A chegada de venezuelanos no Brasil tem estampado manchetes devido às tensões entre moradores de Pacaraima (RR) e os estrangeiros. A situação da cidade fronteiriça e do Estado é descrita por moradores como crítica, à medida que migrantes pobres se instalam nas ruas, a sensação de insegurança aumenta e os serviços públicos ficam ainda mais sobrecarregados. A notícia de hoje discorre a respeito do tema e os principais desafios na inclusão desses migrantes no país.
Agradecemos a notícia sugerida pelos alunos: Isadora Janssen Santos, João Victor Soares da Silva, Pedro Victor, e Jomar.
Agradecemos a notícia sugerida pelos alunos: Isadora Janssen Santos, João Victor Soares da Silva, Pedro Victor, e Jomar.
Esperamos que gostem e participem.
Nathalia Marques e Lucas Pessoa são monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
Crises do tipo se repetem em diversas fronteiras onde o fluxo de refugiados é ainda maior. Mas, embora as tensões sejam latentes, a imigração pode representar oportunidade de desenvolvimento aos países que a recebem. De acordo com estudos e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, uma onda migratória, se for bem gerida, pode ser positiva.
Mundialmente os imigrantes correspondem a 3,4% da população, mas contribuem desproporcionalmente mais à economia, produzindo quase 10% de toda a riqueza mundial (PIB), aponta levantamento de 2015 da consultoria McKinsey. Imigrantes contribuem com US$ 6,7 trilhões à economia global - cerca de US$ 3 trilhões a mais do que teriam gerado se tivessem apenas permanecido nos países de origem.
Em países como a Suíça - onde há políticas de integração -, os imigrantes pagam mais impostos do que recebem de benefícios. Nesse caso o aumento líquido da arrecadação chega a até 2% do PIB, apontam dados da OCDE, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Outro estudo vai na mesma linha: uma onda migratória proporcional a 1% da população local resultaria em ganhos econômicos de até 4,35% no PIB per capita a esse local após uma década. A simulação, feita pelo professor Hyppolyte d´Albis, da Paris School of Economics, tomou por base dados compilados de 19 países, entre 1985 e 2015.
Mas tudo depende da forma como um governo irá receber esses imigrantes, explica a pesquisadora Cindy Huang, da organização Center for Global Development (CGD): "Se os imigrantes e refugiados são um peso ou uma oportunidade depende das escolhas políticas", diz.
"Garantir direito a trabalhar, a ter um negócio e a viajar livremente permite a eles que contribuam mais integralmente. Restringir o acesso ao trabalho ou à liberdade de movimento dificulta o potencial dos imigrantes de se tornarem contribuintes econômicos e consumidores e pode deixá-los dependentes de ajuda."
Questão de gestão
Um levantamento do Carnegie Endowment for International Peace reconhece que, quando imigrantes forçados chegam em grandes números a Estados frágeis, "pode haver perda de bem-estar social" temporária. Mas para que uma piora definitiva se materialize é necessário que o número de imigrantes seja "relativamente grande em relação à população local".
No caso do Brasil, vieram 50 mil venezuelanos até abril de 2018, segundo relatório de julho da Organização Internacional para Migrações (OIM). Trata-se de 0,024% de uma população de 208 milhões.
Um exemplo de boa gestão, a Suécia é um país de população pequena (9,6 milhões) que ainda assim recebeu uma onda migratória expressiva. Desde a virada do século, o país escandinavo acolheu 15 mil pessoas a cada ano no período entre 2000 e 2014. Esse influxo resultou em um crescimento de meio ponto percentual no PIB. Isso se explica porque os imigrantes aumentaram a população economicamente ativa, trazendo talentos complementares e se inserindo em segmentos onde havia déficit de mão de obra, aponta relatório da Delegação para Estudos da Imigração da Suécia.
"No caso da Suécia houve um forte investimento público em integração também porque estava claro que a maioria das pessoas iriam permanecer no país", explica Thomas Liebig, especialista em imigração na OCDE.
Como inserir migrantes em meio ao desemprego?
Há uma diferença entre refugiados e imigrantes econômicos: a definição clássica de refugiado é "o imigrante (que sofre de) fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas", diferentemente de um migrante que busca melhores condições econômicas. Mas a Acnur (agência da ONU para refugiados) já incorpora na definição de refugiados as vítimas de uma crise humanitária, com fome generalizada e a ausência de acesso a medicamentos e serviços básicos, que é o caso de muitos venezuelanos.
Arredondando os números da OIM, dentre os cerca de 50 mil venezuelanos que se encontram no Brasil, pouco menos de 33 mil se inscreveram para receber status de refugiados. Os restantes 17 mil solicitaram residência.
Entre os que chegaram ao Brasil no primeiro trimestre desse ano a maioria (71%) está na faixa etária economicamente ativa, tendo entre 25 e 49 anos, é do sexo masculino (58%) e possui nível educacional secundário (51%) e superior (26%), segundo a OIM.
Esse é justamente o perfil de indivíduo apto a se inserir produtivamente no mercado de trabalho. Mas como aproveitar 50 mil pessoas a mais em um Brasil que já regista 13 milhões de desempregados?
"Não é que simplesmente irá aumentar o número de desempregados. Essa não é a dinâmica. Essas são pessoas qualificadas, com demandas, e haverá atividade econômica criada ao redor disso, o que também pode gerar oportunidades", defende Liebig, da OCDE.
"Isso não quer dizer que não haverá problemas ou que será um êxito. O impacto vai depender muito da vontade de se investir em integração e o idioma é fundamental nisso", opina.
Hyppolyte d´Albis concorda: "Nossa perspectiva macroeconômica mostra que a imigração gera um aumento de demanda global que impulsiona a economia e reduz o desemprego."
"Além disso, a maioria dos imigrantes estão em idade de trabalhar e por isso ajudam a diminuir a taxa de dependência na maioria das populações, promovendo um dividendo demográfico que é benéfico às economias dos países receptores", argumenta d´Albis, em referência à proporção de trabalhadores ativos frente ao número crescente de aposentados.
"Ao contrário do que muitos temem, a maioria das pesquisas concluiu que os efeitos gerais de um influxo de refugiados sobre os salários e o desemprego é mínimo ou nulo", afirma Cindy Huang, do CGD.
Contribuintes líquidos
"Veja os Estados Unidos, por exemplo. Um estudo concluiu que refugiados se tornam contribuintes líquidos (ou seja, passam a gerar mais dinheiro em impostos do que o que recebem em benefícios estatais) à economia apenas oito anos após a chegada deles ao país", continua.
"Um relatório do departamento americano de Saúde e Serviços Humanos calculou que os refugiados contribuíram com US$ 63 bilhões a mais em renda ao governo do que custaram ao longo da última década", diz Huang.
Apesar de serem números oficiais, os dados do estudo ao qual ela se refere foram rechaçados publicamente pelo governo Donald Trump. Na prática, até 2016 o país vinha acolhendo grande número de imigrantes, tendo recebido mais de 290 mil venezuelanos naquele ano.
"É normalmente verdadeiro e os economistas tendem a concordar que os imigrantes contribuem proporcionalmente mais porque são mais jovens e estão na faixa etária economicamente ativa. Eles trazem novas ideias, novos talentos. Há de certa forma um consenso de que a contribuição deles à sociedade é positiva também pelo pagamento de impostos e arrecadação aos sistemas de segurança social", resume o pesquisador especialista em imigração Jasper Tjaden da OIM.
Política para dar retorno
Huang explica que, quando os refugiados chegam, precisam de assistência pública, mas que esse gasto é "um investimento que pode ser mais do que repago", porque com o tempo eles também passam a pagar impostos.
"Quão cedo e quanto os refugiados vão contribuir de volta em termos fiscais econômicos depende em grande parte de quão rapidamente eles conseguirão ser integrados ao mercado de trabalho do país anfitrião", diz.
Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmaram que casos bem-sucedidos de integração (como a Suécia e a Suíça) contaram com governos engajados, que promoveram, por exemplo, o ensino gratuito do idioma local, a promoção do acesso das crianças às escolas, o reconhecimento das qualificações acadêmicas dos imigrantes e a redistribuição dos imigrantes dentro do país.
"Pelo que já foi observado em outros países, a experiência nos mostra claramente que saber falar o idioma é a primeira coisa que você precisa para se integrar. Apoiar as pessoas nesse sentido é fundamental", aponta Liebig.
"Muitas vezes os cursos de idioma podem ser combinados com treinamento vocacional, para que as pessoas se encaminhem mais facilmente a um aperfeiçoamento local, ou um emprego", exemplifica Tjaden, da OIM.
"Investir na educação dos que buscam asilo e ajudá-los a se integrar ao mercado de trabalho rapidamente são as políticas-chave que precisam ser implementadas para que um país se beneficie", reforça d´Albis.
Para evitar sobrecarregar a região de Roraima, o governo brasileiro está redistribuindo os venezuelanos para outras regiões do Brasil. São Paulo, Cuiabá, Manaus, Brasília e Rio de Janeiro acolheram os imigrantes. Há planos de enviar 646 deles ao Rio Grande do Sul, para as cidades de Esteio e Canoas.
"Se alguém está fugindo de desastres, de guerra, você tem uma obrigação internacional de ajudar essas pessoas e de oferecer abrigo. Isso não deveria ser uma discussão econômica", opina Tjaden. "Antes de mais nada, é um dever moral e humano."