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quinta-feira, 14 de março de 2019

EUA, China e a supremacia tecnológica


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Olá Alunos,

A notícias da vez trata dos recentes conflitos ocorridos entre China e os EUA e demonstra como cada um dos Estados mencionados vem se comportando e atuando em relação ao mercado tecnológico. 

Esperamos que gostem e participem.
Lucas Pessôa é monitor da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.


A prisão por ordem dos EUA da diretora da empresa chinesa Huawei no Canadá, Wanzhou Meng, na quarta-feira 5 e a resposta quase imediata de Pequim com a detenção na China de dois canadenses, o ex-diplomata Michael Kovrig na terça-feira 11 e o empresário Michael Spavor na quinta-feira 13, têm menos a ver com o motivo alegado por Washington, que seria a quebra do bloqueio comercial ao Irã pela subsidiária Skycom, ou com a disputa tarifária sino-estadunidense do que com uma guerra tecnológica inédita que apenas começou, interpretam vários analistas. A opção por uma ação espalhafatosa deve-se à necessidade de Trump jogar para o público interno desde a sua derrota na composição da Câmara que tornou mais próxima a possibilidade de impeachment, além do risco cada vez mais elevado de recessão no país devido a erros na condução da política econômica.

O cálice sagrado do embate é a tecnologia de ponta 5G (quinta geração), capaz de imprimir velocidade até 20 vezes superior à da atual 4G na transmissão de dados em redes sem fio, o que aumentará de modo exponencial o desempenho de produtos de consumo, aparatos de comunicação e de guerra que funcionam à base de circuitos eletrônicos, inclusive carros não tripulados, casas e cidades inteligentes e armamento digital de eficácia até hoje desconhecida. O assunto diz respeito, portanto, à contenda entre a primeira potência mundial e aquela aspirante a ocupar o seu lugar.

A Huawei é a maior companhia de telecomunicações do planeta e uma das principais no que se refere a tecnologia 5G e Wanzhou é filha do fundador da companhia, Ren Zhengfei. A executiva de 46 anos foi libertada pouco depois da prisão de Kovrig, na quarta-feira 12, mediante pagamento de fiança de 7,5 milhões de dólares, mas a Justiça canadense não lhe devolveu o passaporte e obrigou-a a usar tornozeleira. No dia seguinte a China prendeu em seu território outro canadense, conforme relatado acima.


Uma rápida pesquisa mostra que boa parte dos analistas ocidentais influentes e mesmo órgãos do governo dos Estados Unidos reconhecem o risco de o país ser ultrapassado em inovação e tecnologia de ponta, consequência do aumento exponencial dos investimentos no setor feitos pelo país asiático, ao suporte incondicional de Pequim à indústria e à pesquisa diante de um Estado hostilizado e cerceado pela sociedade nos EUA e à posse de metade do mercado mundial em seu próprio território. Esta condição resulta em um poder de barganha sem paralelo e que vem sendo usado com considerável sucesso para pressionar a transferência de tecnologia por parte de grupos ocidentais que não querem ou mesmo não podem abrir mão de participar do maior mercado do planeta, dada sua estratégia de posicionamento internacional.

Em artigo de março sobre a possibilidade de a China já ter ultrapassado os Estados Unidos em inovação, o Federal Reserve Bank de St. Louis destaca que o investimento chinês em pesquisa e desenvolvimento aumentou de 0,56% do PIB em 1996 para 2,06% em 2015, enquanto o dos Estados Unidos diminuiu de 2,44% para 0,3% do PIB no mesmo período.

A justificativa pública para a prisão de Wanzhou, de que a Huawei teria desrespeitado o bloqueio comercial imposto pelos EUA ao Irã, dificilmente se sustenta, argumentou o economista Jeffrey Sachs, da Universidade Colúmbia, em artigo no Project Syndicate. A captura da herdeira do fundador da Huawei no aeroporto de Vancouver, proveniente de Hong Kong em uma escala para o México, equivale, segundo Sachs, a “uma declaração de guerra dos Estados Unidos ao empresariado chinês” e expõe empresários estadunidenses no exterior a represálias do mesmo tipo, inclusive por parte de outros países. Várias empresas que burlaram os bloqueios americanos ao Irã, a Cuba e ao Sudão pagaram multas, mas não há precedente de encarceramento. “Os EUA atacaram a Huawei principalmente devido ao sucesso da empresa na comercialização mundial de tecnologias 5G de ponta”, dispara Sachs.

Segundo Geoffrey Garrett, decano da Wharton School, a Huawei exemplifica as duas maiores preocupações dos Estados Unidos em relação à China, e a primeira delas é a competição econômica. O objetivo declarado do país oriental é liderar o mundo em tecnologias avançadas que irão fortalecer a “internet das coisas”, a exemplo de inteligência artificial, robótica, computação quântica e redes móveis. A segunda preocupação é sobre a segurança cibernética e a guerra cibernética: se os chineses se tornarem um líder global em tecnologias avançadas, haverá o desenvolvimento simultâneo de capacidades sofisticadas utilizáveis nas futuras ferramentas de guerra.

Nesse cenário, não chega a ser uma surpresa que os EUA tenham banido a Huawei do mercado americano. Washington convenceu também, ou está se esforçando para convencer, os aliados próximos Austrália, Canadá e Reino Unido a se unirem a esse bloqueio e pressiona outras grandes economias lideradas pela Alemanha e pela União Europeia.

Segunda maior fabricante mundial de smartphones, atrás da Samsung, mas à frente da Apple e segunda maior supridora de roteadores de internet depois da Cisco, a Huawei produz com qualidade superior e a preços inferiores aos dos seus concorrentes estadunidenses e europeus e por esse motivo tem boa penetração nos mercados das economias emergentes.

“No mínimo, a Huawei é um grande concorrente comercial de empresas de tecnologia americanas tão diversas quanto a Apple, a AT&T, a Cisco e a Qualcomm. No máximo, a Huawei é uma grande ameaça à segurança cibernética não apenas para os EUA, mas também para países do mundo todo”, acredita Garrett.

A resposta da China a esse tipo de consideração é que o desenvolvimento de tecnologias avançadas não é uma ferramenta para aumentar suas capacidades militares, mas a melhor maneira de evitar a “armadilha de renda média” que estagnou muitas economias emergentes à medida que suas vantagens de custo diminuíram. A maneira de escapar dessa armadilha, dizem os estrategistas chineses, é concentrar-se em inovações de ponta, a começar pela adoção e adaptação de tecnologia gerada em outros lugares e, com o tempo, implementar mais tecnologia nativa por meio de pesquisa e desenvolvimento locais. Esse foi, cabe acrescentar, o caminho seguido não só por outros países subdesenvolvidos bem-sucedidos, a exemplo de Coreia e Taiwan, mas também por economias outrora atrasadas como o Japão.

A China discorda ainda, sublinha Garrett, da afirmação dos EUA de que está determinada a refazer a ordem internacional e a desafiar a liderança geopolítica americana. Pequim diz que sua estratégia internacional não tem como premissa a projeção da força militar internacional, mas sim a geoeconomia, ou seja, o desenvolvimento de relações de investimento e de ganhos mútuos no mundo todo. Um exemplo dessa orientação citado pelo governo são as Novas Rotas da Seda, o bilionário complexo marítimo, rodoviário e ferroviário de transporte e infraestrutura lançado em 2015 pelo presidente Xi Jinping e que amplia as conexões e o mercado do país asiático com o seu entorno, a Europa e o resto do mundo.

Os EUA frequentemente alegam que, se foram ultrapassados pela China nos gastos em pesquisa e desenvolvimento, isso se deve em muito ao apoio do governo e por isso a concorrência não é justa. Para o presidente do Massachusetts Institute of Technology, Rafael Reif, em vez de culpar o país asiático por gastar muito dinheiro em tecnologia avançada os Estados Unidos deveriam investir muito mais na Fundação Nacional da Ciência, na Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa (DARPA, na sigla em inglês) e em outras agências governamentais encarregadas do desenvolvimento da tecnologia americana.

A visão predominante no Brasil sobre a tecnologia 5G é de que se trata da versão mais avançada de uma tecnologia utilizada em telefones celulares, mas esta é apenas uma dentre inúmeras aplicações de importância estratégica, conforme detalhado acima. “É uma corrida disputada palmo a palmo com a China que está em nossos calcanhares no desenvolvimento de tecnologias 5G, principalmente por empresas como a Huawei. Temos uma vantagem com a empresa americana Qualcomm, que liderou consistentemente todas as transições de tecnologia de redes móveis anteriores e é a principal razão pela qual mantemos a dianteira nas tecnologias 5G em todo o mundo, embora possa ser dito que os EUA e a China estão constantemente se alternando na liderança”, resume Alice Joo, da empresa americana VMware. Os Estados Unidos, diz, recentemente bloquearam a aquisição da Qualcomm pela Broadcom, de Cingapura, porque perder aquela empresa permitiria aos chineses superar rapidamente os americanos na corrida da 5G.

O motivo da corrida, explica Joo, é que “a 5G servirá para estender ainda mais a conectividade avançada, muito além dos limites extremos ou “de ponta”. O resultado é o acesso à rede para bilhões de terminais, coleta de dados, controle de redes de energia e comunicações, suporte a redes de saúde e órgãos governamentais sensíveis. O potencial de retorno econômico é enorme, concordam inúmeros analistas. Empresas que possuem patentes podem ganhar bilhões de dólares em royalties. Os países com as maiores e mais confiáveis redes terão uma vantagem inicial no desenvolvimento de tecnologias habilitadas por velocidades mais rápidas.

Se há um ensinamento fundamental da experiência oriental para outros países em desenvolvimento ou emergentes é o planejamento de longo prazo articulado pelo Estado, conclui-se do estudo abrangente sobre a política nacional de inovação na China feito em 2010 pela insuspeita Câmara de Comércio dos Estados Unidos. O trabalho intitulado “A estratégia da China para a inovação nacional ‒ uma rede de políticas industriais” destaca a importância das metas definidas em 2006, assim formuladas pelo então primeiro-ministro Wen Jiabao: “Nós fundamentalmente temos de confiar em duas diretrizes principais: persistir na promoção da abertura e da reforma e persistir no progresso da ciência e tecnologia e no poder da inovação”. A inovação nacional, explica a Câmara de Comércio, é um plano massivo e complicado para transformar a economia chinesa em uma usina tecnológica em 2020 e em líder global em 2050. O colapso financeiro no Ocidente, diz o estudo, e a capacidade da China de manter alto crescimento convenceram os líderes desse país de que chegou a hora de avançar e criar regras universais e utilizar o mercado interno para construir empresas globais. Segundo o ex-primeiro-ministro Wen, ‘Somente usando o poder da ciência e da tecnologia a China, essa enorme arca, será capaz de produzir a incomensurável capacidade de permitir que ninguém pare nosso avanço para a frente’.”

As políticas, destaca o estudo Câmara de Comércio, incluem um mandato para substituir a tecnologia estrangeira em “infraestruturas centrais”, como sistemas bancários e de telecomunicações. “Isso significa produtos como circuitos integrados, software operacional, switches e roteadores, gerenciamento de banco de dados e sistemas de criptografia”, observam os autores do trabalho. Regras de patentes, testes de produtos, monopólios estatais, normas de competição, lei antimonopólio, política de compras governamentais e padrões industriais e tecnológicos, tudo isso foi reorientado para facilitar a retaliação doméstica por empresas chinesas que enfrentam processos de direitos de propriedade intelectual de concorrentes estrangeiros, retardar as importações estrangeiras, estudar projetos e processos de produção externos antes de os produtos ultrapassarem a fronteira, promulgar uma lei antimonopólio fixada em transações com o exterior, bloquear produtos não projetados e produzidos na China e barrar o mercado para a tecnologia de fora.

Um estudo divulgado em abril pelo Boston Consulting Group mostra que, apesar do aumento substancial dos gastos do governo estadunidense em pesquisa e desenvolvimento, os orçamentos maiores por si só não darão conta dos principais problemas enfrentados pelo setor manufatureiro dos EUA, se a forma como esses fundos são gastos não mudar. Há muito conflito, apontam os autores, no sistema de inovação dos EUA que retarda a tradução de avanços científicos e tecnológicos em produtos e processos comerciais. A parte do leão da pesquisa básica e aplicada é financiada pelo governo federal e conduzida nas universidades, enquanto a indústria se concentra predominantemente na pesquisa de desenvolvimento.

O atrito entre as empresas retarda a inovação em processos de fabricação avançados. Firmas que participam de consórcios de pesquisa público-privada dedicados ao desenvolvimento de novos processos relutam em colaborar e isso com frequência resulta em soluções estreitas demais para atender às necessidades de setores inteiros dos EUA ou que não são amplamente difundidas nas cadeias produtivas. Há também vários tipos de atrito entre companhias, comprometendo os esforços para traduzir pesquisas em processos inovadores. Um dos problemas é a relutância em colaborar, pois cada pesquisador vê o outro como competidor em vez de trabalharem por um interesse nacional futuro. As companhias relutam em cooperar para resolver problemas comuns da manufatura. Quando os fabricantes formam grupos de pesquisa, com frequência preferem trabalhar nas suas próprias instalações e compartilham pouco da sua inovação com outros participantes. Os fornecedores tendem a desenvolver soluções projetadas especificamente para determinadas tecnologias ou fabricantes. Os fabricantes relutam em colaborar com seus fornecedores em inovação de processo. “Como resultado, é difícil para os setores americanos estabelecerem padrões que reduzam custos, acelerem a implementação de novas tecnologias de fabricação e melhorem a eficiência em todo o ecossistema de manufatura”, conclui o BCG.

Enquanto isso, a China não para e lançou em agosto o primeiro satélite quântico do mundo, passo inicial para a criação de uma rede de comunicações impossível de ser invadida ou monitorada por hackers.

A consistência do avanço chinês deixa claro, por exemplo, o quão desinformada e simplista é a estratégia externa do futuro governo Bolsonaro que, ao alinhar-se de modo desnecessário à política de Trump, descarta o aproveitamento inteligente em benefício do Brasil das contradições entre as potências em luta titânica.

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