web counter free

terça-feira, 20 de julho de 2021

Por uma retomada da diplomacia do desenvolvimento


Caros leitores,

A diplomacia brasileira, historicamente, firmou-se através de certos alicerces que buscavam a defesa dos interesses nacionais e o respeito a uma série de princípios inerentes às Relações Internacionais, dentre os quais se encontram o da não interferência e o da reciprocidade. No entanto, nos últimos anos, viu-se uma modificação profunda na prática diplomática do País, com enfoque especial em uma perspectiva ideológica que questionou e, muitas vezes, extinguiu a tradição até então vigente, de forma independente da corrente política no poder.

Nesse sentido, trazemos hoje um texto escrito por Rodrigo Fracalossi de Moraes, que busca analisar a atual prática da diplomacia brasileira, trazendo consigo as vantagens da retomada de seus pilares com um enfoque pautado na concepção do desenvolvimento, e não na ideologia.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Ygor Alonso é membro do Grupo de Pesquisa em Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito (GPEIA/UFF).

A política externa brasileira se transformou, em grande medida, em uma justaposição de pautas que não cumprem requisitos mínimos de racionalidade e visão de longo prazo. Diversas agendas passaram a se basear na chamada “política do barulho”: políticas de pouco conteúdo, mas cuja mensagem é transmitida em alto volume. Os seus efeitos foram explorados, dentre outros, por Glenn Morgan, Christian Ibsen e Pepper Culpepper.

Exemplos destas pautas são o combate ao “comunismo”, a rejeição ao “globalismo”, a defesa do cristianismo, e a ausência de apoio à saúde sexual e reprodutiva em organizações multilaterais. Nenhuma destas agendas traz qualquer benefício tangível ao país, e a maioria implica custos materiais ou reputacionais.

Diferentemente, ao se colocar a promoção do desenvolvimento como o foco da política externa, tem-se um instrumento para a melhoria efetiva das condições de vida da população. Isto ocorre por meio de ao menos cinco mecanismos, todos interrelacionados: integração regional, comércio e investimento, combate à pobreza, diversificação das relações internacionais, e sustentabilidade ambiental.

Primeiro, uma maior integração com países vizinhos a partir dos anos 1980 trouxe ao Brasil um crescimento significativo da participação de países latino-americanos (especialmente do Cone Sul) como fonte e destino de produtos, serviços e investimentos. Contudo, o peso econômico da região para o Brasil tem se reduzido, o que decorre não apenas da expansão nas relações econômicas com outros países, mas também da menor prioridade atribuída à integração regional. Como exemplo, a integração regional em infraestrutura encontra-se praticamente paralisada (à exceção do corredor rodoviário bioceânico entre Porto Murtinho e portos do norte do Chile), ainda que possua impacto significativo sobre a redução de custos e eliminação de gargalos.

Segundo, os ganhos oriundos da ampliação de trocas comerciais e investimentos diretos externos são múltiplos. Acordos de comércio preferencial podem contribuir para maiores taxas de crescimento econômico e melhoria do bem-estar da população. Como exemplo, um acordo comercial com a China (feito de forma criteriosa e com análises de impacto sobre diferentes setores) provavelmente traria ganhos líquidos e ampliaria o potencial de crescimento econômico do Brasil. Uma diplomacia do desenvolvimento enfatizaria ainda as desigualdades sociais e econômicas entre o norte e o sul globais, buscando acordos bilaterais, regionais e multilaterais, assim como regimes de comércio e investimento que favoreçam países em desenvolvimento.

Terceiro, relações diversificadas reduzem a exposição do Brasil a choques negativos e ampliam as possibilidades de ganhos econômicos. Uma política pautada pelo distanciamento em relação a países considerados “comunistas” faria pouco sentido para o Brasil mesmo na Guerra Fria; e o faz muito menos agora, em um contexto de elevada interdependência econômica. Ao lutar contra o “comunismo”, as potenciais consequências são todas negativas: alocam-se recursos escassos para o enfrentamento de inimigos imaginários; perde-se influência em instituições multilaterais; perde-se acesso a líderes políticos e empresariais na China; e arrisca-se a colocar o Brasil no fogo cruzado de conflitos ou disputas entre terceiros (China versus Estados Unidos, sobretudo). Mesmo o Japão, um importante aliado dos Estados Unidos, busca não tomar lados nas disputas entre China e Estados Unidos.

Quarto, uma agenda voltada ao combate à pobreza poderia não apenas trazer recursos materiais ao país, mas também ganhos reputacionais, dadas as diversas políticas adotadas no Brasil e que efetivamente reduziram os níveis de pobreza no país. O combate à pobreza pode ainda ser combinado com outras agendas de interesse do Brasil. Como exemplo, o tema foi incluído nas discussões da Rio+20 em função de uma proposta do governo brasileiro, buscando ligar as pautas da sustentabilidade ambiental e da erradicação da pobreza.

Por fim, a sustentabilidade ambiental se tornou uma política pública essencial ao desenvolvimento, e que crescerá em importância ao longo das próximas décadas. Rejeitar políticas ambientais sólidas e transparentes cria uma série de problemas de política externa – tanto diretos como indiretos. E um baixo interesse por soluções multilaterais enfraquece a posição de países em desenvolvimento, para os quais negociações devem ter como base o princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas.

Quanto aos seus efeitos diretos, uma fraca regulação ou o desrespeito às leis ambientais reduz o apoio internacional à participação ou maior influência do Brasil em organizações e acordos internacionais (acordo Mercosul-União Europeia, por exemplo). Há também efeitos indiretos: compromissos ambientais se tornam menos críveis em um contexto de pouco apreço por normas ambientais. Ou seja, em função de uma reputação ruim, a “palavra” do país perde valor, levando a que compromissos assumidos tenham maior probabilidade de serem objeto de desconfiança. E a reputação de um país é um de seus maiores ativos: ela facilita a cooperação internacional e reduz a necessidade de mecanismos complexos e caros de compliance. Um exemplo: caso a União Europeia condicione um acordo comercial à mudança na política ambiental do Brasil, como convencer os europeus de que promessas brasileiras seriam “pra valer”?

Em síntese, ao se colocar a promoção do desenvolvimento como um elemento central de política externa, abre-se um caminho para a melhoria das condições de vida da população, e deixa-se de lado a irracionalidade da “política do barulho”. Trata-se de uma política adaptada às necessidades de um país com as características do Brasil: em desenvolvimento e profundamente desigual, mas também democrático e uma das maiores potências ambientais do planeta.

Link Original

Nenhum comentário:

Postar um comentário