web counter free

sábado, 31 de agosto de 2019

Juristas preparam denúncia contra Bolsonaro por ecocídio

Resultado de imagem para amazônia em chamas

Olá alunos, 

Apresentamo-lhes hoje uma notícia sobre uma das consequências da política ambiental e das declarações inconsequentes do atual presidente em relação ao tema. 

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisa "Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito" - GPEIA

Diante do avanço do desmatamento e das queimadas na Amazônia, um grupo de juristas brasileiros prepara desde 23 de agosto uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro por crime ambiental contra a humanidade, a ser apresentada ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda.

Os juristas argumentam que Bolsonaro pode ser responsabilizado pelo aumento dos danos na Amazônia em 2019 devido à demora da resposta contra as queimadas na região e à atual política ambiental do governo. A ação está sendo articulada por especialistas em direitos humanos, direito ambiental e internacional.

"Estudamos o caso e vemos que os danos ocorridos neste ano na Amazônia podem ser vistos como consequência de declarações irresponsáveis de Bolsonaro, assim como do desmonte de órgãos ambientais e das políticas de Estado de proteção a direitos socioambientais", afirma a jurista Eloísa Machado, que iniciou a articulação da denúncia.

Apesar de o desmatamento e as queimadas não serem novidade na Amazônia, Machado argumenta que o elemento que sustenta a abertura da denúncia por ecocídio (destruição em larga escala do meio ambiente) é a existência de um presidente da República que declaradamente é contra leis ambientais.

"Os ataques de Bolsonaro aos órgãos de pesquisa, aos ambientalistas, às organizações não governamentais e aos órgãos de fiscalização ambiental se apresentaram como um salvo conduto para ações criminosas contra o meio ambiente", destaca Machado, que é professora de direito constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A jurista menciona como exemplo os ataques do presidente ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), depois que o órgão divulgou um aumento de 88% no desmatamento da Floresta Amazônica em junho em relação ao mesmo mês do ano passado.

A crise gerada pela contrariedade do governo com a divulgação dos números acabou com a demissão do então diretor do instituto, Ricardo Galvão. Mais tarde, o Inpe divulgou dados ainda mais alarmantes: em julho deste ano, o desmatamento cresceu 278% em comparação com julho de 2018.

O termo ecocídio foi usado pelo presidente da França, Emmanuel Macron, para descrever o desmatamento na Região Amazônica no mesmo dia em que os juristas brasileiros começaram a articular a denúncia contra Bolsonaro. "Temos um verdadeiro ecocídio se desenvolvendo na Amazônia, não apenas no Brasil", disse o francês à imprensa local.

Desde meados dos anos 1970, graves crimes ambientais que colocam em risco a segurança humana têm sido entendidos como ecocídio, um novo tipo de delito. No âmbito do Tribunal Penal Internacional, o ecocídio foi reconhecido em 2016 como crime contra a humanidade, mas não foi qualificado como um crime autônomo. Segundo Machado, ainda não há precedentes desse tipo de ação no TPI.

"Quando fizermos a denúncia, será um momento histórico, um avanço na proteção de direitos humanos internacionais e uma oportunidade para estabelecer mais claramente os critérios através dos quais os graves crimes ambientais possam se caracterizar como crimes contra a humanidade", afirma Machado.

Como consequência para o Brasil, a jurista alerta que a denúncia ao TPI poderá ser vista no cenário internacional como uma comprovação de que o governo Bolsonaro é indiferente e desrespeitoso com as leis internas e com o direito internacional.

O crime de ecocídio

Em 2016, uma comunidade de juristas criou o Tribunal Internacional Monsanto para julgar simbolicamente as ações da multinacional de agrotóxicos contra o meio ambiente. Segundo a advogada francesa Valérie Cabanes, esse julgamento concluiu que era necessário reconhecer e incluir o crime de ecocídio no estatuto do TPI por resultar em sérios danos ao planeta.

No caso de Bolsonaro, Cabanes – que coordenou o Tribunal Internacional Monsanto – entende que a postura do presidente fere tanto os direitos humanos como os ambientais, podendo ser enquadrada como um caso de ecocídio.

"Permitir a destruição da Floresta Amazônica tem duplo impacto: local, porque constitui uma violação nos direitos dos povos indígenas que vivem na floresta e que dela dependem tanto para seu sustento como para seu bem-estar físico e espiritual; e há o impacto global, já que a Amazônia fornece oxigênio para o mundo e participa da regulação da temperatura, influenciando o clima mundial e a circulação das correntes oceânicas", acrescenta Cabanes, que é especialista em direitos humanos.

Porém, sem o reconhecimento de ecocídio como um crime autônomo, Cabanes afirma que Bolsonaro pode ser investigado por crime contra a humanidade pelo TPI e processado somente "se houver uma intenção comprovada por parte do indivíduo de destruir tribos indígenas enquanto grupos étnicos".

Isso acontece porque, de acordo com o Estatuto do TPI, a qualificação de crime contra a humanidade "exige prova prévia de que uma população civil é alvo de um ataque sistemático ou generalizado, lançado conscientemente e em conformidade com a política de um Estado ou organização", descreve a jurista.

"Impunidade para madeireiros e fazendeiros"

"Bolsonaro cria deliberadamente uma situação de impunidade para os madeireiros e fazendeiros, em que estes podem lucrar com a Amazônia, iniciar incêndios, grilar terras e cometer assassinatos. Mas é difícil culpar apenas o atual presidente por esse cenário, pois isso vem acontecendo na Amazônia muitos anos antes de ele ser eleito", diz Cabanes.

Por isso, assim como Machado, ela acredita que a novidade na situação está no discurso e na postura do presidente em relação ao meio ambiente. "Algumas falas de Bolsonaro poderiam ser qualificadas até como um chamado para um genocídio contra as populações amazônicas", defende a advogada francesa.

"Do mesmo modo, há episódios concretos do governo Bolsonaro, como transferir a responsabilidade pela demarcação e regulação dos territórios indígenas para o Ministério da Agricultura, que se sabe estar sob a notória influência do agronegócio, assim como as tentativas de coibir as sanções aplicadas pelo Ibama e, em junho, o pedido de demissão do diretor do Inpe pelo próprio Bolsonaro depois da divulgação dos dados sobre as queimadas na Amazônia", exemplifica Cabanes.


Independentemente da inexistência de uma legislação internacional exclusiva para ecocídio, Cabanes alerta que as questões ambientais têm se tornado prioridade para o TPI e que a denúncia tem chances de ser acolhida pelo tribunal.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Convite!


Olá alunos, 

Viemos convida-los para o evento: 

“Capital Espacial: Alicerce do Desenvolvimento."

Casa Firjan – Diálogos do Rio


Segundo a organização da edição "Diálogos do Rio", tal iniciativa faz parte de uma série de eventos para reunir e fomentar ideias e propostas transformadoras para o Estado do Rio de Janeiro. A atividade de agosto contará com a presença de:

Sérgio Magalhães, Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) e;

Izabella Kraichete Lentino Barandier  - Arquiteta e Urbanista, graduada pela Universidade Federal Fluminense e Mestre em Engenharia de Transportes pela COPPE/UFRJ, com especialidade em Mobilidade Urbana Sustentável.

Data: 29/08, Segunda-Feira
Horário: 18h
Local: Casa Firjan
Endereço:Rua Guilhermina Guinle, 211, Botafogo, RJ


Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisa "Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito" - GPEIA 

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Direitos fundamentais para humanos digitais


Olá alunos, 

Trazemos uma notícia que diz respeito dos desdobramentos dos direitos fundamentais e suas novas significações nos tempos atuais

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisa "Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito" - GPEIA.

"Muito se tem escrito a propósito de direitos humanos, direitos fundamentais e direitos humanos fundamentais na era digital. Todavia, normalmente são teses que retratam a colisão entre direitos, seu uso e abuso nos mundos digitais. Os mesmos direitos fundamentais, outrora analógicos, postos diante de desafios virtuais.

Ao que me parece, o que aqui se discute não são propriamente outras gerações, mas sim novas formas de tráfego de direitos fundamentais (igualdade, liberdade, intimidade, propriedade, informação, comunicação, etc.). Estes persistem os mesmos, submetidos a outros meios de exercício, agressão e proteção. Já existe uma minuta da Carta dos Direitos Digitais da União Europeia, que retrata algumas dessas preocupações e amplia o sentido dos direitos fundamentais para o mundo digital.

Mas o que pretendo tratar neste brevíssimo ensaio são direitos fundamentais de nossas personas digitais: aqueles que o ser humano experimenta em decorrência de sua mutação em pixels, métricas digitais, dados e perfis digitais. Não estou a enxergar, portanto, a pessoa como um ser de carne e osso (nem em sua dimensão espiritual ou de pensamento), mas sim quando ela se transforma (ou é transformada) em informações digitalizadas e, assim, assume nova dimensão existencial. Somos números que, submetidos a algoritmos, configuram a(s) nossa(s) presença(s) no universo digital e fazem com que sejamos (ou deixemos de ser) algo ou alguém. A persona digital, que transcende a natural.

Será que essa nova configuração da raça humana – um ser digital que desconhece a si próprio e, também em razão dessa ignorância existencial, precisa de proteção diferenciada – faz nascer correspondentes direitos fundamentais? Tornamo-nos o alter digital, que é mais do que nós mesmos? Ou estou a tratar de decorrências de informações conaturais, dos números que também somos? Seriam tais características fundamentais ao ser humano, tanto aos que surgiram quanto aos que se tornaram digitais? Enfim, a nossa persona digital merece consideração e proteção autônomas, na condição de direito fundamental do ser humano digitalizado?"

"Pensemos um pouco mais a fundo. Bem vistas as coisas, já existem duas formas de a pessoa ser, ter e exercitar direitos inerentes à condição humana. Por um lado, o modo analógico: a vida real em nossa interação conosco, com os demais sujeitos e o meio ambiente sensível. O sujeito a coabitar sociedades artificiais, por si criadas para tentar domar a natureza. Nós pensamos, conversamos e pretendemos nos fazer conhecer e reconhecer. Vemos, ouvimos e sentimos cheiros e sabores. Este é o mundo, digamos assim, newtoniano, onde maçãs caem nas nossas cabeças e geram reações físicas.

Por outro lado, existe o universo digital, onde ingressamos mesmo sem saber e nos submetemos a desconhecidas interações, avaliações e configurações. Tornamo-nos outros, por meio de programas que dizem o que somos e quem é nossa persona digital. Usufruímos e, subliminarmente, tornamo-nos seres/produtos virtuais. Basta um telefone celular ou um cartão de crédito, para que os dados sejam compartilhados.

Essa mutação envolve a constante e aberta disponibilização de nós mesmos, versão digital. Lá, nem sempre nos vemos, ouvimos ou sentimos. De seres humanos físicos, que procuram se entender intimamente em exercícios de auto-compreensão, alteramo-nos para um conjunto imponderável de dados que desconhece a si próprio. Integramo-nos no big data universal – a natureza indomada – e temos nossas individualidades reconstruídas. Deixamos de ser quem conseguimos imaginar e nos transformamos em quem os algoritmos dizem que somos.

A soberania do indivíduo e da autonomia da vontade não existem quando ele migra (ou é migrado) para o ambiente digital, eis que as liberdades são reconfiguradas. Lá – ou, melhor: aqui, neste exato instante em que você lê este texto – sofremos mutações e nos submetemos a métricas que definem nossa existência e o que desejamos. Nos é dada outra personalidade. Somos vistos por olhos digitais e examinados por algoritmos, que constroem nossa identidade à margem da consciência individual. A nossa persona digital é oferecida àqueles que pretendem nos transformar ainda mais, que definem o que queremos comprar, votar, como ser felizes e com quem conversar. Existe previsão, monitoramento e controle dos seres humanos digitais – que, sublinhe-se, são distintos dos reais.

A provocação que desejo fazer é a seguinte: tais conjuntos de dados e métricas merecem conhecimento e proteção pautada em si mesmos? Possuem dignidade existencial? Os dados em que nos transformamos instalam novos direitos fundamentais, a protegê-los e blindá-los? Enfim, eu defendo que minha persona digital tem autonomia diferenciada e merece ser protegida de métricas que desconhece. Ela não pode ser apresentada aos outros – mesmo sem nome – sem saber quem é e quais são seus interlocutores. Sua personalidade digital não pode ser construída por terceiros anônimos. A persona digital é a titular da nova dimensão de direitos fundamentais: o ser humano, quando se digitaliza, merece proteção nessa condição.

Em 1968, o genial Philip K. Dick escreveu seu Do androids dream of eletric sheeps, sobre robôs construídos com material orgânico semelhante ao nosso, destinados à migração e trabalhos para preservação da raça humana. Todavia, como fica claro em Blade Runner, que se passa no futuro distópico de 2019!, em determinado instante eles constatam que morrerão jovens. Voltam ilegalmente para a terra, a fim de conhecer o criador e fazer com que sua vida seja preservada. O enredo diz respeito a androides-replicantes clamando pelo mais humano dos direitos fundamentais: a preservação da vida. São robôs à busca de seus direitos fundamentais – inclusive a memória, como na última frase dita pelo replicante mais intenso do filme.

Hoje, o caminho é inverso. Os seres humanos foram transformados em personas digitais, com material orgânico semelhante ao contido na mente dos replicantes. Precisam clamar, nessa condição virtual, pelos correspondentes direitos fundamentais para humanos digitais."

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Prisões e insegurança no Brasil: efeito dominó

Familiar coloca cruz para identificar o túmulo de uma das vítimas da chacina em Altamira.

Olá alunos, 

Hoje trazemos uma notícia que traz reflexões sobre o quadro atual do sistema penitenciário brasileiro, que por sua vez encontra-se em descompasso com a eficiência e a proteção de direitos humanos. 

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisa "Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito" - GPEIA.

A recente chacina de presos em Altamira (PA) evidenciou uma realidade chocante de condições subumanas, caos, crime organizado, tortura e morte. É uma situação impactante, mas dificilmente surpreendente: Manaus, Pedrinhas, Boa Vista, Alcaçuz, Carandiru, a lista de tragédias em centros prisionais brasileiros é comprida. E na ausência de uma mudança radical, é provável que Altamira não seja a última delas.


O fato de que vários dos casos mais brutais de violência carcerária derivem de confrontos entre internos —relacionados a causas estruturais mais amplas e abrangentes— não dispensa o Estado de sua responsabilidade de proteger a vida e integridade das pessoas presas e, certamente, a de seus agentes penitenciários.

O Brasil conhece muito bem suas obrigações com a dignidade humana, não apenas conforme o direito internacional mas à luz de sua Constituição: o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro (ADPF 347).

O país também recebeu inúmeras recomendações de especialistas internacionais de direitos humanos (como o relator da ONU sobre a tortura e o sub-comitê da ONU para a prevenção da tortura) sobre ações concretas para erradicar de seu sistema prisional a superlotação, a perda de controle sobre a disciplina do pessoal, o crime organizado ou a corrupção.

Mas apesar de todos os diagnósticos, o Brasil tem reagido com lentidão ou mesmo adotado medidas na contramão destas obrigações e recomendações —baseadas no direito doméstico e internacional, bem como na evidência empírica. Por exemplo, ao alterar o funcionamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura, peça-chave para melhorar qualquer sistema carcerário.

Por sua vez, existe um senso comum que tende a banalizar as violações de direitos humanos contra as pessoas presas, como uma espécie de castigo pelos crimes que podem ter cometido, ou como punição adicional à privação de liberdade estabelecida pela Justiça.

Esta ideia tão frequente torna mais fácil para o Estado esquivar-se de sua responsabilidade de melhorar as condições nas prisões, não investir em alternativas à privação de liberdade ou em políticas criminais de longo prazo, ou não apostar na reabilitação e reinserção social. Ou privilegiar uma abordagem punitiva em vez de fortalecer a prevenção, com ênfase nas parcelas mais vulneráveis da população.

Mas, afinal, é como o efeito dominó, pois todas essas ações ou omissões do Estado produzem um alto custo para a sociedade. A mesma sociedade que julga aceitáveis as violações sistemáticas dos direitos humanos nas prisões, acaba sofrendo as consequências da falta de segurança, da criminalização da pobreza e da perda do potencial produtivo daqueles grupos mais discriminados e estigmatizados, como jovens e afrodescendentes.

Popular ou não, o Estado tem a obrigação de proteger os direitos humanos, principalmente das pessoas que estão sob sua custódia. Caso contrário, a sociedade toda acaba pagando o preço de um sistema prisional e criminal falido, que contribui para enfraquecer a segurança pública, a paz social, a governabilidade, o desenvolvimento e a plena vigência dos direitos humanos.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

AirBnB: do compartilhamento do quarto vazio à exploração por empresas


Olá alunos, 

Hoje trazemos uma notícia que versa sobre como plataformas digitais de economia compartilhada acabam tendo uso diverso na prática, trazendo múltiplos impactos sociais. 

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisa "Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito" - GPEIA.

A ideia original era bastante simples, até mesmo modesta. Com dificuldades para pagar o aluguel, três jovens decidiram usar colchões infláveis guardados e oferecer a sala de sua casa em São Francisco como espaço de hospedagem. Era outubro de 2007 e um congresso internacional lotava a maioria dos quartos de hotel da cidade, o que garantiu a atratividade da oferta. Como os colchões eram de ar, Brian Chesky, Nathan Blecharczyk e Joe Gebbia chamaram a empreitada de “AirBed and Breakfast”. Um pouco mais de uma década depois, o AirBnB é um dos principais representantes do que costumamos chamar de “economia do compartilhamento”, com valor estimado pela Forbes em US$ 38 bilhões em 2018, com bancos, empresas de serviços financeiros, fundos de venture capital e private equity entre seus principais investidores.

Se o princípio é simples – rentabilizar os espaços vazios ou subutilizados de casas e apartamentos –, o modelo de negócio que alçou o AirBnB a “empresa unicórnio”, com valor de mercado superior a US$1 bilhão, não é nada trivial. A tecnologia da plataforma permite que quartos e unidades inteiras sejam alugadas para além do círculo mais imediato de amigos e vizinhos, algo que a socióloga norte-americana Juliet Schor chama de “stranger sharing”. A inovação tecnológica permite uma ampliação exponencial de escala: a plataforma oferece mais de 6 milhões de quartos, casas, apartamentos e espaços inusitados de hospedagem – como castelos e iglus – em mais de 81 mil cidades ao redor do mundo. O aumento da escala também muda a qualidade das relações intermediadas pelo AirBnB, trazendo inúmeras novas questões à tona.


Alguns críticos enfatizam a distância entre as propostas originais de aplicativos como Uber e AirBnB e o que se tornaram hoje. Em 2015, Giana Eckhardt e Fleura Bardhi afirmavam, na Harvard Business Review, que a “economia do compartilhamento” acabou por não ter nada que ver com o compartilhamento propriamente dito. Alugar um quarto por meio do AirBnB estaria menos relacionado a práticas de consumo coletivo e consciente ou à criação de novos laços de confiança e muito mais ao consumo de um bem por um preço mais baixo e, claro, ao lucro da transação comercial. Assim, “economia do compartilhamento” seria uma expressão enganosa. Alguns autores têm preferido falar em “capitalismo de plataforma”, “economia de acesso”, “capitalismo de multidão” ou “gig economy”. Independentemente do nome que decidirmos utilizar, uma das principais questões é saber como essas plataformas estão ditando um novo modelo de negócios, provocando mudanças estruturais que ainda não são completamente visíveis ou compreensíveis em seu todo.

Usos comerciais do AirBnB

“Nós certamente acreditamos – e os dados confirmam – que o AirBnB é uma plataforma para a classe média. Ela está gerando uma renda suplementar para famílias comuns.” Esta declaração de Chris Lehane, diretor de global policy da empresa, apresenta o modelo de anfitrião da concepção original: casais com quartos sobrando depois que os filhos cresceram e saíram de casa, famílias com um quartinho ou sofá-cama extra. O que antes era apenas um espaço de sobra passa a se tornar um ativo passível de exploração, ajudando a pagar as contas do fim do mês. Seria uma plataforma da classe média – e não de todas as classes – porque, para se tornar um anfitrião, é preciso ser proprietário ou sublocar apartamentos alugados. São famílias e pessoas com alguma estabilidade social marcada pela propriedade ou pelo aluguel de longo prazo, mas não ricos o suficiente para recusar o dinheiro a mais para receber estranhos em suas casas.

Mas a afirmação de Lehane conta apenas uma parte da história. Já em 2014, o procurador-geral da cidade de Nova York, Eric Schneiderman elaborou um relatório que mostrava o uso intensivo da plataforma por empresas. Por mais que os usuários comerciais fossem a minoria em termos numéricos (6% do universo de anfitriões), eles dominavam o mercado de aluguel de curto prazo intermediado pelo AirBnB. Entre 2010 e 2014, estes usuários receberam US$168,3 milhões e concentraram mais de 177 mil reservas em suas unidades. Um único usuário concentrava 272 unidades, um perfil certamente muito diferente da “família comum” que precisa de renda extra.

Como a plataforma não diferencia entre pessoas físicas e pessoas jurídicas (ou pessoas físicas que atuam como pessoas jurídicas), o problema tem aparecido em diversas cidades. Reportagem de maio de 2019 da Folha de São Paulo mostra que os principais anunciantes do AirBnB em São Paulo e no Rio de Janeiro são empresas. Agências de viagens, imobiliárias, pessoas físicas e mesmo empresas criadas especialmente para gerir apartamentos por meio da plataforma concentram números elevados de unidades: “Hipoteticamente, se esses nove anunciantes profissionais tivessem alugado todos seus imóveis no período avaliado [4 de fevereiro a 15 de abril de 2019], teriam arrecadado juntos meio milhão de reais em um único dia”, diz a matéria.

Start-ups de gerenciamento de propriedades anunciadas no AirBnB já atuam em diferentes cidades europeias, utilizando algoritmos para tornar o negócio ainda mais eficiente. A transformação é tão grande que, recentemente, a rede hoteleira Marriott anunciou que irá desenvolver um serviço semelhante ao AirBnB, chamado Homes & Villas, focado no compartilhamento de propriedades de luxo.

A atratividade vem principalmente de dois fatores: flexibilidade para gerenciar os contratos de curto prazo e ausência de regulação específica. Se comparado com a locação residencial de longo prazo, o AirBnB se mostra muito mais dinâmico. É possível definir o número de dias de hospedagem, cobrar mais caro em feriados e em temporadas de maior procura e até mesmo recusar hospedagem a qualquer momento. Já um contrato de locação de longo prazo costuma ter prazo mínimo de 30 meses, é reajustado por índices estabelecidos vinculados à inflação e confere uma série de direitos aos inquilinos. Já a ausência de regulação específica faz com que estes usuários comerciais não paguem os impostos cobrados da rede hoteleira ou das imobiliárias. Aqui no Brasil, a indústria hoteleira já reivindica isonomia na tributação em uma ação no Supremo Tribunal Federal que pede que a parte correspondente à locação das diárias de hotel não seja tributada com o ISS (Imposto Sobre Serviços), da mesma maneira que o AirBnB não é tributado.

Mas o uso comercial não se limita ao uso da plataforma por empresas e à criação de serviços de apoio à gestão de imóveis que já existem. Em São Paulo existem iniciativas de empresas da construção civil focadas em moradias temporárias. You, Paladin, Vitacon e TPA já estão construindo empreendimentos residenciais destinados a moradores que não são fixos. O modelo de negócio varia entre as construtoras, mas plataformas como Booking e AirBnB são utilizadas para anunciar as unidades. Assim, estamos diante de uma tendência de transformação dos próprios produtos imobiliários para atender à flexibilidade e à rentabilidade dos aluguéis de curto prazo popularizados e intermediados pelo AirBnb.

Apesar de a plataforma reivindicar um papel de mera intermediação entre usuários, sem qualquer função hoteleira e imobiliária, o AirBnB vem fazendo aquisições que consolidam a atividade comercial como parte de seu core business e não como uma espécie de desvio de uma proposta original. Neste ano, a empresa comprou o HotelTonight, um aplicativo para encontrar quartos de hotel com descontos. O aplicativo trabalha em parceria com grandes redes hoteleiras, como Sheraton e Hyatt. Também em 2019, o AirBnB comprou o site Gaest.com, de aluguel de salas para reuniões e eventos corporativos. No ano passado, adquiriu a empresa francesa Luckey Homes, especializada em gestão imobiliária. O AirBnB também figura como investidor da OYO Rooms, uma start-up indiana que opera uma rede de hotéis de baixo custo e de outros possíveis concorrentes no ramo de aluguéis temporários, como o site Lyric.



domingo, 11 de agosto de 2019

Convite!


Olá alunos, 


Viemos convida-los para a palestra: “Ações coletivas colaborativas e mudanças nas sociedades contemporâneas”. 



A palestra será ministrada por Benjamín Tejerina (Universidad del País Vasco). 
Não é necessária a realização de inscrição prévia.

Data: 12/08, Segunda-Feira
Horário: 14h
Local:  IESP-UERJ
Endereço: R. da Matriz, 82 - Botafogo

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisa "Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito" - GPEIA 

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Os algoritmos do Facebook vão ter ‘período silencioso’ antes das eleições nos EUA?


Olá alunos, 

A notícia de hoje diz respeito as novas mudanças na legislação trabalhista com ênfase em como tais mudanças irão afetar a vida dos trabalhadores. 

Esperamos que gostem e participem!
Lucas Pessôa é membro do Grupo de Pesquisa "Estado, Instituições e Análise Econômica do Direito" - GPEIA.

O algoritmo do feed de notícias do Facebook escolhe o que os usuários veem em sua plataforma –de memes engraçados a comentários de amigos. A empresa atualiza regularmente esse algoritmo, o que pode mudar drasticamente as informações que as pessoas consomem.


Com a aproximação das eleições de 2020, há muita preocupação de que o que foi apelidado de “conluio russo” nas eleições presidenciais de 2016 possa acontecer novamente. Mas o que não está recebendo atenção suficiente é o papel do algoritmo do Facebook para modificar, intencionalmente ou não, esse tipo de interferência.

Um contraponto crucial na campanha de desinformação russa foi o jornalismo factual de fontes respeitáveis ​​–que alcançou muitos de seus leitores no Facebook e em outras plataformas de mídia social. Como educadora e pesquisadora de mídias sociais, vejo evidências de que mudanças no algoritmo do feed de notícias do Facebook impediram o acesso de usuários ao jornalismo confiável no período que antecedeu a eleição de Trump.

Agentes políticos sabem que o Facebook serve como 1 guardião das dietas informativas de mais de 200 milhões de americanos e 2 bilhões de usuários em todo o mundo. Ações e abuso por outras pessoas nas plataformas geraram muita preocupação e discussão pública, inclusive sobre quanta desinformação e propaganda os americanos viram antes da eleição. O que não foi falado o suficiente é o efeito que as mudanças algorítmicas do Facebook tiveram no acesso a notícias e democracia.

MUDANÇAS NO SISTEMA

Em meados de 2015, o Facebook introduziu uma grande mudança de algoritmo que desviou os leitores do jornalismo e das notícias para fornecer mais atualizações de seus amigos e familiares. A mudança foi feita em linguagem amigável, sugerindo que o Facebook estava tentando garantir que os usuários não perdessem histórias de amigos. Mas dados de mídia social mostram que 1 dos efeitos da mudança foi reduzir o número de interações que os usuários do Facebook tinham com notícias confiáveis.

Poucos meses antes da eleição de 2016, uma mudança de algoritmo ainda maior em relação aos posts de amigos e familiares causou 1 segundo impacto no tráfego das publicações. Uma ampla gama de editores de notícias descobriu que seu conteúdo era significativamente menos visível para os usuários do Facebook.

Em minha pesquisa, analisei o engajamento do Facebook para os principais veículos de notícias em torno da eleição de 2016. Minhas descobertas apoiam as conclusões de outros que o algoritmo do Facebook suprimiu muito o engajamento público com esses editores.


Dados da CrowdTangle, uma empresa de monitoramento de mídia social (comprada pelo Facebook logo após a eleição de 2016), mostram que o tráfego do Facebook caiu notavelmente na CNN, ABC, NBC, CBS, Fox News, New York Times e Washington Post após a empresa ter atualizado seus algoritmos para favorecer amigos e familiares em junho de 2016.

Isso prova que o algoritmo funcionou da maneira que foi projetado para funcionar. Mas me preocupa o fato de os principais editores dos EUA terem sido suprimidos dessa maneira. O interesse dos eleitores nas eleições presidenciais foi maior em 2016 do que nas duas décadas anteriores, e a desinformação foi excessiva. As mudanças no Facebook fizeram com que as principais organizações de notícias de todo o espectro político tivessem mais dificuldade em divulgar notícias e relatórios eleitorais confiáveis.

O Facebook estava ciente das preocupações sobre seu algoritmo mesmo antes da eleição acontecer. Um dos engenheiros do Facebook sinalizou esses efeitos potenciais das mudanças no algoritmo do Facebook em julho de 2015. Três meses depois, o mentor de Zuckerberg, Roger McNamee, também tentou alertar os executivos de Zuckerberg e Facebook de que a plataforma estava sendo usada para manipular informações sobre a eleição.

Logo após a eleição, a pesquisa do repórter Craig Silverman no BuzzFeed mostrou que notícias falsas haviam superado “notícias reais”. No final de 2018, o comunicado da própria empresa no Facebook revelou problemas com o modo que seu algoritmo recompensava “conteúdo limítrofe” que era sensacionalista e provocativo, como grande parte das notícias hiperpartidárias que tendiam à antecipação da eleição.

Uma pesquisa mais recente do Centro Shorenstein de Harvard mostra que o tráfego do Facebook continuou a diminuir significativamente para os editores após 1 novo algoritmo do Facebook mudar em janeiro de 2018.

TRANSPARÊNCIA ALGORÍTMICA

Até hoje, pesquisas sobre como o algoritmo do Facebook funciona foram limitadas pela falta de acesso a seu funcionamento interno. Não é suficiente investigar os efeitos das alterações no feed de notícias do Facebook. Acredito que é importante entender por que eles aconteceram e considerar as decisões de negócios do Facebook mais diretamente e como elas afetam a democracia.

Uma visão recente dos processos internos da empresa sugere que o Facebook está começando a entender seu poder. Este mês, a Bloomberg News revelou que a empresa havia implantado software em sua própria plataforma para procurar posts que retratassem o próprio Facebook em formas potencialmente enganosas, reduzindo sua visibilidade para proteger a reputação da empresa.

Alguns especialistas em direito internacional começaram a exigir leis para proteger as democracias contra a possibilidade de manipulação algorítmica poder gerar ganhos eleitorais. Não há provas de que as alterações do Facebook tenham tido intenções políticas, mas não é difícil imaginar que a empresa possa ajustar seus algoritmos no futuro, se quiser.

Para se proteger contra esse potencial, novas leis poderiam impedir mudanças no algoritmo nos períodos prévios antes das eleições. No setor financeiro, por exemplo, “períodos de silêncio” antes de grandes anúncios corporativos buscam evitar que os esforços de marketing e relações públicas influenciem artificialmente os preços das ações.


Proteções semelhantes para algoritmos contra manipulação corporativa poderiam ajudar a garantir que executivos politicamente ativos e influentes –ou qualquer outra empresa com controle significativo sobre o acesso dos usuários à informação– não podem usar seus sistemas para moldar a opinião pública ou o comportamento de voto.