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terça-feira, 6 de outubro de 2020

O Brasil de Bolsonaro perde com Trump ou com Biden


 

Caros leitores,

As eleições estadunidense se avizinha e trazem consigo a dúvida de como isso afetará a geopolítica internacional, sobretudo em relação ao Brasil. Neste artigo de Opinião, Paulo Sotero expões suas previsões quanto esta indagação.

Esperamos que gostem e compartilhem!

Lucas Pessoa é membro do "Grupo de Pesquisas Estados e Instituições e Análise Econômica do Direito"

Seja qual for o resultado, as eleições americanas de 3 de novembro deixarão o Brasil no pior dos mundos. Na improvável hipótese de uma vitória do presidente Donald Trump, seja de acordo com as regras do peculiar Colégio Eleitoral americano ou fruto de sua intenção pública de tentar invalidar um resultado que lhe seja desfavorável, o Brasil terá de se conformar com a crescente irrelevância internacional pela qual optou na eleição presidencial de Jair Bolsonaro em 2018. Com uma agravante: num segundo governo Trump saído de um eventual processo eleitoral contestado judicialmente, os Estados Unidos, sob o republicano, aprofundarão a obra já iniciada de destruição das regras de governança internacional, que contribuíram ativamente para construir e legaram ao mundo depois da Segunda Guerra, e se tornarão fonte permanente de instabilidade. Nada disso trará ganhos ao Brasil, cujos governos, de esquerda ou de direita, sempre se pautaram pelo multilateralismo.

A hipótese de o ex-vice-presidente Joe Biden ganhar e levar tornou-se mais provável depois do desempenho catastrófico de Trump no primeiro debate, realizado no final de setembro, que poderá custar-lhe não apenas a Casa Branca como a maioria republicana no Senado. Ao contrário de Trump, o democrata sabe onde fica e preza o Brasil como ator regional e global em temas de interesse para ambos os países. Mas com Biden na Casa Branca o atual governo brasileiro terá de fazer uma rápida e dramática correção de curso, se é que isso é possível com a direção do Itamaraty tão comprometida com o bolsolavismo.

Como o alinhamento servil aos Estados Unidos é a marca mais forte da diplomacia do “mito”, numa hipótese de vitória de Biden, não está descartado um processo forçado de adaptação. O primeiro passo poderia ser uma boa limpeza e dedetização do Itamaraty, a outrora veneranda Casa de Rio Branco e centro irradiador de excelência no serviço público, reduzida no atual governo em sede de uma estranha seita de diplomatas “antiglobalistas”, seja lá o que isso for, e seus alucinados mentores e seguidores, que incluem até adeptos do terraplanismo e de outras esquisitices. Facilitaria se a sanitização se estendesse ao Ministério do Meio Ambiente, onde vigoram a incompetência e a má-fé, como ilustrado pelo vazamento da gravação de uma reunião ministerial em abril passado.

A ênfase no saber científico para o enfrentamento eficaz de pandemias é outro tema atualíssimo de interesse mútuo do Brasil e dos Estados Unidos e que pautará a cooperação bilateral, se e quando passar a insensatez reinante na Esplanada dos Ministérios. A ciência brasileira nasceu do combate às epidemias na segunda metade do século XIX e vicejou graças à competência e dedicação de médicos sanitaristas pioneiros como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Adolfo Lutz e Emílio Ribas, que apostaram na educação e na pesquisa. Eles e seus discípulos prepararam o caminho para a bem-sucedida campanha de contenção do HIV-aids das décadas de 1980 e 1990 e a construção do SUS, êxitos brasileiros conhecidos mundo afora.

Transformado pela irresponsabilidade do discípulo de Trump em Brasília no segundo maior necrotério mundial da Covid-19, o Brasil é, a despeito do governo que elegeu, parte dos esforços internacionais que levarão ao controle da pandemia. Biden e seus assessores estão cientes de que duas das mais promissoras vacinas contra o vírus, em fase de testes clínicos, foram desenvolvidas por consórcios científico-empresariais integrados pelo Instituto Butantan e pela Fiocruz. Sabem, também, que ambas as instituições brasileiras estão entre as poucas, ao sul do Equador, que têm capacidade instalada para a produção de vacinas na escala industrial necessária para conter o flagelo que já contaminou 33 milhões e matou mais de 1 milhão pessoas.

Sob Biden, o governo dos Estados Unidos estará atento também às posições de Brasília em foros globais e regionais sobre a democracia, a liberdade e os direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres, dos indígenas e dos homossexuais. Mais imediatamente, a postura do Brasil na complexa confrontação entre a China e os Estados Unidos continuará a ser observada de perto em Washington e pode converter-se em ingrediente pesado do contencioso bilateral, seja quem for o ocupante da Casa Branca. A bola da vez é a escolha pelo Brasil da tecnologia 5G para a telefonia celular. Nesse assunto, as diferenças entre Trump e Biden são mais de estilo do que de substância. Com Biden na Casa Branca, haverá certamente uma revalorização da diplomacia e a busca de uma acomodação com Pequim. Por maiores que sejam as diferenças ideológicas e de interesses entre a China e os Estados Unidos, as economias dos dois países estão imbricadas uma na outra, em longas e complexas cadeias de produção e na comercialização de bens e serviços, o que as compele ao pragmatismo. Por isso, com Biden haverá empenho em baixar a temperatura e buscar soluções negociadas.

Isso é o que o Brasil precisa para evitar os prejuízos colaterais de uma confrontação entre seus dois maiores parceiros comerciais e definir uma estratégia que corresponda a seus interesses — um exercício difícil e para o qual a liderança do país, de esquerda ou de direita, mostrou-se até aqui inapetente e despreparada. A União Europeia tem se esforçado para encontrar um caminho em meio a esse duelo. É aconselhável, por exemplo, prestar atenção ao que líderes como Angela Merkel, a premiê da Alemanha, andam fazendo. A boa notícia é que não há alternativa: ou o Brasil descobre seu caminho ou se rende a seu pior e mais corrosivo inimigo: a mediocridade, tão familiar quanto nociva ao país.

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2 comentários:

  1. Texto com um insight interessantíssimo sobre um assunto tão importante quanto às relações internacionais brasileiras frente às eleições dos EUA. Obrigada!

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  2. O ponto mais nevrálgico do quadro aqui apresentado, parece ser a avidez do presidente Jair Bolsonaro em agigantar o Brasil como mercado exportador com premissas como a utilizada em seu discurso na 75ª assembléia da ONU, quando diz que o Brasil alimenta mais de 1 bilhão de pessoas. Entretanto, a soja, principal produto exportado pelo país tem como principal destino a ração para o gado. Essas premissas, falaciosas ou não, evidenciam um curso estratégico desordenado nas relações comerciais e diplomáticas até aqui adotados pelo governo brasileiro, fato este, que parece nos obrigar a ficar "na torcida''pela reeleição de Trump, assumindo o risco de ruptura com a China como maior parceira comercial nas exportações do nosso país, para sorver de uma ideologia do American Way of Life, nos remetendo ao relegado papel de 'quintal' dos Estados Unidos, assim como aconteceu na Era Vargas.

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