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domingo, 29 de janeiro de 2023

Uma ladainha sem fim e uma pequena história exemplar - por José Luís Fiori


Caros leitores,

Muito se lê hoje acerca da necessidade do Estado brasileiro adotar uma posição de "equilíbrio fiscal", sob o prisma de contenção das contas públicas para a garantia da credibilidade. Para muito além da antiguidade do debate, que é variável de acordo com a corrente ideológica e a própria percepção do indivíduo sobre a vida em sociedade, essa cobrança nem sempre acaba sendo a saída mais adequada ao caso concreto.

Diante disso, trazemos hoje um texto do professor emérito de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) José Luis Fiori, em que traça uma profunda contextualização histórica do que seria equilíbrio fiscal e as diferentes nuances que o conceito recebe ao passar dos séculos, demonstra ainda casos práticos em que a pretensa adoção desse acabou sendo motivo de derrocada de nações, destacando a necessidade de observação do todo em face de pequenos fatores.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

O debate econômico sobre a questão do “equilíbrio fiscal” é tão antigo e tão repetitivo que às vezes lembra uma polifonia medieval, em que as vozes se alternam repetindo as mesmas frases e os mesmos acordes infinitas vezes, como se fosse um mantra, ou uma “ladainha sem fim”. O fraseado pode mudar através do tempo, mas a essência dos argumentos é sempre a mesma, há mais de 200 anos. Seja pelo lado dos liberais ou monetaristas, que defendem o imperativo absoluto do “equilíbrio fiscal”, seja pelo lado dos desenvolvimentistas ou keynesianos, que consideram que o crescimento econômico exige políticas fiscais menos rígidas e mais expansionistas.

Apesar de longevo, este debate nunca teve nem terá uma conclusão clara e definitiva, simplesmente porque não se trata de uma divergência acadêmica, ou puramente científica, e envolve sempre os interesses de “agentes econômicos” e classes sociais que são muitas vezes antagônicos e excludentes. Além disso, para confundir ainda mais a discussão, constata-se através da história que, em distintas circunstâncias, as mesmas políticas econômicas podem ter resultados completamente diferentes, dependendo do poder e do grau de soberania de cada governo.

Poucos são os economistas que conseguem reconhecer e aceitar que este nunca foi um debate teórico, e que no campo da política econômica não existem verdades absolutas. Pelo contrário, qualquer decisão que seja tomada envolverá sempre uma arbitragem política, que deverá ser feita em função dos objetivos estratégicos e dos interesses particulares que cada governo se proponha defender ou priorizar. Basta olhar para o caso do governo brasileiro atual, paramilitar e ultraliberal, que foi apoiado incondicionalmente pelo mercado financeiro e por seus economistas “ortodoxos” que nunca se alarmaram ou protestaram quando o governo ultrapassou seu próprio “teto fiscal” em mais de 700 bilhões de reais. Bem diferente do comportamento alarmista que adotaram recentemente frente às primeiras medidas sociais anunciadas pelo governo progressista que acabou de ser eleito, e cujo custo não chega aos pés da “gastança eleitoral” apoiada pelos militares, pelos seus economistas e por todo o mercado financeiro.

No Brasil, essa “polifonia inconclusa” começou já na segunda metade do século XIX, com a oposição entre os “metalistas” e os “papelistas”, e suas diferentes visões a respeito do gasto público e da “neutralidade da moeda”. Uma divergência que se prolongou durante todo o século XX, colocando de um lado os monetaristas, ortodoxos, ou liberais, como Eugenio Gudin, Roberto Campos e seus discípulos; e do outro, os estruturalistas, keynesianos, ou desenvolvimentistas, como Roberto Simonsen, Celso Furtado e todos os seus discípulos, até nossos dias. Foi na vã tentativa de incorporar e conciliar os dois lados que Getúlio Vargas inaugurou uma solução prática que depois se tornou quase uma norma dos “governos desenvolvimentistas”, mesmo conservadores, colocando um “monetarista” ou “fiscalista ortodoxo” no Ministério da Fazenda, e um “desenvolvimentista” ou “gastador”, na presidência do BB, e depois de sua criação, no Ministério de Planejamento.

Essa disputa, entretanto, começou muito antes das agruras brasileiras. Não por acaso, a obra fundacional da Economia Política publicada por William Petty chamou-se “Tratado sobre impostos e contribuições”, e foi publicada em 1662 para dar conta dos desequilíbrios entre as “receitas” e as “responsabilidades fiscais” da Coroa Inglesa, envolvida naquele momento em várias guerras sucessivas com a Holanda, e logo em seguida, numa prolongada disputa militar com a França. E o mesmo se pode dizer a respeito da obra mais famosa de Adam Smith, “A riqueza das nações”, publicada em 1776, no momento exato em que a Grã-Bretanha enfrentava o problema da grande “perda fiscal” de sua principal colônia norte-americana.

Se recuarmos ainda mais no tempo, descobriremos que esta mesma questão ou disjuntiva se colocou para todos os grandes impérios ou poderes territoriais que se propuseram a aumentar sua produção de excedente econômico para poder expandir seus territórios. Senão vejamos, relendo de forma muito rápida um episódio da história chinesa, paradigmático e exemplar, que pode ajudar-nos a clarificar nosso argumento central sobre essa velha polêmica que volta a assombrar o cenário político brasileiro.  No século XIV, depois de um longo período de fragmentação territorial e guerras intestinas, a China viveu um grande processo de centralização do poder, sob a Dinastia Ming (1368-1644), que foi responsável pela reorganização do Estado chinês e por um verdadeiro renascimento de sua cultura e civilização milenar. Também foi responsável pelo início de um movimento expansivo da China em várias direções, para dentro e para fora de seu espaço geopolítico imediato, sobretudo durante o reinado do imperador Yung-Lo. Tudo isto até a morte do imperador em 1424, quando a China suspendeu suas expedições marítimas e todas as suas guerras de conquista continental. Uma mudança de rumo que permanece até hoje como uma das grandes incógnitas da história universal. É difícil de acreditar, mas essa mudança de rumo – verdadeiramente histórica – esteve associada, de uma forma ou de outra, a uma “disputa fiscal” parecida com as que se reproduzem até hoje em nosso ambiente econômico.

Para entender o que estamos dizendo, voltemos ao reinado de Yung-lo (1360-1423), que foi um dos imperadores chineses com maior visão estratégica e expansionista da China. Foi ele que concluiu as obras do Grande Canal, comunicando o Mar da China e a antiga capital, Nanquim, com a região mais pobre do norte do império, e decidiu construir uma nova capital, que veio a ser Pequim. Um gigantesco “projeto desenvolvimentista” que mobilizou e empregou, durante muitos anos, milhares de trabalhadores, artesãos, soldados e arquitetos chineses. Além disso, Yung-Lo estendeu a hegemonia chinesa – política, econômica e cultural – em todas as direções, através das fronteiras territoriais da China, e ainda na direção dos Mares do Sul, do Oceano Indico, do Golfo Pérsico e da Costa Africana. Foi durante seu reinado que o Almirante Cheng Ho liderou seis grandes expedições navais que chegaram até a costa da África, quando os portugueses estavam recém-chegando a Ceuta. Mas durante todo seu reinado, as políticas “desenvolvimentistas” do Imperador Yung-Lo enfrentaram a oposição acirrada da elite econômica chinesa liderada por seu próprio ministro da Fazenda, Hsia Yüan-Chi, defensor implacável do “equilíbrio fiscal”. Sem lograr uma conciliação, o imperador Yung-Lo mandou prender o ministro em 1421. Mas logo depois o imperador morreu numa batalha, e seu sucessor, o imperador Chu Kao-Chih, tirou o velho ministro da cadeia e o recolocou no ministério das Finanças, com poder total para suspender todas as obras e expedições de Yung-Lo, tudo em nome da necessidade de cortar os gastos para conter a inflação e manter a credibilidade do império. E foi assim que o Império Ming perdeu seu fôlego expansivo e fechou-se sobre si mesmo, caindo no isolamento quase total durante quase quatro séculos.

Não é possível afirmar que a vitória da posição “fiscalista” do ministro Hsia Yüan-Chi contra a posição “expansionista” do imperador Yung-Lo atrasou em 600 anos a expansão global da economia e da civilização chinesas. Mas pode-se dizer, com toda certeza, que a vitória política e imposição das ideias “contencionistas” do ministro das finanças da China durante o reinado do imperador Chu Kao-Chin mudaram radicalmente o rumo da história chinesa depois de 1424. Naquele momento, como disse um historiador inglês, “para levar à frente a estratégia ‘desenvolvimentista’ de Yung-Lo, teria sido necessária uma sucessão de líderes com sua mesma visão vigorosa e estratégica, a visão de um construtor de impérios que não teve seguidores”. 

Há duas principais lições, pelo menos, que podem ser extraídas dessa verdadeira “fábula chinesa”: a primeira é que toda e qualquer “escolha contencionista” de curto prazo envolve opções mais dramáticas e com consequências de longo prazo que podem afetar os caminhos futuros de um povo e até de uma civilização, como no caso chinês; e a segunda é que o sucesso de uma “escolha expansionista” depende quase inteiramente da existência de um governo e de um bloco de poder capazes de sustentar esta opção por um período prolongado de tempo, sempre orientados por uma “visão vigorosa e estratégica”, como diz o historiador inglês. Para avançar numa direção mais expansionista, o Brasil precisa de um governo com a disposição e o poder de transmitir à sociedade e aos seus “agentes econômicos” sua opção definitiva e incontornável pela conquista de uma sociedade mais justa e igualitária, mesmo enfrentando a resistência dos “operadores de mercado” (que, somados todos, não dão mais do que 1% da população brasileira, mesmo incluindo o pessoal do cafezinho e da limpeza de seus escritórios).

De uma vez por todas, há que se entender que essa pequena minoria afortunada da população não sente nenhum tipo de responsabilidade material ou moral pela “qualidade de vida” dos 30 a 40% dos brasileiros que passam fome e vivem na miséria ou na mais completa indigência. Na verdade, a maior parte da burguesia empresarial brasileira não necessita nem nunca necessitou aliar-se a seu próprio povo para obter sucesso com seus negócios e aumentar seus lucros privados, que crescem de forma geométrica mesmo nos períodos de baixo crescimento do PIB nacional. É como se existissem no Brasil dois universos paralelos e absolutamente incomunicáveis: num, vivem os pobres, os desempregados, os indigentes e os “condenados da terra” em geral; e no outro, vive uma burguesia muito satisfeita, sertaneja ou cosmopolita, mas ambas igualmente de costas para seu próprio povo.

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quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

3 lições que a América Latina pode aprender do salto econômico dos tigres asiáticos

Caros leitores,

Diante dos desafios econômicos enfrentados na América Latina nos últimos anos, surge uma busca cada vez mais enfática por caminhos que podem ser tomados para modificar o cenário e garantir um desenvolvimento regional, tomando-se como base possíveis experiências que se demonstraram bem-sucedidas.

Diante disso, trazemos hoje uma notícia que busca explorar as perspectivas de crescimento latino-americano, tendo como base o crescimento pungente dos chamados tigres asiáticos, buscando compreender a forma como estes cresceram e como podemos nos inspirar para o futuro.

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Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Impulsionados pela rápida industrialização com foco nas exportações, os chamados tigres asiáticos mantêm alto nível de crescimento econômico desde a década de 1960.

Com educação de qualidade para a população e grande superávit fiscal, Hong Kong, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan deixaram para trás seus altos níveis de pobreza após a Segunda Guerra Mundial e conseguiram inserir-se no panorama emergente da indústria tecnológica no momento certo. Hoje, os tigres asiáticos estão entre os países mais ricos do mundo.

É claro que as circunstâncias eram diferentes 70 anos atrás. Mas os especialistas afirmam que a América Latina pode aprender algumas das lições dos tigres asiáticos para traçar seu próprio caminho.

"As oportunidades são um alvo móvel que se altera à medida que se expande cada revolução tecnológica", segundo a acadêmica Carlota Pérez, do University College de Londres e da Universidade de Sussex, no Reino Unido. Ela é autora do livro Technological Revolutions and Financial Capital ("Revoluções tecnológicas e capital financeiro", em tradução livre).

Os tigres asiáticos, que viviam naquela época à sombra de governos totalitários, aproveitaram o momento da história em que o Ocidente forneceu a eles "apoio intensivo", como parte da Guerra Fria.

Estrategicamente, os Estados Unidos observaram naqueles territórios uma forma de ampliar sua influência e neutralizar a hegemonia de países como a China e a antiga União Soviética na região.

Mais de meio século se passou e a América Latina enfrenta outros desafios, além de uma encruzilhada histórica que está evoluindo abruptamente, causada pela pandemia de covid-19 e pela guerra na Ucrânia, em meio a uma mudança tecnológica que sobreveio com rapidez incontrolável.

O que a região pode aprender com os tigres asiáticos?

1. Aproveitar as revoluções tecnológicas

Para Pérez, "a oportunidade atual para a América Latina está no novo dinamismo tecnológico dos recursos naturais, na demanda global crescente e nas exigências da transição verde".

Deste ponto de vista, a chamada "maldição dos recursos naturais" que tornou a exportação de commodities um dos pilares fundamentais da região, poderia transformar-se em uma plataforma para a próxima revolução tecnológica. Ou seja, é preciso converter uma suposta maldição em uma vantagem comparativa adaptada às mudanças tecnológicas.

Atualmente, Hong Kong e Singapura estão entre os centros financeiros mais importantes do mundo. Já a Coreia do Sul e Taiwan são essenciais para a fabricação mundial de componentes eletrônicos e de automóveis, além de tecnologias da informação.

Mas a América Latina precisa seguir os mesmos passos? Os especialistas argumentam que não. O que o continente pode fazer é usar seus recursos naturais como ponto de partida para desenvolver tecnologias emergentes em áreas como a energia renovável, nanotecnologia, bioeletrônica ou novos materiais.

"Combinando recursos naturais com tecnologia e sustentabilidade socioambiental, é possível um projeto de desenvolvimento bem sucedido nesta década", segundo a pesquisadora. Com as circunstâncias atuais de baixo crescimento e alta inflação, aliadas ao pano de fundo da guerra na Ucrânia, especialistas advertem que, se a região não fizer mudanças profundas agora, pode encaminhar-se para outra "década perdida", como aconteceu nos anos 1980.

Essas mudanças profundas incluem transformar a estrutura de produção dos países com estreita colaboração entre o setor privado e o setor público. Agindo desta maneira, o trabalho poderá se desenvolver por décadas, além de gerar vontade política para elaborar planos de longo prazo que não dependam de cada um dos sucessivos governos.

É difícil? Sim, muito.

Com relação às novas oportunidades para a região, a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) propõe que os países se dediquem a desenvolver tecnologias de transição energética, eletromobilidade, bioeconomia ou indústria fabricante do setor de saúde.

2. Concentrar-se nas exportações

Diferentemente do que ocorreu na América Latina, que baseou grande parte do seu desenvolvimento na exportação de matéria-prima (com pouco ou nenhum valor agregado), a abertura dos tigres asiáticos para o mundo concentrou-se na exportação de produtos tecnológicos e na entrada de investimento direto do exterior.

Conhecida como industrialização voltada à exportação, esta estratégia fez com que as vendas para o exterior crescessem com o dobro da velocidade média dos países em desenvolvimento. Os tigres asiáticos também não permitiram que o câmbio se sobrevalorizasse e os exportadores tiveram acesso a subsídios e incentivos, como isenção de impostos, zonas de livre comércio e maior acesso a divisas.

"Eles sabiam desde o princípio que precisariam exportar seus produtos para os países desenvolvidos", comenta Takashi Kanatsu, professor de ciências políticas da Universidade Hofstra, em Nova York, nos Estados Unidos. "Os países latino-americanos deveriam concentrar-se nas exportações relacionadas à indústria de alta tecnologia."

Kanatsu acrescenta que um exemplo de sucesso na região é a Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica), que aproveitou as oportunidades tecnológicas da mesma forma que os tigres asiáticos.

Mas o desafio é gigantesco. Principalmente agora que a região começa a se recuperar das consequências da pandemia (que deixou altos níveis de dívida e déficit fiscal) e precisa enfrentar o golpe de uma crise econômica mundial em meio a uma onda inflacionária que aumentou as taxas de juros a seus níveis máximos históricos.

Com essas dificuldades, aliadas à polarização política em muitos países, a América Latina parece estar um pouco de mãos atadas no curto prazo.

"Quero ser otimista, mas tenho dúvidas de que as coisas estejam se movendo na direção certa", afirma Danny Leipziger, professor de negócios internacionais da Universidade George Washington, nos Estados Unidos. "Existem muitos governos menos dispostos a ser eficientes e mais interessados em programas populistas."

Com relação aos tigres asiáticos, Leipziger destaca a forma como eles se incorporaram ao comércio internacional. "Eles entraram em mercados desenvolvidos e, para isso, precisaram tornar-se competitivos." No caso latino-americano, mesmo com a proximidade dos Estados Unidos, ele acrescenta que os países "não parecem beneficiar-se tanto quanto poderiam com as suas exportações".

Para o professor, países como o Brasil e a Argentina estão menos voltados para as exportações quanto os asiáticos, pois têm um grande mercado doméstico ao qual dirigiram uma parte importante dos seus esforços. Já os tigres asiáticos, exatamente por não terem tantos recursos naturais, "assumiram desde o primeiro momento que o seu mercado era o sistema de comércio global", segundo Leipziger.

Como a América Latina pode sair desse labirinto? Leipziger afirma que, em uma economia global digitalizada dominada pelos serviços, cada país da região precisa encontrar sua vantagem competitiva.

Mas um passo fundamental em comum é que os países desenvolvam sua infraestrutura básica de portos, trens e rodovias para facilitar as exportações. Sem isso, será muito difícil que suas exportações se tornem competitivas.

Leipziger indica que um exemplo mais recente a ser considerado é o Vietnã, que conseguiu seus maiores avanços nos últimos 20 anos, "principalmente graças aos investimentos estrangeiros diretos e sua orientação exportadora. Se você tiver um celular Samsung, ele foi fabricado no Vietnã."

3. Educar para inovar

Um ponto bem sucedido entre os tigres asiáticos e, de forma geral, os países do leste da Ásia é a importância dedicada à educação para inovar. Eles deram prioridade à formação técnica como base para a inovação tecnológica, de forma similar ao modelo educativo japonês "Kosen", segundo o professor Takashi Kanatsu.

O Kosen é um sistema de educação formal criado em 1962, em um período de rápido crescimento econômico do Japão, para impulsionar as indústrias que o país queria desenvolver. Em vez de separar a educação secundária e a universitária, os alunos japoneses entram no sistema com 15 anos de idade e estudam até os 20. O foco é no estudo de ciências, tecnologia, engenharia e matemática - STEM, na sigla em inglês.

"Este tipo de sistema educativo é muito popular entre as empresas, pois os estudantes ingressam no mercado de trabalho depois que entraram em contato com os produtos do mundo real. Quando já aprenderam fazendo as coisas", explica Kanatsu.

Como o custo do sistema é menor do que enviar os adolescentes para a universidade depois do fim dos anos de escola, um modelo similar aplicado na América Latina poderia ajudar a continuar ampliando a classe média e impulsionar o desenvolvimento.

Uma advertência: salto econômico sem democracia

Uma peça essencial do quebra-cabeça é que o rápido desenvolvimento dos tigres asiáticos não ocorreu em sistemas políticos democráticos. "O salto econômico dos tigres asiáticos se deu sob governos controlados por um único partido ou regimes militares", afirma Kanatsu.

Mas é importante entender, segundo o pesquisador, que "esta não é uma condição, não é algo necessário para o desenvolvimento, como fizeram esses países". Ele argumenta que o Japão é um bom exemplo porque "a chave estava no consenso".

Por isso, a advertência de Kanatsu é que, "quando existe consenso em um país sobre como desenvolver-se, não é preciso sacrificar a democracia". A dificuldade, é claro, está em como chegar a esse consenso. Muitos pesquisadores criticaram o rígido regime aplicado pelos tigres asiáticos, devido ao "custo humano" causado pelo modelo de desenvolvimento.

Fala-se até do sacrifício de toda uma geração para que, hoje, aqueles países tenham um melhor padrão de vida. E, atualmente, a força de trabalho de muitas das nações do leste asiático está exausta, devido às grandes exigências de produção.

A Coreia do Sul, por exemplo, é um dos países onde as pessoas menos dormem no mundo. Existe alto consumo de antidepressivos e sua taxa de suicídios é a mais alta entre os países desenvolvidos.

O paradoxo é que as pessoas já não morrem de fome, mas muitos morrem devido aos custos de viver em um país rico. Por isso, muitos especialistas afirmam que vale a pena aprender com o que eles conseguiram de bom, mas também com o que eles fizeram de negativo.

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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Divulgação do Livro - Estado de exceção, populismos e a militarização da política na pandemia da COVID-19

Caros leitores,

É certo que a crise da COVID-19 trouxe consigo uma problemática acerca da necessidade de atuação mais enfática do Estado visando coibir a disseminação da doença, muitas vezes mediante utilização do aparato normativo estatal, ou até mesmo o uso da força, para imposição do confinamento e do isolamento social em nome da preservação da vida. Ao mesmo tempo, diante de um cenário de crescente militarização da política e da ascensão de lideranças populistas em países da América do Sul e da Europa, surge uma problemática acerca do uso deste aparato de modo a evitar abusos.

Diante disso, trazemos hoje a divulgação da Coletânea "Estado de exceção, populismos e a militarização da política na pandemia da COVID-19". Contendo trabalhos escritos em até 3 idiomas distintos, a obra, composta por artigos de especialistas nos temas, buscam analisar as nuances do populismo e do estado de exceção diante do momento extraordinário vivenciado nos últimos anos.

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Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

sábado, 14 de janeiro de 2023

Brasil: o aviso à navegação democrática - Por Boaventura de Sousa Santos

Caros leitores,

Com a transição de ano e de poder, e os acontecimentos de depredação na capital federal na semana seguinte, surge a necessidade de compreender os aprendizados e a forma como o Estado e as Instituições devem agir no intuito de assegurar o ambiente democrático em sua plenitude, e por consequência o Estado Democrático de Direito e a primazia da Constituição.

Diante disso, trazemos hoje uma análise de Boaventura de Sousa Santos, Diretor Emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador do Observatório Permanente da Justiça, acerca dos acontecimentos que marcam este início de ano e os caminhos possíveis para a superação deste cenário.

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Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

Ocorreu em Brasília no dia 8 deste mês, uma semana depois da tomada de posse do Presidente Lula da Silva, um acontecimento que só tomou de surpresa quem não quis ou não pôde informar-se sobre os seus preparativos amplamente difundidos nas redes sociais. A ocupação violenta dos edifícios do poder legislativo, executivo e judicial e dos espaços circundantes, bem como a depredação de bens públicos existentes nestes edifícios por parte de manifestantes de extrema-direita, configuram actos de terrorismo planeados e minuciosamente organizados pelos seus cabecilhas. Trata-se, pois, de um acontecimento que põe seriamente em causa a sobrevivência da democracia brasileira e que, pelo modo como ocorreu, pode amanhã ameaçar outras democracias no continente e no mundo. Convêm, pois, analisá-lo à luz da importância que tem. As características e as lições principais são as seguintes:

1. O movimento de extrema-direita é global e as suas ações a nível nacional beneficiam das experiências anti-democráticas estrangeiras e muitas vezes agem em aliança com elas. É conhecida a articulação da extrema-direita brasileira com a extrema-direita norte-americana.  O conhecido porta-voz desta, Steve Bannon, é amigo pessoal da família Bolsonaro e tem sido uma figura tutelar da extrema-direita brasileira desde 2013. Além das alianças, as experiências de um país servem de referência a outro país e constituem uma aprendizagem. A invasão da Praça dos Três Poderes em Brasília é um copia “melhorada” da invasão do Capitólio em Washington em 6 de Janeiro de 2020, aprendeu com esta e tentou fazer melhor. Foi organizada com mais detalhes, procurou trazer muito mais gente a Brasília, e utilizou várias estratégias para que a segurança pública democrática se sentisse tranquilizada de que nada anormal aconteceria. Os cabecilhas tinham por objectivo ocupar Brasília com pelo menos um milhão de pessoas, criar o caos e permanecer o tempo necessário para permitir a intervenção militar que pusesse fim às instituições democráticas.

2.Pretende-se fazer acreditar que se trata de movimentos espontâneos. Pelo contrário, são organizados e com capilaridade profunda na sociedade. No caso brasileiro, a invasão de Brasília foi organizada a partir de diferentes cidades e regiões do país e em cada uma delas havia cabecilhas identificados com número de telefone para poderem ser contactado pelos aderentes. A participação podia ter várias formas. Quem não pudesse viajar para Brasília, tinha missões a cumprir nos seus locais, bloqueando a circulação de combustíveis e do abastecimento dos supermercados. O objectivo era criar o caos pela carência de produtos essenciais. Alguns se lembrarão das greves de camionistas dos combustíveis que precipitaram a queda de Salvador Allende e o fim da democracia chilena em setembro de 1973. Por sua vez o caos em Brasília tinha objectivos precisos.  Foi invadida a sala de estratégia do Gabinete de Segurança Institucional, situada no porão do Palácio do Planalto, onde foram furtados documentos sigilosos e armamento ultra tecnológico, o que demonstra que havia treinamento e espionagem. Também foram encontradas cinco granadas no Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional.

3.Em países democráticos, a estratégia da extrema-direita assenta em dois pilares: (1) Investir fortemente nas redes sociais para ganhar as eleições com o objectivo de, se as ganhar, não usar o poder democraticamente nem sair do poder democraticamente. Foi assim com Donald Trump e com Jair Bolsosonaro enquanto presidentes. (2) No caso de não prever ganhar, começar desde cedo a questionar a validade das eleições e declarar que não aceita outro resultado senão a sua vitória. O programa mínimo é perder por pequena margem para tornar mais credível a ideia da fraude eleitoral.  Foi assim nas últimas eleições nos EUA e no Brasil.

4.Para ter êxito, este ataque frontal à democracia necessita de ter o apoio de aliados estratégicos, quer nacionais, quer estrangeiros. No caso dos apoios nacionais, os aliados são forças antidemocráticas, tanto civis como militares, instaladas no aparato do governo e da administração pública que, por acção ou por omissão, facilitam as acções dos revoltosos. No caso brasileiro, é particularmente clamorosa a conivência, passividade e se não mesmo cumplicidade das forças de segurança do Distrito Federal de Brasília e dos seus dirigentes. Com a agravante de que esta região administrativa, por ser a sede do poder político, recebe receitas federais avultadíssimas com o específico propósito de defender as instituições. No caso brasileiro, é também escandaloso que as Forças Armadas se tenham mantido em silêncio, sobretudo quando era conhecido o propósito dos organizadores de criar o caos para provocar a sua intervenção. Por outro lado, as Forças Armadas toleraram que se instalassem acampamentos de manifestantes em frente aos quarteis, uma área de segurança militar, e aí permanecessem durante dois meses. Foi assim que a ideia do golpe prosperou nas redes sociais. Neste caso, o contraste com os EUA é gritante.  Quando foi da invasão do Capitólio, os chefes militares  norte-americanos fizeram questão de vincar a sua defesa da democracia.  Neste sentido, a nomeação do novo Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que parece apostado num bom e reverencial relacionamento com os militares não augura nada de bom. É um ministro problemático depois de tudo o que se passou. O Brasil está a pagar um preço alto por não ter punido os crimes e os criminosos da ditadura militar (1964-1985), sendo certo que alguns crimes nem sequer prescreveram. Foi isso que permitiu ao ex-presidente Bolsonaro elogiar a ditadura, prestar honras aos torturadores militares e nomear militares para cargos importantes de um governo civil e democrático, alguns fortemente comprometidos com a ditadura. Só assim se explica que se fale hoje de perigo de golpe militar no Brasil, mas não no Chile ou na Argentina. Como se sabe, nestes dois países os responsáveis pelos crimes da ditadura militar foram julgados e punidos.  

5.Para além dos aliados nacionais, são cruciais os aliados estrangeiros. Tragicamente, no continente latino-americano, os EUA têm sido tradicionalmente os grandes aliados de ditadores, quando não mesmo os instigadores dos golpes contra a democracia. Acontece que, desta vez, os EUA estiveram do lado da democracia e isso fez toda a diferença no caso do Brasil. Estou convencido de que se os EUA tivessem dados os habituais sinais de encorajamento aos candidatos a ditadores, estaríamos hoje perante um golpe consumado. Infelizmente, e à luz de uma história de mais de cem anos, esta posição dos EUA não se deve a um repentino zelo da defesa internacionalista da democracia. A posição dos EUA foi estritamente determinada por razões internas. Apoiar o bolsonarismo de extrema-direita no Brasil era dar força à extrema-direita trumpista norte-americana que continua a acreditar que a eleição de Joe Biden foi o resultado de fraude eleitoral e que Donald Trump será o próximo presidente dos EUA. Aliás prevejo que manter uma forte extrema-direita no Brasil  seja importante para os desígnios da extrema-direita norte-americana nas eleições de 2024. É de prever que se pretenda criar uma situação de ingovernabilidade que dificulte ao máximo a actuação do Presidente Lula da Silva nos próximos anos. Para que isso não aconteça é necessário que os golpistas e depredadores sejam duramente punidos. E não só eles, mas também os seus mandantes e financiadores.

6. Para garantir a sustentabilidade da extrema-direita é necessário ter uma base social, dispor de financiadores-organizadores e de uma ideologia suficientemente forte para criar uma realidade paralela. No caso do Brasil, a base social é ampla, dado o carácter excludente de democracia brasileira que faz com que largos sectores da sociedade se sintam abandonados pelos políticos democráticos. O Brasil é uma sociedade com grande desigualdade socio-econômica agravada pela discriminação racial e sexual. O sistema democrático potencia tudo isso ao ponto de o Congresso Brasileiro ser mais uma caricatura cruel do que uma representação fiel do povo brasileiro.  Se não for objeto de profunda reforma política, será a prazo totalmente disfuncional. Nestas condições, há um amplo campo de recrutamento para mobilizações de extrema-direita. Obviamente que a grande maioria que delas participa não é fascista. Apenas quer viver com dignidade e desacreditou que isso seja possível em democracia.

Os financiadores-organizadores parecem ser, no caso do brasileiro, sectores do baixo capital industrial, agrário, armamentista e de serviços que foram beneficiados pela (des)governação bolsonorista ou com cuja ideologia mais se identificam. No que respeita à ideologia, ela parece assentar em três pilares principais. Em primeiro lugar, a reciclagem da velha ideologia fascista, ou seja, a leitura reaccionária dos valores de Deus, Pátria e Família, a que juntam agora a Liberdade. Trata-se sobretudo de defender incondicionalmente a propriedade privada para com isso (1) poder invadir e ocupar a propriedade pública ou comunitária (territórios indígenas), (2) defender eficazmente a propriedade, o que implica armar as classes proprietárias, (2) ter legitimidade para rejeitar qualquer política ambiental e (3) rejeitar os direitos reprodutivos e das sexualidades, em particular o direito ao aborto e os direitos da população LGBTIQ+. Em segundo lugar, a ideologia implica a necessidade de criar inimigos a destruir. Os inimigos têm várias escalas, mas a mais global (e abstracta) é o comunismo. Quarenta anos depois de, pelo menos no hemisfério ocidental, terem desaparecido os regimes e os partidos que defendam a implantação de sociedades comunistas, este continua a ser o fantasma contraditoriamente mais abstracto e mais real. Para entender isso é preciso entrar em linha de conta com o terceiro pilar da ideologia de extrema-direita: a criação incessante e capilarizada no tecido social de uma realidade paralela, imune à confrontação com a realidade real, levada a cabo pelas redes sociais e pelas religiões reacionárias (igrejas evangélicas neopentecostais e católicas anti-Papa Francisco) que com facilidade ligam comunismo e  aborto e assim instigam o medo abissal nas populações indefesas, tudo facilitado por estas há muito terem perdido a esperança de ter uma vida digna.

A tentativa de golpe no Brasil é um aviso à navegação. Os democratas brasileiros, latino-americanos, norte-americanos e, afinal, de todo o mundo devem levar muito a sério este aviso. Se o não fizerem, amanhã os fascistas não se limitarão a bater à porta. Certamente a arrombarão sem cerimônia para entrar.

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