Olá alunos,
Hoje, apresentamos uma entrevista com Alicia Bárcena, economista mexicana e secretária executiva de CEPAL (Comissão Econômica para a America Latina e o Caribe). Durante a entrevista, pontos, como a expectativa econômica para 2019, bem como os desafios que irão se apresentar aos países da America Latina e que medidas são adequadas para superar-los, são abordados.
Esperamos que gostem e participem.
Lucas Pessôa, é monitor da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
Durante a apresentação do balanço econômico de fim de ano, em dezembro em Santiago (Chile), a chefa da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe(CEPAL), Alicia Bárcena (Cidade do México, 1952), falou de um cenário incerto e complexo, não muito animador e até pessimista. A explicação está em uma redução de aproximadamente 7% no preço dos produtos básico no próximo ano (2019) e um entrave do comércio mundial. De acordo com as projeções, revisadas pelo órgão prevendo uma diminuição, a América Latina nesse ano (2018) crescerá 1,2%, dois pontos a menos do que a média mundial. Para 2019 se espera um crescimento de 1,7%, com uma diferença significativa entre o México e a América do Sul, que cresceriam 2,1% e 1,4%, respectivamente. A responsável pelo braço das Nações Unidas ao desenvolvimento econômico na região fala de uma “mudança de ciclo”.
Pergunta. Quais são as características desse novo ciclo?
Resposta. Será marcado por uma maior valorização do dólar, o aumento das taxas de juros nos Estados Unidos e as tensões comercias e tecnológicas entre os Estados Unidos e a China. A dinâmica interna terá um papel menos importante e a região é muito condicionada pelo contexto externo, que pressiona os países por várias razões. Por exemplo, no pagamento de juros. Quando a política monetária baixou as taxas de juros, logicamente a vontade ao risco aumentou e ocorreu muito endividamento. Hoje em dia, portanto, a região tem mais dívida – pública e privada –, e muita pressão no pagamento de juros, que subiram junto com a valorização do dólar. É uma situação complicada, assim como a maior volatilidade financeira: agora o financiamento vai aos países desenvolvidos e existe mais dificuldade na região para se ter acesso ao crédito.
P. Quais são os efeitos das tensões comerciais entre os Estados Unidos e a China?
R. Fazem com que a região tenha muita pressão. Especialmente a América do Sul, muito dependente do que acontece na China, principal parceiro comercial do Brasil, da Argentina, do Chile. E a China hoje está desacelerando 6,6% em 2018 e 6,3% no ano que vem. As duas únicas economias que crescem que têm uma tendência de aumento nesse ano e no próximo são os Estados Unidos e a Índia.
P. Quais são as medidas internas que os países deveriam tomar diante desse cenário?
R. Os países têm instrumentos para poder enfrentar esse tipo de situação, como a taxa monetária, a política fiscal e o que fazem, por exemplo, com os salários mínimos. Se você diminui o salário mínimo, pode afetar o consumo privado, dos lares.
P. Qual sub-região será impactada pela diminuição dos preços dos produtos básicos?
R. A América do Sul, porque são países exportadores de alimentos, de petróleo, de hidrocarbonetos e, em geral, de minerais e metais. As variações serão menores, não serão tão grandes, mas causarão certo efeito da mesma forma. Isso se combina com a questão China, que terá menos demanda com preços menores.
P. As matérias-primas passaram a ser um problema ao crescimento da região?
R. O que acontece é que é preciso saber como processá-las e dar-lhes valor agregado. Um exemplo: Chile, Argentina e Bolívia têm 61% das reservas de lítio. Essa não é uma má notícia, pelo contrário, é uma excelente notícia. A má notícia é que não existem políticas públicas que permitam que essas matérias-primas sejam processadas e industrializadas em seu local de origem. O Chile e a Argentina poderiam se associar para explorar o lítio conjuntamente e criar uma plataforma industrial de baterias recarregáveis com investimentos europeus, chineses e latino-americanos. Seria, para mim, a grande conquista.
P. Dos produtos básicos, qual terá maior queda de preço?
R. O petróleo será, acho, o mais afetado de todos.
P. Como os latino-americanos devem enfrentar esse novo ciclo econômico?
R. A região ainda tem uma dinâmica de crescimento positivo. O consumo privado - o das famílias - continuará sendo um fator importante. Há países que estão dando predominância ao investimento, como é o caso do México. Existem outros países na mesma linha e, portanto, pode ser outro fator. Onde há mais incerteza é na parte comercial. O que se recomenda, portanto, aos países e aos lares? Eu diria que é economizar: controlar o gasto.
P. O que podem fazer as economias de países como o Chile, Argentina e Brasil contra a vulnerabilidade financeira?
R. Um país como o Chile tem muito a oferecer, porque tem uma institucionalidade sofisticada, um Estado de Direito respeitado no exterior, conta com a confiança dos mercados. O caso da Argentina é menos claro, porque não conseguiu sair dos problemas que teve e seu crescimento não tem boas previsões: diminuirá 1,8% em 2019, de acordo com nossas projeções. O Brasil é uma incógnita, mas se conseguir decolar um pouco mais e crescer 2%, pode ser importante à região. Pelo menos temos informação sobre o rumo que será tomado pelo Governo. O Brasil começa a retomar seu crescimento, mas com muitas dificuldades.
P. Qual é impacto dos anúncios de políticas neoliberais do novo Governo de Bolsonaro?
R. O Brasil vai crescer sendo carregado. Esse 2% não é um crescimento muito dinâmico e será impulsionado pelo investimento da Petrobras. Agora, o que ocorrerá com o consumo? Não sabemos se continuará melhorando ou não, isso depende da confiança. E ninguém sabe muito bem o que acontecerá no Brasil, se terá a confiança dos mercados ou não. Até agora o que se vê pela frente é uma política neoliberal – talvez com privatizações – que poderiam dinamizar a economia a curto prazo. Mas não sei se a médio e longo prazo será a solução. Já passamos por isso em outros países.
P. As medidas econômicas ao estilo Escola de Chicago não são as adequadas ao Brasil?
R. Sempre fomos muito claros: é preciso existir um equilíbrio entre o Estado e o mercado. Não poder ser tudo orientado pelo mercado, porque o mercado, por natureza, irá gerar desigualdade. E uma sociedade díspar e desigual não pode ter um crescimento sustentável a médio prazo. A desigualdade não é inaceitável somente do ponto de vista social e de direitos, é ineficiente do ponto de vista econômico. O Estado não deve ser o administrador de todos os bens produtivos, mas não achamos que as políticas extremamente neoliberais, ao estilo [Escola de] Chicago, sejam a solução. Além disso, o Brasil não precisa necessariamente de políticas tão neoliberais tendo um mercado interno tão grande. Não é o caso do Chile, que tem 17 milhões de habitantes, uma economia muito aberta ao exterior e, portanto, sua escolha de modelo de desenvolvimento talvez deva ser outra. No Brasil, México e Colômbia – países que têm um mercado interno forte –é preciso apostar mais em desenvolvimento do que em crescimento.
P. Como a senhora projeta a situação da Venezuela, que sofrerá uma contração de sua economia de 10%, de acordo com a CEPAL?
R. Existem coisas que são muito perigosas para o futuro, como a contração de 43% sofrida pelo produto em relação ao valor de 2013, a produção petrolífera que cai, a hiperinflação. Mas, ao mesmo tempo, vimos com interesse as 10 medidas econômicas tomadas pela Venezuela, que indicam o controle da taxa de câmbio, por exemplo. Essa foi uma medida muito concreta que é positiva.
O preço do petróleo, que foi positivo esse ano (2018), não continuará sendo tão positivo no próximo, ainda que por outro lado será preciso observar se terá algum resultado o fato de economias externas tentarem ajudar a Venezuela, como a China e a Rússia. Mas, definitivamente, a Venezuela precisa fazer uma mudança muito profunda em matéria econômica.
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