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terça-feira, 17 de julho de 2018

Democracia atrofiada x mercado financeiro hipertrofiado.


Olá Alunos,

A notícia que trazemos remete à atual conjuntura de intensificação das políticas de austeridade, acrescida de um lento ciclo de retomada da economia, no qual, uma parcela da população sofre maiores consequências. 

Esperamos que gostem e participem,
Nathália Marques e Lucas Thomaz - Monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.

O Brasil vem passando por um intenso processo de desmonte do Estado por meio de cortes nas políticas públicas de proteção social. Somam-se a isso a queda significativa do investimento e o desemprego em massa. Ainda que os cortes tenham se iniciado no governo Dilma Rousseff, no limiar de 2015, quando a presidenta sucumbiu às pressões do mercado financeiro e colocou um economista ortodoxo no Ministério da Fazenda, essa agenda é capitaneada e aprofundada por um governo imerso em escândalos de corrupção e que chegou ao mais alto cargo da institucionalidade política por meio de um golpe parlamentar revestido de uma faceta democrática. As medidas em curso jamais passariam pelo crivo da soberania popular, que se consubstancia no sufrágio universal e, portanto, no voto. Elas acentuam o divórcio entre a democracia representativa de massas e os interesses articulados e politicamente organizados do capital financeiro. Os mecanismos do rentismo público e da dívida pública transformaram o Estado brasileiro em mais um vetor do aumento do patrimônio dos mais aquinhoados.
Para a burocracia econômica do governo parlamentar, blindada e insulada das pressões democráticas, a viabilidade de curto prazo do Teto dos Gastos Públicos (Emenda Constitucional 95, ou Novo Regime Fiscal), que limitou os gastos sociais pelos próximos vinte anos e instituiu a austeridade perene, depende não apenas da reforma da Previdência, mas também de medidas como limitar os reajustes dos salários dos servidores públicos e revisitar as regras que corrigem o salário mínimo. Nesse sentido, segundo o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de 2018 da Instituição Fiscal Independente do Senado, publicado em maio, a economia brasileira operou cerca de 7,2 pontos percentuais abaixo de seu potencial, no quarto trimestre de 2017. A recessão de 2014-2016 foi a mais intensa, duradoura e com recuperação mais lenta nas últimas duas décadas. A margem fiscal deverá atingir seu valor mínimo para efeito de funcionamento dos ministérios e/ou operacionalização de políticas públicas já em 2019, quando devem ocorrer problemas para o cumprimento do Teto dos Gastos. Os resultados projetados apontam certa estabilidade das receitas líquidas em relação ao PIB, enquanto as despesas precisarão ajustar-se de 19,45% do PIB em 2017 para 15,03% do PIB em 2030. Caso o ajuste pelo lado dos gastos não ocorra, medidas alternativas com mesmo efeito fiscal terão de ser adotadas. A dívida bruta deve ainda avançar até 86,6% do PIB, em 2023, no cenário base-1 (básico), para então começar a cair paulatinamente (considerando-se que o ajuste fiscal seja mantido e aprimorado), ainda segundo a Instituição Fiscal Independente.
O corte total no grupo de despesas incluindo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), Minha Casa Minha Vida, subsídios e Fies foi de 30,3% em relação a 2016. O valor da redução é de R$ 25,6 bilhões, superior a todo o aumento de R$ 17,7 bilhões da despesa com pessoal, a segunda maior fonte de gastos federais verificados no ano passado. O montante cortado também é próximo aos R$ 32,6 bilhões pagos a mais nos benefícios previdenciários. Entre as rubricas com queda mais intensa está o PAC. O pacote de investimentos criado ainda no governo de Luiz Inácio Lula da Silva registrou queda de 32,2% nos gastos em 2017 – ou R$ 14,2 bilhões. Nessa rubrica estão também as despesas relativas ao Minha Casa Minha Vida. O programa habitacional teve redução de 56,1% no ano, ou R$ 4,7 bilhões (Valor Econômico, 2 fev. 2018). União, estados e municípios restringiram tanto seus orçamentos que o investimento público chegou a um dos menores patamares da história. Nos doze meses encerrados em março, o investimento federal totalizou R$ 30,2 bilhões – queda de 54% apenas na gestão de Michel Temer (Folha de S.Paulo, 20 maio 2018).
O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) desligou 392 mil famílias do programa Bolsa Família em abril, um mês antes do reajuste de 5,67% concedido a todos os beneficiários do programa e anunciado em cadeia de rádio e TV pelo presidente na noite do dia 30 de abril. Segundo o MDS, o Bolsa Família atingiu, em abril, 13.772.904 famílias, que receberam benefícios com valor médio de R$ 177,71. O valor total transferido pelo governo federal foi de R$ 2,44 bilhões. Em março, o número de famílias beneficiárias pagas foi de 14.165.038. Esse é o segundo maior corte da história do programa. O maior tinha ocorrido também na gestão Temer, quando 543 mil famílias foram cortadas entre junho e julho de 2017 (UOL Notícias, 1º maio 2018).
Entre as políticas de seguridade social (saúde, previdência e assistência social), a saúde aparece como a principal preocupação dos brasileiros, em todas as pesquisas sobre insatisfação da população, inclusive com os planos privados. Entre os motivos estão restrições orçamentárias, falta de prioridade política, grandes e pequenos problemas de gestão, questões legais e de agências reguladoras. Embora a saúde seja um problema crônico, o Teto dos Gastos Públicos e a incapacidade de estados e municípios ampliarem seus investimentos na área criaram um cenário crítico em 2018. Mesmo com o fato de terem sido antecipados 15% da receita corrente líquida da União para a saúde, já neste ano o sistema “entrará em colapso”, com a diminuição na capacidade de atendimento e de leitos, pois não há melhoria de gestão que resolva um problema tão profundo e estrutural. O valor gasto pelo país com saúde, porém, não é pequeno. Apesar de o desembolso público com o setor chegar a pouco mais de 3,9% do PIB, quando se somam nessa conta os gastos privados, o financiamento sobe para 9%. O percentual é idêntico ao da Itália e do Reino Unido e pouco abaixo do gasto por Alemanha e França, de 11% e 12%, respectivamente. Com um PIB menor, é claro.2
De acordo com a professora da UFRJ Lígia Bahia, falta uma política de Estado no tocante às prioridades da saúde, uma vez que não estão sendo dadas respostas aos problemas de saúde dos brasileiros, que têm péssimos indicadores e tendência de piora por conta do perfil demográfico e epidemiológico. Segundo ela, toda a contribuição da Previdência Social foi retirada da saúde pelo ministro da Previdência Social, Antonio Britto, durante o governo Itamar Franco (1992-1995). Isso levou depois o ministro Adib Jatene a pedir recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para a área e a inventar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Na verdade, por decisão política sempre foram retirados recursos da saúde, seja no governo Sarney, Itamar, Collor, FHC, Lula e Dilma.3
Ainda ligada aos números, outra distorção está no fato de que, apesar de receber a maior parte do financiamento, o sistema privado atende menos de 25% da população. O que poderia refletir apenas privilégio revela também uma enorme ineficiência, pois se estima que o desperdício de recursos em todo o sistema varie de 15% a 30%. Apesar de render votos e algum auxílio à população, a maior parte dos hospitais espalhados por pequenas cidades do país também é insustentável, já que, com menos de setenta leitos, os hospitais ficam inviáveis do ponto de vista econômico. Um grande desafio é redimensionar essa malha ineficiente, porque ter acesso a um posto de saúde não implica ter acesso à saúde.4
O aprofundamento da austeridade fiscal vem surtindo impactos funestos sobre o tecido social da debilitada democracia brasileira. Segundo dados da Pnad Contínua do IBGE, no primeiro trimestre de 2018 a taxa de subutilização5da força de trabalho subiu para 24,7%, o que representa 27,7 milhões de pessoas. Essa é a maior taxa de subutilização na série histórica da Pnad Contínua, iniciada em 2012. O contingente de subutilizados também é o maior da série histórica. Bahia (40,5%), Piauí (39,7%), Alagoas (38,2%) e Maranhão (37,4%) apresentaram as maiores taxas de subutilização; as menores taxas foram em Santa Catarina (10,8%), Rio Grande do Sul (15,5%), Mato Grosso (16%) e Paraná (17,6%). A taxa de desocupação do primeiro trimestre de 2018 no Brasil, divulgada em 27 de abril, foi de 13,1%. Assim, há 13,7 milhões de desempregados no país. O número de pessoas desalentadas em relação ao emprego é de 4,6 milhões; 6,1 milhões de trabalhadores estão empregados, mas gostariam de trabalhar mais horas; e 5,3 milhões de pessoas estão em busca de emprego há um ano ou mais.
Em quatro das cinco regiões, o percentual de empregados com carteira assinada está menor que no primeiro trimestre de 2017. No primeiro trimestre de 2018, 75,4% dos empregados no setor privado tinham carteira de trabalho assinada, 1,2 ponto percentual a menos que um ano antes. As mulheres permanecem minoria na população ocupada, uma vez que o nível de ocupação dos homens foi estimado em 63,6% e o das mulheres, em 44,5%, no primeiro trimestre de 2018. No primeiro trimestre de 2012, o contingente dos desocupados era de 7,6 milhões de pessoas, quando os pardos representavam 48,9% dessa população, com brancos (40,2%) e pretos (10,2%) a seguir. No primeiro trimestre de 2018, esse contingente subiu para 13,7 milhões de pessoas e a participação dos pardos passou a ser de 52,6%; a dos brancos reduziu para 35,2% e a dos pretos subiu para 11,6%. O número de desempregados de 14 a 24 anos de idade cresceu para 5,6 milhões de janeiro a fevereiro, 600 mil pessoas a mais em relação ao fim do ano passado (+11,9%), ainda segundo a Pnad Contínua.
Além do desemprego generalizado, dados da Pnad/IBGE, compilados pela Fundação João Pinheiro, indicam que o déficit habitacional é de pelo menos 6,3 milhões de moradias em todo o país, sobretudo nas maiores regiões metropolitanas: São Paulo e Rio (O Globo, 13 maio 2018). Mais de 11 milhões de brasileiros moram em favelas, cerca de 34 milhões não têm acesso a água potável e 96% das cidades não contam com um plano de transporte: essas são algumas das estatísticas que mostram o tamanho da distância entre a realidade do país e as metas que se comprometeu a alcançar ao se tornar signatário, em 2015, juntamente com outros 192 Estados, da Agenda 2030 da ONU. Com dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), desdobrados em 169 metas, a agenda estabelece avanços que os países devem fazer em temas como erradicação da pobreza, desenvolvimento sustentável de cidades, acesso a água limpa e saneamento. De forma geral, o Brasil está bem distante do cumprimento das metas por diversas razões, entre elas questões fiscais. Assim, o país corre o risco de voltar ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), do qual havia saído em 2014 (Valor Econômico, 15 mar. 2018).
Esta é a maior recessão pela qual passa o Brasil, aprofundada por um governo ilegítimo mediante a intensificação das políticas de austeridade e seguida do mais lento ciclo de retomada da história. Na linha de reflexão do sociólogo Wolfgang Streeck, o Brasil de hoje vive uma antinomia entre o povo do mercado (capital financeiro/investidores) e o povo do Estado (cidadãos eleitores), na qual o capital deixou de influenciar a política apenas indiretamente e passou a influenciá-la diretamente por meio do financiamento ou não do próprio Estado. Verifica-se, pois, um processo sem precedentes de depreciação das políticas sociais em nome da austeridade fiscal e da redução da dívida pública, que acentua a contradição entre o capitalismo financeiro e a expansão da cidadania.

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