada por quem tem dinheiro, empresas, departamento de marketing, grupos políticos, entre outros.

Assim, as plataformas monetizam cada segundo que uma pessoa navega em suas estruturas que são arquitetadas para atrair e modular as atenções. Por isso, criaram a lógica da viralização, do engajamento e da venda de likes e impulsionamentos. Todo esforço das plataformas não visa a informação de qualidade, nem a proteção da democracia. Seu objetivo é a espetacularização que permita manter as pessoas olhando e compartilhando seus conteúdos. Por isso, o empobrecimento dos debates que vemos na política mundial se deve muito a essa lógica viralizante que depende de tornar tudo em algo surpreendente.

Quando se ataca o Marco Civil, em geral, o que se pretende é afirmar que as plataformas estavam impedidas de bloquear os conteúdos mentirosos e desinformativos. Logo, a lei deve exigir que a desinformação seja contida pelas plataformas. Desse modo, agora daremos às Big Techs o poder legal de dizer o que é e o que não é desinformação. Tal como no escândalo da Cambrigde Analityca, a solução proposta ao Facebook concentrou ainda mais poder na direção da empresa e não reduziu em nada o processo de desinformação – como demonstrou Frances Haugen, ex-gerente de produtos da rede social.

Na segunda quinzena de março de 2023, quem entrasse no canal do Democracy Now no Youtube se depararia com um aviso: “A comunidade do YouTube identificou o seguinte conteúdo como impróprio ou ofensivo para alguns públicos”. O vídeo considerado impróprio era uma reportagem sobre Julian Assange, líder do Wikileaks que denunciou os crimes de guerra dos Estados Unidos. O mesmo Youtube bloqueou a visualização dos conteúdos do podcast Tecnopolítica em doze episódios. Em nenhum desses casos existia desinformação ou discurso de ódio, mas os gestores da plataforma acharam por bem efetivar a redução de visualizações e o bloqueio de conteúdos. Curiosamente, isso não é realizado nos canais da extrema direita, nem mesmo no canal do ex-deputado Mamãe Falei. Para o Youtube esses canais não violam suas regras.

A regulação necessária das plataformas não deveria aumentar o seu poder arbitrário sobre os conteúdos. Precisamos de uma lei que reduza esse poder e as coloque sob o controle das democracias. A regulação exige a necessária informação sobre os dados por elas coletados, os cruzamentos realizados e os objetivos dos sistemas algorítmicos que utilizam. Os termos de uso e políticas de privacidade que expõem não são suficientes para que as democracias e as sociedades tenham informações básicas em suas operações sobre o comportamento social.

Plataformas de relacionamento social não são sites, nem blogs. Elas se colocam como espaços públicos não vinculados a nenhuma opção cultural, partidária, religiosa ou mercantil. Fazem isso para atrair todos os públicos e poder atingi-los com publicidade e marketing. Nessa condição, as plataformas devem estar submetidas a fiscalização democrática.

Como o gerenciamento imediato das plataformas é realizado por sistemas algorítmicos de aprendizado de máquina, é imprescindível a avaliação de impacto do tratamento de dados que realizam. No mínimo, as finalidades dos modelos que criam devem ser expostas nitidamente, sem dubiedades e eufemismos, para quem está sendo por eles modulados. Os termos de uso e as políticas de privacidade das plataformas são demasiadamente genéricas e não permitem saber se estão praticando uma coleta e tratamento excessivos, discriminatórios e inadequados de dados. Tal como os europeus estão criando um Conselho de Inteligência Artificial composto por especialistas em IA, representantes da sociedade civil, do governo e do mercado, a regulação das plataformas, dada a sua complexidade deveria avançar na formação de uma estrutura democrática e multissetorial de aplicação de regras sobre essas empresas de modulação social.

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sexta-feira, 21 de abril de 2023

Convite - Aula Magna "Transformação do Estado para cidadania e desenvolvimento" - 24.04.23 às 14:00

Caros Leitores,


Os Estados modernos vem enfrentando diversos obstáculos sociais em termos de preservação da democracia e desenvolvimento econômico sustentável em seus territórios. 


Diante desse cenário, torna-se relevante trazer ao debate quais as principais diretrizes que podem ser abordadas com o intuito de garantir um sistema político-social democrático e capaz de garantir a proteção social a toda população.


A fim de fomentar a discussão sobre esse tema, trazemos nesta semana um convite para a Aula Magna: "Transformação do Estado para cidadania e desenvolvimento", que será ministrada pela Profa. Esther Dweck - Ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do Brasil - evento online organizado pelo Instituto de Economia da Unicamp, que será realizado no dia 24 de abril, às 14:00h.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.


Acesse aqui


terça-feira, 18 de abril de 2023

Por que o Brasil tem os juros mais altos do mundo?

 

Caros Leitores,


O fato do Brasil possuir altas taxas de juros em comparação a diversos outros países é fonte de estudo de economistas, em função de seu interesse em compreender os motivos pelos quais esse fenômeno ocorre.


Para discutir esse tema, trazemos uma notícia que associa as intersecções entre o poder político e econômico, e a forma pela qual esse processo acaba se refletindo na elevação da taxa de juros, de modo a garantir altas receitas em dois dos principais mercados brasileiros - o obrigacionista e o de crédito.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.


Em carta enviada a Lula em novembro de 2022, cinco grandes economistas comentaram sobre o principal conflito político e econômico que o país vive atualmente: “No Brasil, a verdadeira luta de classes não é entre capital e trabalho, mas entre capital financeiro, de um lado, e os trabalhadores e o capital produtivo, do outro. Esse é o conflito de classe que Vossa Excelência [Lula] deverá arbitrar a partir do dia 01 de janeiro de 2023.”

Compreender esse conflito é essencial, e é papel do mundo científico elucidar todos sobre como ele se desdobra em temas geralmente complexos do mundo econômico, como a política monetária. A notícia boa é que, recentemente, a heterodoxia econômica brasileira parece ter alcançado uma interpretação fidedigna, que finalmente desvenda os principais mecanismos rentistas operados pelo mercado financeiro nacional.

Mais especificamente, dados confirmaram que, no Brasil, uma coalizão financeira usa seu poder político e econômico para elevar juros e garantir altíssimas receitas em dois importantes mercados, o obrigacionista, no qual se negociam títulos públicos, e o de crédito. Por meio da criação de canais-rentistas, a coalizão controla os mercados e expropria a renda de empresários e trabalhadores para si.

A coalizão de classe financeiro-rentista


A interpretação foi proposta pelo economista Bresser-Pereira em 2018, quem cunhou o termo “coalizão de classe financeiro-rentista” para abarcar as estranhas jabuticabas que só acontecem no Brasil. A primeira pergunta a ser respondida era: como explicar a altíssima taxa Selic? Para dar noção de como destoamos da realidade internacional, a taxa Selic não é apenas a mais alta do mundo, na média, mas frequentemente é disparadamente a mais alta. Em agosto de 2022, por exemplo, a Selic estava, em termos reais, mais de duas vezes acima da taxa de juros praticada pelo segundo colocado, o México, de acordo com o ranking que inclui os principais países desenvolvidos e em desenvolvimento. Já não bastasse a altíssima taxa Selic fazer do Brasil uma exceção mundial no mercado obrigacionista, o país também é líder mundial de juros no mercado de crédito.

A verdade é que os altíssimos juros brasileiros, e os exorbitantes lucros bancários decorrente deles, não provêm de mercados competitivos. Quem investiga crítica e empiricamente o que acontece no sistema financeiro brasileiro logo percebe que corrupções institucionais e preços monopolistas são a regra: no mercado obrigacionista, a coalizão corrompeu o Estado para manter a taxa Selic desproporcionalmente alta; já no mercado de crédito, cobra caro usando seu poder monopolista. Importante apontar aqui, portanto, a hipocrisia entre prática e discurso das instituições financeiras brasileiras: defendem “menos Estado na economia e responsabilidade fiscal”, porém, crescem a dívida pública em prol de receitas rentistas; afirmam ser a favor da “competição de mercado”, mas beneficiam-se de precificações e estruturas monopolistas.

Ao colocar o Brasil na primeira posição dos juros reais mundiais, o mercado financeiro criou o maior esquema de transferência de renda da história do país. De acordo com estudo do economista Miguel Bruno, entre 1995 e 2005, os fluxos de juros recebidos anualmente pelo sistema bancário-financeiro foi de cerca de 29,4% do PIB. Desse valor, 22,2% foi a parcela retirada pelos detentores de capital, tais como famílias e empresas não financeiras, enquanto 7,2% correspondem à parcela efetivamente retida pelo sistema bancário-financeiro.

Como a coalizão apropria tamanho montante da renda nacional?


São ao todo seis canais-rentistas que, juntos, institucionalizaram no Brasil um bolsa-rentismo. Dos seis canais-rentistas, destacam-se quatro operados de maneira mais direta pela coalizão: três que operam no mercado obrigacionista, e um no mercado de crédito. Importante acrescentar que os canais são jabuticabas nacionais, ou seja, uma particularidade brasileira, que transformaram o país num atípico caso de financeirização usurária.

O primeiro canal opera influenciando a emissão de títulos pelo Tesouro Nacional, garantindo que as emissões sejam feitas segundo o objetivo de proteger o setor financeiro de riscos econômicos. Mais especificamente, no Brasil, a impressão dos três principais títulos (indexados à Selic, indexados ao IPCA e prefixados) protege o sistema financeiro dos diversos contextos macroeconômicos: em momento de crise inflacionária, aumenta a emissão de títulos indexados ao IPCA; em momentos de instabilidade econômica, aumenta os indexados à Selic; e apenas em momentos de forte estabilidade econômica emite-se mais títulos prefixados.

O segundo canal oportuniza a influência do sistema financeiro na taxa Selic, buscando mantê-la elevada. Estudos confirmam que o relatório Focus, o qual apura as previsões do mercado financeiro sobre diversos indicadores econômicos, é um bom preditor da taxa de juros decidida pelo Banco Central do Brasil (BCB). Ou seja, por meio do relatório Focus, instituições financeiras estão influenciando a decisão do BCB, desvirtuando-o de seu papel democrático.

O terceiro canal é a indexação financeira. Diferentemente de outros países, a maior parte dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional são indexados ao invés de prefixados, o que, por sua vez, obstrui a condução da política monetária nacional, deixando-a disfuncional. Esse é um problema reconhecido, inclusive, pela ortodoxia econômica. Faltou, porém, que o debate econômico escancarasse que o agente responsável pela obstrução da transmissão da política monetária foi a coalizão financeiro-rentista, que tinha por objetivo crescer retornos, independentemente se à custa do bom funcionamento da política monetária. Em sentido histórico-institucional, grande parte da dívida pública atrelada à taxa de juros de curtíssimo prazo é uma herança do período de alta inflação, que graças à pressão de nossa elite, continua salvaguardando agentes superavitários.

O quarto canal opera no mercado de crédito e sustenta as receitas das instituições bancárias quando a taxa Selic cai, ou seja, quando os três primeiros canais se tornam incapazes de manter altos os retornos relacionados aos títulos da dívida pública no mercado obrigacionista. Mais especificamente, estudos confirmam que, no Brasil, a receita provinda do spread de crédito cresce compensando a queda da Selic e das receitas relacionadas aos Títulos de Valores Mobiliários (TVM), corroborando a interpretação de que bancos estão usando seu poder monopolista no mercado de crédito para compensar as perdas no mercado obrigacionista em momentos de Selic baixa.

O período entre 2016 e 2020 é paradigmático nesse sentido: a taxa Selic alcançou seu menor valor histórico (-2,5%, em termos reais, no ano de 2020) e, diferentemente do esperado, os menores custos de captação não foram repassados pelas instituições bancárias brasileiras. Pelo contrário, dados confirmam que a receita de spread de crédito cresceu drasticamente e segundo uma lógica rentista de “compensação de receitas”. Em outras palavras, bancos simplesmente usaram o quarto canal para manter os lucros elevados, direcionando o ônus da crise econômica nos consumidores de crédito.

Lições do framework para a formulações de políticas públicas: o que os canais-rentistas nos ensinam?


Primeiro, que a batalha de Lula em prol de uma taxa Selic mais baixa é extremamente importante e legítima: são interesses rentistas que explicam os altos juros praticados no Brasil. Como visto, por meio de quatro canais, a coalizão financeiro-rentista criou a maior política de transferência de renda do Brasil. Um verdadeiro bolsa-rentismo, que transfere a renda de empresários e trabalhadores para a parcela rentista da sociedade, que nada produziu.

Segundo, que a autonomia do BCB deve ser pensada em dois termos: o BCB precisa ser autônomo em relação ao governo e em relação ao mercado financeiro. No caso brasileiro, a captura regulatória foi feita pelo último, o mercado financeiro, como corretamente aponta o economista André Roncaglia em artigo publicado no dia 9 de fevereiro de 2023 na Folha de SP, intitulado “A abusiva autonomia do banco central”.

Terceiro, que apenas reduzir a taxa Selic não resolve o problema: a existência do quarto canal, que aumenta a receita do spread de crédito para compensar a queda da taxa Selic, demonstra que é preciso fazer uma intervenção dupla, nos mercados obrigacionista e de crédito, simultaneamente. É preciso reduzir a Selic e, ao mesmo tempo, usar os bancos públicos para trazer os juros praticados no mercado de crédito brasileiro a patamares semelhantes aos de outros países em desenvolvimento.

Quarto, que o dilema é estrutural: a formação histórica de uma hegemonia financeira reforça a necessidade de repensar as instituições monetárias a partir de uma lente democrática. Impedir retrocessos requer a criação de um órgão regulador dos juros brasileiros. Um órgão que, em linhas gerais:

i-garanta a dupla independência do BCB, impedindo que a taxa Selic fique estruturalmente fora da realidade internacional, comparando-a e mantendo-a próxima à de outros países que apresentam realidade macroeconômica e risco-país semelhantes aos do Brasil;

ii-se responsabilize por criar limites tarifários no mercado de crédito. Como faz, por exemplo, a Financial Conduct Authority (FCA) na Inglaterra, ao não permitir que diversos tipos de linhas de crédito ultrapassem uma cobrança total acima de 100% do valor inicialmente emprestado, impedindo que dívidas aumentem de maneira descontrolada.

iii-tenha o direito legal de fazer intervenção via bancos públicos, ampliando e corrigindo quaisquer linhas de crédito que continuem apresentando precificações monopolistas.

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terça-feira, 11 de abril de 2023

Convite - Brasil-EUA-China: perspectivas para o relacionamento triangular - 13.04.23 às 18:00

 

Caros Leitores,


Diante da configuração contemporânea das relações político-econômicas entre Brasil, China e Estados-Unidos, torna-se relevante trazer ao debate como essas interações vêm se delineando no cenário geopolítico atual.


A fim de incentivar a discussão sobre o tema, trazemos nesta semana um convite para o Evento online: "Brasil-EUA-China: perspectivas para o relacionamento triangular", organizado pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), que será realizado no dia 13 de abril, às 18:00.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

O Brasil pode sofisticar sua relação econômica com a China?

Caros Leitores,


Diante do fortalecimento das relações comerciais entre Brasil e China, especialistas sobre o tema apontam para estratégias voltadas ao incentivo de acordos sustentáveis entre esses países e seus principais benefícios. 


Essa abordagem permite compreender de que modo estas negociações reduziriam a dependência econômica de determinados nichos ligados à exportação de commodities e estimulariam o avanço de outras frentes setoriais de comércio - contemplando também infra-estrutura, tecnologia e sustentabilidade - na agenda de negociações entre esses países.


Para apresentar essa discussão, trazemos nesta semana uma notícia que apresenta possíveis oportunidades advindas da ampliação e sofisticação dos vínculos econômicos e parcerias comerciais entre Brasil e China.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.


O Brasil precisa ser pragmático e sofisticar a relação econômica com a China do ponto de vista comercial e de investimentos. Esta é a visão de especialistas que acompanham de perto a relação bilateral.


Em paralelo, precisará se equilibrar no balanço de oportunidades e riscos nos acordos com o parceiro asiático, que já compra 27% de tudo o que o Brasil exporta, respondeu por quase metade do superávit comercial de US$ 62,3 bilhões em 2022 e tem estoque de capital investido no país de US$ 70 bilhões (2007 a 2021), em variados setores.


O ex-secretário de Comércio Exterior do país, Welber Barral, sócio da BMJ Consultores, alinha três eixos de potencial interesse brasileiro. O primeiro é o aumento da renda nos países asiáticos, China inclusa, que impulsiona a demanda por commodities alimentares. A segunda, o surgimento de nichos de mercado em que o Brasil não atua e que podem ser atendidos por exportadores brasileiros, em razão da expansão da classe média chinesa. E, por fim, a área de investimentos.


"A grande verdade é que a China conseguiu ter um crescimento importante, por exemplo, em linhas de transmissão, mas tem muita coisa de infraestrutura onde o investimento chinês pode ser importante, desde o saneamento até energia no Brasil", explica Barral.

Exportações brasileiras dependentes da China


No contraponto dos riscos, ele aponta a potencial dependência do mercado chinês para as exportações brasileiras e diz que o Brasil deveria diversificar suas exportações.


O patamar da concentração das exportações para a China supera a de todos os principais parceiros do Brasil, segundo estudo conjunto do CEBC, Ipea e Cepal (Comissão Econômica para a América Latina). Esta concentração só fez crescer entre 2012 e 2021: os dez principais produtos respondem da ordem de 90% do que foi exportado para o país asiático no período.


Outro risco, prossegue Barral, é o embate ideológico entre China e os Estados Unidos e como o Brasil vai se posicionar.


"Nós vimos isso na questão do 5G, em que o Brasil conseguiu ficar em cima do muro. Provavelmente vamos ter outras situações de maior embate", prevê o especialista.


O edital do 5G no país criou uma rede privada para o governo, da qual a empresa de tecnologia Huawei não vai poder participar. Outro ponto de atenção é o direcionamento do governo chinês sobre as empresas. "Quando a relação bilateral é boa, os investimentos crescem. Mas quando houve uma relação diplomática não tão boa, como no governo anterior, foi visível a redução de investimentos. Qualquer estremecimento na relação bilateral acaba dificultando a relação econômica", acrescenta Barral – segundo ele, como ocorreu nos últimos anos.


O pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marco Aurélio Mendonça avalia que investimento focado em infraestrutura é uma possibilidade para o Brasil – e provavelmente a China teria interesse. Mas indica que não deve haver preferência por investimento de um país específico. "O que interessa é o desenvolvimento, geração de emprego e dinamização da economia", diz.


Sobre eventuais riscos na parceria, comenta: "O Brasil é tão distante da China, não faz muito sentido se preocupar com ataque cibernético chinês ou algo do tipo. Mas é claro que em termos de relações internacionais uns países espionam aos outros."


A impossibilidade da visita presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, por motivo de saúde, joga mais para frente a definição de novos acordos bilaterais. Encontros empresariais foram mantidos. Autoridades brasileiras, como o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito, seguem na China. Nesta quarta-feira (29.03), a ex-presidente Dilma Rousseff tomou posse na presidência executiva do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) realizou evento com empresários dos dois países e investidores chineses.


Para analistas, o atraso da visita presidencial abre espaço para o Brasil preparar melhor a viagem. "Pode ser uma oportunidade. Essa viagem não pode ser desperdiçada, precisa estar muito bem planejada", avalia o coordenador do Núcleo de Estudos Brasil-China da FGV Direito Rio, Evandro Carvalho, professor em Direito Internacional na instituição.

Dificuldade de definir estratégia para a China


Enquanto a China tem a tradição de trabalhar com planos quinquenais para desenvolvimento econômico e social a médio prazo, o Brasil tem dificuldade de definir estratégia clara e perene para o relacionamento com o parceiro asiático, indicam especialistas.


"É também uma oportunidade de colocar na pauta a possibilidade de termos uma relação econômica mais sofisticada com a China, com maior atração de investimentos para o Brasil, diversificação das nossas exportações e mais projetos conjuntos na área de tecnologia", diz o diretor de Conteúdo e Pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), Tulio Cariello. Ele avalia que há expectativas de acordos e novos projetos nos setores de energia, mineração e do agronegócio, além da área da sustentabilidade, ponto central do desenvolvimento da China.


Os números chineses são superlativos. O Produto Interno Bruto (PIB) soma US$ 18 trilhões e cresceu 6,4% ano passado, mais do que o dobro da expansão brasileira (2,9%). O PIB brasileiro é praticamente um décimo do chinês, equivalente a US$ 1,9 trilhão. Enquanto a taxa de investimento brasileira como proporção do PIB variou de 16,4% a 18,2% trimestralmente entre 2020 e 2022, o mesmo indicador chinês gira na casa dos 40%, mais precisamente 42% em 2022. A taxa de investimento determina a capacidade suportar crescimentos mais sustentáveis.

Vital para a economia brasileira


Mas o que explica a influência e protagonismo econômico da China hoje no Brasil? O estoque de capital investido e seu peso nas exportações são parte do motivo para essa importância. "Do ponto de vista comercial, a China é vital para a economia brasileira", afirma o diretor do CEBC. Ele explica que o parceiro asiático é principal destino de metade dos dez produtos mais exportados pelo Brasil, como soja, minério de ferro, carnes e petróleo. Em 2022, a China absorveu metade das exportações do agronegócio brasileiro.


"Persiste um desequilíbrio nas relações comerciais, já que nossas exportações para lá têm uma concentração de 74% em extrativismo e agricultura, enquanto os produtos comprados da China são quase que exclusivamente da indústria da transformação", informa Cariello.


Do ponto de vista dos investimentos diretos chineses no Brasil, eles foram principalmente em energia elétrica e petróleo, mas também em projetos como indústria manufatureira, tecnologia da informação, agricultura, infraestrutura e setor financeiro.

Direitos humanos fora do debate?


Nesse cenário, a geopolítica entra cena como pano de fundo da relação bilateral. O pesquisador associado ao Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG, questiona até que ponto a reaproximação entre os dois países levará a um rearranjo geopolítico. "Tenho alguma preocupação de um movimento pendular, ir para outro lado e a percepção de alinhamento excessivo com o bloco China-Rússia, em contraposição ao bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos. É um receio, mas não considero cenário central", pondera, ressaltando que a postura brasileira reforça a neutralidade geopolítica.


Outro tema, sensível à China, na perspectiva internacional, é a questão social, embora aparentemente fora do foco. "O tema de direitos humanos me parece absolutamente fora do debate. A gestão anterior tinha postura anti-China, que parecia excessivamente alinhado à administração Donald Trump. O grande mérito nessa viagem é botar o Brasil de volta no jogo. E esse jogo, dada a importância chinesa como recebedora de nossos produtos e potencial investidor no Brasil, passa necessariamente pela pauta econômica", analisa o pesquisador.


Em outubro passado, a China ganhou votação na Organização das Nações Unidas (ONU) que impediu debate sobre suposta violação dos direitos humanos no país asiático. Dezessete países votaram contra a China, vitoriosa com 19 votos. O Brasil se absteve de votar, junto a outros dez países, dentre eles os latino-americanos Argentina e México. O Paraguai votou a favor do agendamento do debate. Bolívia, Cuba e Venezuela decidiram favoravelmente à posição chinesa.

Como a China ganhou protagonismo no Brasil?


O avanço do protagonismo econômico chinês no Brasil vem, em especial, desde 2000, quando o país ingressa na Organização Mundial do Comércio (OMC) e passa a grande parceiro comercial no mundo. Em 2008, conquistou mais espaço global com a crise do mercado imobiliário americano.


No Brasil, torna-se principal destino das exportações em 2009, desbancando os Estados Unidos, para ultrapassar também a União Europeia em 2013. Em meados da década de 2000, o forte aumento dos investimentos chineses no exterior encontrou "solo fértil" no Brasil, resume o diretor do CEBC.


"Lidar com a China envolve dinâmicas de cooperação e competição, com complementaridades e assimetrias que remetem o Brasil à necessidade de repensar seu próprio caminho de desenvolvimento. A China desponta cada vez menos como competidora e ameaça e cada vez mais como referência e oportunidade, inclusive de como a ação governamental concertada pode estimular a transformação estrutural e a diversificação econômica", registra o estudo Bases para uma Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China, elaborado pela diplomata Tatiana Rosito.


O documento, feito há dois anos, reflete os desafios atuais. "Por suas particularidades, relacionar-se com a China demanda dedicação, paciência e esforços que requerem estratégia de longo prazo. O Brasil também tem muito a oferecer à China e isso é parte importante de uma estratégia", complementa a diplomata em seu estudo.


"A agenda brasileira é grande e complexa. Mas do ponto de vista de grandes projetos com grande impacto, o que vai surgir? Não sabemos ainda", diz Evandro Carvalho, destacando que Lula tem gosto pessoal pela diplomacia presidencial, o que poderá ajudar, quando a viagem acontecer: o governo brasileiro negocia atualmente com Pequim uma data entre 11 e 14 de abril.

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terça-feira, 4 de abril de 2023

Economia verde e Rússia serão desafios para Dilma no Banco do Brics

Caros Leitores,


A partir de Abril, a ex-presidenta Dilma Rousseff assumirá a função de coordenar o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), também conhecido como Banco dos BRICS - bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 


Nesta conjuntura, trazemos nesta semana uma notícia que analisa esse quadro diante das oportunidades de ampliar a inserção internacional no Banco, bem como os desafios que tangenciam a expansão do financiamento de projetos ligados ao meio ambiente. 


Diante das idiossincrasias do contexto geopolítico atual, envolvendo o cenário de retaliações ocidentais à Rússia, se colocam na mesa de negociações desafios que a nova presidência do Banco poderá encontrar durante sua gestão.


Esperamos que gostem e compartilhem! 


Fernanda Lima é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito.


Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegar a Xangai, na etapa final da viagem à China, será recebido por uma velha conhecida. A essa altura, a ex-presidenta Dilma Rousseff estará no comando do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em em inglês), nome oficial do Banco do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Com US$ 32 bilhões em projetos aprovados desde 2015, o banco atualmente investe US$ 4 bilhões no Brasil, principalmente em rodovias e portos.


Previsto para ocorrer entre 29 e 31 de março, o encontro com Lula em Xangai, onde fica a sede do NDB, deverá ser marcado pela posse oficial de Dilma no banco que ela própria ajudou a fundar, em 2014. Segundo especialistas ouvidos pela Agência Brasil, a nova comandante da instituição tem a oportunidade de ampliar a inserção internacional no banco, mas terá dois grandes desafios: impulsionar projetos ligados ao meio ambiente e driblar o impacto geopolítico das retaliações ocidentais à Rússia, um dos sócios-fundadores.


Em relação à economia verde, o principal desafio de Dilma, que enfrentou conflitos com a área ambiental do governo nos dois mandatos de Lula, não será a adaptação às novas exigências ambientais dos projetos de infraestrutura. Na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas (COP-27), no Egito, o NDB assumiu o compromisso de aumentar o financiamento a projetos ambientalmente sustentáveis, mas o sucesso dessa missão depende da vontade da China e da Rússia e injetarem dinheiro nesse tipo de empreendimento.


“Nesse ponto, vai depender mais de quem coloca o dinheiro e financia os projetos, principalmente a Rússia e a China, que não têm esse perfil ambientalista, decidir colocar valores em projetos mais ambientais. A adaptação da Dilma ao perfil de economia verde é o menor dos problemas”, diz Carla Beni, economista e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo. Ela, no entanto, lembra que a China pode usar o banco para suavizar a imagem de grande emissor de carbono e financiar esses projetos.


Articulação


Doutor em relações internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Associação Portuguesa de Ciência Política, o economista Igor Lucena concorda. Para ele, a articulação entre os países-membros do Banco do Brics será importante para que os sócios apresentem projetos de sustentabilidade verde no médio e no longo prazo.


“A gente sabe que esses projetos não são simples, demoram para emplacar, como o hidrogênio verde no Ceará, mas são projetos importantes e que pode ser para a presidente Dilma um legado e uma marca da sua gestão dentro do banco. Então, isso vai ter que ser feito em parceria com os países-membros e, talvez, colocar como requisito para os novos países que querem entrar no banco a possibilidade e a necessidade de investir capital dentro desse projeto verde”, sugere.


Rússia


Outro desafio que Dilma terá de enfrentar no comando do NDB será a resistência dos países ocidentais em relação à Rússia. Segundo Lucena, as sanções por causa da guerra na Ucrânia estão impedindo o banco de emitir títulos no mercado financeiro europeu e norte-americano. A nova presidenta da instituição terá de encontrar opções para captar recursos fora do Brics.


“Haverá uma maior necessidade de a presidente Dilma articular com países não atrelados às sanções contra a Rússia para que o banco possa emitir títulos, dívida em estados e regiões que sejam capazes de absorver esses papéis e dar capilaridade de finaciamento ao banco. Talvez esse seja o maior desafio da ex-presidente Dilma dentro do Brics: a situação internacional da Rússia e como isso impacta dentro do próprio banco”, diz Lucena.


Carla Beni reconhece as dificuldades trazidas pela guerra na Ucrânia e pela alta nos juros internacionais, mas diz que Dilma tem um elemento a seu favor: a restauração da imagem do Brasil no exterior após a posse de Lula. “A gestão de Dilma pode melhorar a imagem e a relevância do banco e isso fortalece a posição, porque o governo anunciou e está deixando bem claro que quer fortalecer a aliança do Brasil com o mundo. O presidente Lula abriu o governo dizendo que o Brasil voltou à mesa de negociações”, explica.


Experiência


Outro elemento importante apontado pelos dois especialistas está no próprio currículo da nova comandante do NDB. Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping, comandavam os países quando Dilma era presidenta da República. Isso, segundo eles, dá traquejo político à Dilma.


“Um ex-presidente [de um país], seja ele quem for, tem relevância porque tem acesso a outros chefes de Estado. Para o próprio banco, a indicação da Dilma teve uma sinalização positiva. Tem um detalhe a que as pessoas não se atentam muito. A Dilma foi uma das fundadoras do Banco do Brics em 2014, então ela tem uma representação interna lá dentro e um trânsito muito bem visto sob a ótica do banco”, relembra Beni.


“Dilma tem dois pontos fundamentais que podem marcar sua gestão. Primeiro, há uma disposição muito maior da China em avançar com o NDB, mas também de trazer novos sócios ao banco. Ou seja, a possibilidade de novos recursos entrarem no banco e isso também alavancar também a capacidade das empresas brasileiras, o que é um fator positivo”,


Troca de poder


No último dia 10, o banco comunicou oficialmente que o atual presidente, o brasileiro Marcos Troyjo, deixará a instituição em 24 de março. Secretário especial de Comércio Exterior e Relações Internacionais do antigo Ministério da Economia, Troyjo ocupava a presidência do NDB desde julho de 2020. Segundo o comunicado oficial, a sucessão foi mutuamente acordada com o atual governo e obedece à governança e aos procedimentos da instituição.


Dilma presidirá o banco até julho de 2025, quando acaba o mandato rotativo entre os países fundadores da instituição financeira. Após o presidente Lula tomar posse, o governo articulou a troca de poder, consultando todos os sócios. Na próxima sexta-feira (24), no mesmo dia em que Troyjo deixa o cargo, Dilma será eleita formalmente para assumir o posto em Xangai, mas uma cerimônia oficial de posse está prevista durante a viagem de Lula à China.


No comunicado emitido no último dia 10, o NDB enumerou conquistas na gestão de Troyjo, como a ampliação da carteira de crédito para US$ 32 bilhões que financiam quase 100 projetos e a melhoria da nota do banco pelas agências de risco, com nota AA+ para operações de longo prazo. Essa classificação é mais alta que a dos quatro principais bancos norte-americanos.

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