Olá alunos.
A notícia de discute o crescimento da desigualdade a partir de relatórios do FMI, e como esse crescimento afeta a coesão social e o próprio crescimento econômico, além de fazer uma crítica a questão do Fundo ter, em mais de uma situação, reconhecido a problemática de seu receituário fiscal para os países em crise, mas não ter passado disso, ou seja, faz uma autocrítica que, no fundo, é vazia.
Gostaríamos de agradecer a colaboração do Grupo 5 Integral - Carolina Portella, João Felipe Viguier, Beatriz Portella, Beatriz Ligiero, Eleine Beatriz - pela contribuição da notícia.
Esperamos que gostem e participem,
Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
Em duas manifestações diferentes realizadas nos últimos dias, o Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou que a crescente desigualdade social é um fator desestabilizador para a coesão social e política dos países e também atrapalha o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) das nações.
Uma das indicações desta ideia pelo FMI está no texto Growth That Reaches Everyone: Facts, Factors, Tools ("Crescimento que atinge a todos: fatos, fatores e ferramentas", em tradução livre), publicado no blog do fundo em 20 de setembro. O documento é assinado por Rupa Duttagupta, vice-diretora do Departamento de Estudos Econômicos Mundiais do FMI, Stefania Fabrizio, segunda no comando do Departamento de Estratégia, Políticas Públicas e Revisão, e Davide Furceri e Sweta Saxena, economistas seniores do fundo.
No texto, o quarteto lembra que, nas últimas décadas, o crescimento da economia mundial elevou os padrões de vida e criou inúmeras oportunidades de emprego, tirando milhões da pobreza, mas destacam que a "desigualdade aumentou em diversas economias avançadas e permanece teimosamente alta em muitas que ainda estão se desenvolvendo". Isso é preocupante, lembram os economistas, pois pesquisas deixam claro que a persistente falta de inclusão social "pode afetar a coesão social e prejudicar a sustentabilidade do próprio crescimento".
O estudo destaca que a desigualdade salarial cresceu "fortemente" em muitos lugares e que no mundo desenvolvido isso se deu entre os anos 1990 e a metade dos anos 2000. Nas economias emergentes, a desigualdade salarial caiu em muitos países, mas ainda é muito alta. O Brasil é um exemplo evidente disso. Na segunda-feira 25, a ONG Oxfam Brasil mostrou que os seis brasileiros mais ricos detêm a mesma fatia da riqueza nacional que os 100 milhões mais pobres.
Além da desigualdade salarial, lembra o FMI, a falta de inclusão se manifesta por meio de acesso desigual a empregos e serviços básicos, como educação e saúde; por altas taxas de mortalidade em segmentos específicos da população (caso de jovens e negros no Brasil); pela falta de acesso ao sistema bancário e financeiro; e pela desigualdade de gênero, que "levou a diferenças persistentes em [níveis] de saúde, educação e renda entre homens e mulheres em grandes partes do mundo". Este também é o caso do Brasil, onde as mulheres trabalham em média 5 horas a mais que os homens e recebem 76% do salário.
O FMI lembra também que a tecnologia e a integração econômica trouxeram muitos benefícios a diversas economias, como aumento de produtividade e redução de preços, o que beneficiou os mais pobres, mas lembra que a tecnologia "aumentou a demanda quase que exclusivamente por trabalho qualificado, enquanto o comércio em algumas oportunidades deslocou os trabalhadores menos qualificados".
Os economistas afirmam que a resposta a esses problemas não é parar reformas que aumentem a produtividade e o crescimento, mas "focar em políticas que oferecem oportunidades para todos".
Entre os exemplos estão gastos em infraestrutura, como estradas, aeroportos, a malha energética e educação; a ampliação de acesso a serviços financeiros, o que facilita o consumo e o investimento; auxílio na busca por empregos; uma política fiscal que garanta crescimento inclusivo, reduzindo as desigualdades educacionais e de saúde entre diversos grupos, e que promova benefícios sociais, como transferências de renda para proteger os mais vulneráveis. Este último caso existe no Brasil, sob o nome de Bolsa Família.
Obstáculo para o crescimento
Cinco dias depois da publicação do artigos dos economistas, Tao Zhang, vice-diretor-gerente do FMI, destacou que a redução da classe média em economias avançadas, como os Estados Unidos, em meio ao aumento da desigualdade, está prejudicando o crescimento global. Ele fez as afirmações à agência AFP.
A previsão do fundo é que a economia mundial avance 3,5% em 2017, um patamar baixo em termos históricos. Para os EUA, a previsão é de 2,1%, mas Zhang lembrou que mais da metade das famílias norte-americanas têm rendimentos mais baixos do que tinham no ano 2000. Essa desigualdade de renda, afirmou Zhang, está pesando sobre o consumo global, reduzindo-o em cerca de 3,5% nos últimos 15 anos, disse ele. "Isso representa um importante obstáculo ao aumento da demanda", afirmou. "Todos nós estamos conscientes das ramificações sociais e políticas que acompanharam essas mudanças na distribuição da renda familiar", afirmou.
Assim como os quatro economistas do fundo, Zhang pediu programas específicos de assistência social, aumento da educação e formação profissional, salário mínimo mais elevado, apoio à assistência à infância, bem como maior assistência previdenciária aos pobres como formas de combater a desigualdade.
Mudança de postura?
O fato de o FMI destacar o papel deletério da desigualdade é significativo pois a instituição teve papel decisivo para desenhar as diretrizes da economia atual, como o foco prioritário no crescimento e a integração comercial.
Ao lado do Banco Mundial e do Tesouro dos EUA, o FMI é uma das instituições que compôs o chamado consenso de Washington que impôs um receituário único a diversos países que envolviam estabilização macroeconômica, abertura das economias ao comércio e aos fluxos de investimento e a expansão das forças de mercado na economia doméstica, por meio, por exemplo, de privatizações.
Este receituário, como o próprio FMI reconhece agora, produziu desigualdade e instabilidade política, um cenário para o qual diversos grupos políticos alertaram quando essas políticas começaram a ser aplicadas e seus efeitos, sentidos. Mais recentemente, muitos analistas colocam a crescente desigualdade como um dos fatores para o fortalecimento de alternativas políticas populistas, como Donald Trump nos Estados Unidos e o Brexit, no Reino Unido.
Em 2015, o FMI já havia alertado para os danos que a desigualdade trazia, com a publicação do documento Causas e consequências da desigualdade de renda em uma perspectiva global, assinado por cinco economistas. No relatório, o grupo contestava a ideia de que o enriquecimento dos mais ricos contagiaria o resto da sociedade, a chamada trickle down economics, base conceitual das políticas neoliberais que tomaram o mundo a partir das eleições de Margaret Thatcher e Ronald Reagan justamente por meio do FMI e do Banco Mundial.
No documento, os economistas defendiam políticas de distribuição de renda para retomar crescimento, como programas assistenciais e impostos sobre grandes fortunas.
Em 2016, o mesmo FMI trouxe novamente a questão à tona, com a publicação do artigo Neoliberalism: Oversold?, em sua revista trimestral Finance & Development. O texto aborda especificamente os efeitos de duas políticas neoliberais, a remoção das restrições ao movimento de capitais (liberalização das contas de capital) e a consolidação fiscal (“austeridade” para reduzir déficits fiscais e o nível da dívida) e reconhece que seu receituário tem efeitos nocivos no longo prazo, acentuando a desigualdade.
O fato de o FMI reconhecer o desastre das políticas que ajudou a implantar não significa, no entanto, que elas vão retroceder. Após a publicação do artigo Neoliberalism: Oversold?, CartaCapital entrevistou o sociólogo alemão Wolfgang Streeck, autor do livro Tempo Comprado: A Crise Adiada do Capitalismo Democrático, no qual discute as causas e efeitos da crise de 2008.
Streeck destacou que o artigo era uma "expressão da impotência" do fundo diante da crise econômica. "Não há nada ali que possa ser uma sugestão para substituir o neoliberalismo como regime de acumulação de capital – e acumulação de capital é do que se trata o capitalismo", afirmou. Para Streeck, estamos em um mundo "no qual as velhas receitas não estão funcionando mais, embora, ao mesmo tempo, não tenhamos novas receitas plausíveis ou viáveis".
"O FMI sempre insiste na ideia de que os países devem honrar suas obrigações com os credores e não seria possível ser de outra maneira. Mas isso pode ser feito de duas formas: cortando gastos com os cidadão (austeridade!) ou estimulando o crescimento econômico", afirmou. "Na ausência de crescimento econômico, o FMI sempre irá pregar o caminho da austeridade. E uma vez que ninguém sabe como restaurar o crescimento econômico em condições socialmente aceitáveis, artigos como este, que parecem fascinantes, não passarão de artigos de pesquisa", disse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário