Olá alunos,
A matéria de hoje procura mostrar um breve panorama da concentração bancária no Brasil e apontar alguns "culpados" por tal situação.
Esperamos que gostem e participem.
Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
Ramon Reis e Lauro Monteiro, monitores da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
5
instituições detêm 4 de cada 5 reais movimentados, e isso é ruim para clientes,
dizem analistas
Quando você pensa em bancos no Brasil, normalmente apenas quatro
ou cinco nomes vêm à cabeça.
Itaú Unibanco, Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal
e Santander respondem, juntos, por R$ 4 de cada R$ 5 movimentados no país. O R$
1 restante é dividido entre cerca de 150 instituições, que normalmente atuam em
áreas específicas, como financiamento de carro ou empréstimo para médias
empresas.
A concentração bancária, que está no nível mais alto da história,
é uma das razões pelas quais as famílias e pequenas empresas têm dificuldade
para conseguir empréstimos, pagam taxas de juros altas, contam com poucas
opções de investimentos e pagam caro por serviços bancários em geral, dizem
especialistas.
O Banco Central considera que o país tem concentração
"moderada", mas, para o FMI, o Brasil está acima da média mundial. A
Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) diz que o predomínio de poucas
empresas é resultado das regras mais rígidas, mas ainda é menor que em países
desenvolvidos.
Entenda por que esse movimento de concentração do setor financeiro
ganhou força não apenas no Brasil, mas no mundo todo, nos últimos anos.
Concentração
em nível recorde
Em 17 anos, desde 2000, a concentração bancária no Brasil pulou de
50,4% para 72,4%, segundo dados do Banco Central.
Em dezembro de 2016, de todos os bens e recursos das instituições financeiras
comerciais, 72,4% estavam nas mãos dos quatro maiores bancos do país: Banco do
Brasil, Itaú Unibanco, Caixa Econômica Federal e Bradesco.
Se forem consideradas apenas as operações de crédito, a
participação desses quatro grandes é ainda maior: de 78,99%. Eles também
respondem juntos por 78,5% do total de dinheiro depositado nas contas, e são
donos de 75 de cada 100 agências espalhadas pelo país.
Para FMI,
concentração no Brasil é maior que no mundo
Um relatório divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em
2014 aponta que o movimento recente de consolidação do setor bancário no país
levou o Brasil a ficar próximo dos países com maior concentração no mundo.
O estudo, que leva em conta a quantidade de recursos controlada
pelos três maiores bancos de cada país, aponta o Canadá, a França e a Espanha
como países de alta concentração. Neles, a participação dos três bancos líderes
supera 60% dos recursos do setor.
"O sistema bancário da Espanha se resume praticamente a dois
grandes bancos: o Santander e o BBVA", diz o professor Ricardo Rocha, do
Insper.
A média mundial de concentração bancária, segundo o FMI, é de 40%,
tanto nas economias avançadas como em países emergentes. No Brasil, o relatório
mostra que a concentração de recursos dos três maiores saltou de 35%, em 2006,
para 55%, em 2014.
Especialistas
apontam oligopólio e má distribuição
Para o professor Ricardo Rocha, do Insper, o nível de concentração
no Brasil é "alarmante". "Estabeleceu-se quase um oligopólio. É
um mercado sem competição", afirma.
Segundo ele, os efeitos são sentidos por consumidores e empresas.
"Esse problema atinge diretamente as pessoas físicas e os pequenos
empresários. Se você precisa abrir uma conta ou pedir um empréstimo, não tem
muita alternativa. Vai acabar tendo que recorrer a um desses bancos."
Com menos concorrência, a oferta de crédito, de produtos e serviços
é menor, e as taxas tendem a ser mais altas, diz Rocha. "Estamos em um
momento de retomada da economia. Se houvesse o dobro de bancos, certamente esse
processo seria mais rápido. Como não há concorrência, um banco fica observando
o que outro vai fazer e o crédito não deslancha. Num mercado concentrado, é
mais fácil você controlar os passos do seu concorrente."
Para o professor Marcio Pochmann, da Unicamp, as dimensões
continentais do Brasil e as grandes diferenças regionais justificariam um
sistema bancário descentralizado, como acontece nos Estados Unidos. "Os
bancos são o meio para o desenvolvimento de um país. O ideal seria que
tivéssemos mais bancos estaduais e municipais, voltados para as necessidades de
suas regiões."
A predominância de bancos com cobertura nacional acaba
privilegiando as regiões mais ricas do país, que são mais rentáveis para as
instituições. "Você acaba tendo um deslocamento da poupança nacional. As
regiões mais pobres recebem pouco investimento porque o crédito para as empresas
nessas áreas fica mais caro e difícil de obter", diz Pochmann.
Concentração
começou na crise de 1929
O movimento de concentração bancária não é exclusividade do
Brasil, nem é um fenômeno recente. Segundo o professor Luís Braido, da Escola
Brasileira de Economia e Finanças (FGV/EPGE), ela vem ocorrendo no mundo, com
momentos de maior ou menor intensidade, desde a crise financeira de 1929.
"Sistemas concentrados são mais seguros. São mais fáceis para
o governo controlar e fiscalizar. Em momentos de crise, você consegue saber
mais rapidamente a situação real de cada banco, quem deve para quem",
afirma Braido.
Ele lembra que bancos menores normalmente despertam maior
desconfiança dos clientes sobre o risco de quebra. Por isso, essas instituições
tendem a sofrer mais diante de uma corrida para sacar dinheiro. "Em 1929,
você tinha uma estrutura muito pulverizada nos Estados Unidos, com muitos
bancos de atuação municipal ou regional, que acabaram não resistindo aos saques
em massa."
A última grande onda de consolidação do setor financeiro mundial
ocorreu durante a crise global de 2008, com a quebra do Lehman Brothers,
o quarto maior banco dos EUA na época. O governo americano foi obrigado a
socorrer outras instituições consideradas "grandes demais para
quebrar", além de estimular fusões, para evitar uma crise ainda maior, diz
o professor. Outros países, principalmente na Europa, também tiveram que
injetar dinheiro nos seus sistemas bancários para evitar que a crise se
espalhasse.
Legislação
rígida dificulta abertura de bancos menores
As diversas crises financeiras registradas ao longo da história
levaram os governos a endurecer as regras e intensificar a fiscalização dos
bancos para evitar quebras generalizadas. Uma das regras mais conhecidas é o
Acordo da Basileia, um conjunto de medidas que exige que as instituições tenham reservas mínimas de capital dinheiro para
fazer frente ao volume de empréstimos. O primeiro acordo foi firmado em 1988 na
cidade de Basileia, Suíça. Outras duas versões complementares do acordo foram
feitas em 2004 (Basileia II) e 2008 (Basileia III).
Todo banco é obrigado a seguir o Acordo de Basileia, bem como
todas as regras determinadas pelo Banco Central. Para isso, a instituição
precisa manter rígidos sistemas de controle interno e gestão de risco, além
equipes dedicadas exclusivamente a fazer auditorias frequentes para conferir se
todas as regras estão sendo cumpridas.
Manter toda essa estrutura é caro, o que acaba representando uma
barreira para abertura de bancos menores, afirma o professor Ricardo Rocha, do
Insper. "É o que o chamamos de Custo de Observância. Esse custo tem
aumentado nos últimos anos porque as normas estão cada vez mais rígidas para
garantir a estabilidade do sistema."
O professor Luís Braido, da FGV/EPGE, diz que o Custo de
Observância é uma das razões que explicam a tendência mundial de consolidação
do setor bancário. "Está cada vez mais difícil para os bancos pequenos
arcarem com esses custos e ainda se manterem rentáveis."
Crédito
depende de recursos públicos
A concentração aumenta o nível de segurança do sistema bancário
porque minimiza principalmente o risco de pequenas instituições quebrarem em
momentos de crise ou de grande desconfiança no mercado. Por outro lado, uma
menor quantidade de bancos restringe as opções para empresas e pessoas
conseguirem empréstimos para consumir ou investir na produção.
"O Brasil passou do ponto. Temos um sistema muito seguro, mas
sem oferta de crédito adequada para viabilizar o crescimento econômico",
afirma o professor Luís Braido, da FGV/EPGE.
"Não há bancos privados oferecendo crédito próprio em larga
escala. A participação deles é limitada praticamente ao repasse de recursos
públicos do BNDES, do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador] ou do FGTS [Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço]. Apenas os bancos públicos possuem crédito
direcionado. O Banco do Brasil domina sozinho o agronegócio. A Caixa responde
por quase 80% do crédito habitacional, com uma pequena competição dos privados
nesse segmento."
Plano real e
privatizações enxugaram setor na década de 90
Existem hoje pouco mais de 150 instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central a atuar no país. Na década de 1960, o número de bancos era o dobro. A quantidade caiu principalmente ao longo dos anos 1990, com a quebra de diversos bancos após a criação do Plano Real e o movimento de privatização dos bancos estaduais.
Nos anos 1980 e início dos 1990, muitos bancos viviam basicamente
de ganhos financeiros decorrentes da hiperinflação, investindo no chamado
"Overnight" o dinheiro que os correntistas deixavam parado nas contas
de um dia para o outro. Esse tipo de aplicação chegou a render 2% ao dia.
Com a estabilidade econômica gerada pelo Plano Real, os bancos
foram obrigados a buscar outras fontes de recursos, como as tarifas de
serviços, a melhorar sua eficiência e também oferecer empréstimos com margens
de ganho maiores. Mas muitas instituições não conseguiram se adaptar à nova
realidade do país. Diversos casos de fraudes também foram descobertas nessa
época, como a do Banco Econômico.
O governo injetou cerca de R$ 16 bilhões em valores da época para
salvar os bancos mais importantes e evitar o colapso do sistema. Por meio do
Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro
Nacional, o Proer, o governo saneou as instituições e estimulou a venda dos
ativos para outros bancos.
Entre os bancos mais conhecidos na época, o Nacional, que tinha o
piloto Ayrton Senna como garoto-propaganda, terminou nas mãos do Unibanco, em
1995, e o Bamerindus foi vendido para o HSBC, em 1997.
Também houve na década de 1990 um intenso processo de privatização
de bancos estaduais. Da mesma forma que os bancos privados, os estaduais
sofreram com o fim dos ganhos gerados pela hiperinflação até 1994. Juntos, eles
respondiam por 17,6% dos recursos do sistema bancário nacional em 1996.
Para evitar uma quebra generalizada, o governo adotou a mesma
estratégia de salvação dos bancos privados e criou, em 1996, o Programa de
Incentivo à Redução da Presença do Estado na Atividade Bancária (Proes). As
instituições estaduais foram saneadas e depois leiloadas para a iniciativa
privada. O maior banco estadual na época, o Banespa, foi comprado pelo
Santander em 2000 por R$ 7 bilhões.
Bancos
estrangeiros erraram a mão e foram embora
Muitas instituições estrangeiras tentaram se estabelecer aqui, mas
não resistiram às peculiaridades do sistema bancário brasileiro e acabaram
deixando o país. Os casos mais recentes são do HSBC, que vendeu sua filial
brasileira para o Bradesco, e do Citibank, que transferiu a área de banco de
varejo no país para o Itaú Unibanco.
Para os especialistas, a saída de bancos estrangeiros pode ser
explicada por uma combinação entre erro de estratégia de atuação no país com
mudanças de planos em escala global, muitas vezes para privilegiar países com
maior potencial de crescimento do que o Brasil.
“Citi e HSBC sempre foram bancos de perfil elitista no Brasil.
Atuavam para um público classe A, em grandes cidades. Não é um clientela ruim.
O problema é que eles tinham que enfrentar a concorrência dos bancos nacionais
nesse segmento, que é um dos mais disputados do Mercado”, afirma o professor
Luís Braido, da FGV/EPGE.
Fintechs,
concorrência ainda tímida a grandes bancos
As pessoas que buscam alternativas aos serviços dos grandes bancos
podem recorrer às chamadas fintechs, empresas de tecnologia que oferecem
produtos bancários, como cartões de crédito, empréstimos e contas totalmente
digitais.
“As fintechs ainda são uma novidade e possivelmente representarão
um novo horizonte para o setor bancário daqui a algum tempo”, diz o professor
Marcio Pochmann, da Unicamp. “Elas estão se especializando em áreas em que os
bancos não têm atendido à demanda adequadamente e provavelmente provocarão uma
adaptação de todo o sistema.”
Por exemplo, o Banco Neon, uma das fintechs mais conhecidas, é
apenas a 84ª maior instituição financeira do país, Segundo o ranking do Banco
Central.
O professor Ricardo Rocha, do Insper, afirma que as fintechs ainda
são pouco representativas dentro do universo bancário brasileiro. “Elas ainda
não são um fator de oposição aos bancos tradicionais. Mas representam um passo
interessante. É preciso observar como será a evolução delas nos próximos anos.”
(Matéria editada, para saber mais, clique no "link original")
Nenhum comentário:
Postar um comentário