Olá alunos,
A notícia de hoje retoma a votação pelo plenário da Câmara, na qual foi aprovada em
segundo turno a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, principal aposta do governo Michel Temer para colocar as contas públicas em ordem.
Esperamos que gostem e participem.
Palloma Borges, monitora da disciplina "Economia Política e Direito" da Universidade Federal Fluminense.
Nesta segunda votação, foram 359 votos a favor, 116 contra e 2
abstenções, um apoio ligeiramente menor em relação à sua aprovação em
primeiro turno, no início de outubro, quando a medida recebeu 366 votos a
favor. Eram necessários 308 votos para que o texto fosse passasse.
Agora,
os deputados votarão seis destaques que alteram o texto da emenda. Uma
vez concluída esta etapa, a PEC 241 seguirá para o Senado, onde deverá
ser apreciada a partir da próxima semana e novamente debatida. Desta
vez, serão necessários 49 votos a favor dos 81 senadores.
A medida
vem causando muita polêmica por estabelecer um teto para o crescimento
das despesas do governo federal e, assim, congelar os gastos durante 20
anos e alterar o financiamento da saúde e da educação no Brasil.
Por
um lado, a PEC é considerada necessária para reduzir a dívida pública
do país - que está em 70% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma das
riquezas produzidas) - e tirar a economia da crise fiscal. Por outro, é
vista como muito rígida e acusada por criticos de ameaçar direitos
sociais.
Afinal, o que está em jogo com a aprovação do texto?
A BBC Brasil ouviu economistas para explicar o que diz a proposta e quais são seus pontos mais debatidos.
O que diz a PEC?
A
PEC 241 fixa para os três poderes - além do Ministério Público da União
e da Defensoria Pública da União - um limite anual de despesas.
Segundo
o texto, o teto será válido por vinte anos a partir de 2017 e consiste
no valor gasto no ano anterior corrigido pela inflação acumulada nesses
doze meses.
A inflação, medida pelo indicador IPCA (Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), é a desvalorização do dinheiro,
ou seja, o quanto ele perde poder de compra em determinado período.
Dessa
forma, a despesa permitida em 2017 será a de 2016 mais a porcentagem
que a inflação "tirou" da moeda naquele ano. Na prática, a PEC congela
as despesas, porque o poder de compra do montante será sempre o mesmo.
Caso
o teto não seja cumprido, há oito sanções que podem ser aplicadas ao
governo, inclusive a proibição de aumento real para o salário mínimo.
Mais
do que colocar as contas em ordem, o objetivo da PEC, segundo o
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, seria reconquistar a confiança
dos investidores. A aposta da equipe econômica é que a medida passe
credibilidade e seja um fator importante para a volta dos investimentos
no Brasil, favorecendo ocrescimento.
O teto ameaça saúde e educação?
Um
dos principais questionamentos é que, ao congelar os gastos, o texto
paralisa também os valores repassados às áreas de saúde e educação, além
do aplicado em políticas sociais. Para esses setores, a regra começa a
valer em 2018, usando o parâmetro de 2017.
A mudança foi incluída
no relatório feito pelo deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator da
proposta na comissão especial da Câmara.
Segundo os críticos, tais restrições prejudicariam a qualidade e o
alcance da educação e da saúde no país. Hoje, os gastos com esses
segmentos podem crescer todo ano. As despesas com saúde, por exemplo,
receberam um tratamento diferenciado na Constituição de 1988, a fim de
que ficassem protegidas das decisões de diferentes governos.
A
regra que vale hoje é que uma porcentagem mínima (e progressiva) da
Receita Corrente Líquida da União deve ir para a saúde. Essa
porcentagem, de 13,2% neste ano, chegaria a 15% em 2020. Como a
expectativa é de que a receita cresça, o valor repassado também
aumentaria.
No relatório da PEC, esses 15% foram adiantados para 2017 e então ficariam congelados pelo restante dos 20 anos.
Críticos e defensores
Para o professor de economia da Unicamp Pedro Rossi, essas mudanças afetam sobretudo os mais pobres.
"A
população pobre, que depende mais da seguridade social, da saúde, da
educação, vai ser prejudicada. A PEC é o plano de desmonte do gasto
social. Vamos ter que reduzir brutalmente os serviços sociais, o que vai
jogar o Brasil numa permanente desigualdade", diz.
Rossi diz que a
medida não faz parte de um sistema de ajuste fiscal, mas de um projeto
de país no qual o governo banca menos as necessidades da população.
Para
a professora da PUC-SP Cristina Helena de Mello, é inadequado colocar
um teto para os gastos com saúde, porque não dá para prever como os
atendimentos vão crescer.
"Você pode ter movimentos migratórios
intensos, aumento da violência e das emergências, aumento dos
nascimentos. Vai ter hospital superlotado, com dificuldade para
atender."
Segundo a professora, com a PEC, o acesso das próximas
gerações a esses serviços públicos fica comprometido. "Estamos
prejudicando vidas inteiras."
No meio do caminho entre grupos
contrários e favoráveis, a professora da FGV Jolanda Battisti diz que
entende as posições críticas à PEC, mas pondera que é necessário
escolher entre "dois males".
Muitas pessoas nesse debate não enxergam o dilema real: se não contermos a crise agora, a inflação vai aumentar muito."
Ela
diz que o país está à beira de uma crise fiscal. Se o governo não
consegue aumentar a receita para pagar os juros de sua dívida nem cortar
gastos, explica Battisti, ele precisa pressionar o Banco Central a
imprimir mais dinheiro - e a inflação sobe.
De acordo com a
professora, o tamanho do prejuízo na saúde e na educação vai depender de
como os cortes serão feitos. Se eles atacarem a máquina burocrática, e
não as escolas, podem ser menos danosos. O importante, diz, é preservar a
ponta: a sala de aula.
O que preocupa Battisti é o perfil dos cortes propostos até agora pelo governo.
"Na
minha percepção, os congelamentos que estão acontecendo atingem as
transferências para a população, como o seguro-desemprego, e não os
gastos correntes, como os salários de funcionários públicos. Isso é
muito ruim, porque as pessoas precisam dessa garantia para pagar seus
compromissos. É uma coisa que numa economia avançada seria impensável."
No entanto, há quem acredite que os cortes serão feitos da forma correta, melhorando a gestão dessas áreas.
O
professor de Economia do Insper João Luiz Mascolo afirma que não é uma
questão de quantidade de dinheiro, mas de colocá-lo no lugar certo. Para
ele, não faltam recursos, falta boa administração.
O coro é engrossado pelo economista Raul Velloso, para quem "o Brasil sempre gasta mais do que precisa".
"A
gente tem muita gordura no gasto. Se queimar essa gordura, está de bom
tamanho. E estamos partindo de uma base que não é assim tão pequena.
Numa situação tão complicada, crescer pela inflação, variável constante,
não é uma coisa tão apertada."
Ele argumenta que, no relatório
apresentado à comissão especial da Câmara, saúde e educação receberam um
tratamento especial, com o teto valendo a partir de 2018. Isso daria
uma "folga inicial" na aplicação da regra.
Mesmo se o dinheiro for insuficiente em algum ponto, Velloso e
Mascolo dizem que valores podem ser retirados de outros setores para
cobrir essas necessidades. Além disso, afirmam, o período de dez anos -
depois do qual o presidente pode propor mudança no formato da correção -
não seria assim tão longo.
"As pessoas esquecem é que o gasto
(afetado) é global. A mensagem central é que o gasto total da União não
cresça mais do que a inflação. É uma tentativa de organizar as contas.
Tem a possibilidade de alterar em dez anos. É um sinal de que vão
conseguir retomar o controle da dívida em uma década".
Vinte anos é um bom prazo?
Outro
ponto de discussão é a duração da PEC. Para uns, ela é uma medida muito
rígida para durar tanto tempo, e deveria ser flexível para se adaptar
às mudanças do país. Para outros, um período tão extenso passa a
mensagem de que o Brasil está comprometido com o equilíbrio das contas.
A
professora Cristina de Mello, da PUC-SP, faz parte do primeiro grupo.
Ela diz que, se houver uma queda abrupta da arrecadação, por exemplo, a
dívida aumentaria, porque os gastos serão congelados em um patamar alto.
Segundo
Mello, o argumento de que uma medida de longo prazo passa mais
credibilidade é falacioso. Isso porque, se antes do prazo de dez anos, o
governo precisar mexer em alguma regra, a PEC gerará desconfiança.
"Se
daqui a alguns anos, for necessário fazer um gasto maior e mudar o
índice de inflação por outro mais confortável, vai haver descrença. Por
que escolheram esse critério e não outro? Pode haver maquiagem de
dados."
Após a aprovação em primeiro turno na Câmara, o presidente
Michel Temer disse, em entrevista à Globonews, que o prazo poderá ser
revisto em "quatro, cinco ou seis anos", a depender da situação do país.
"Fixamos
20 anos, que é um longo prazo, com revisão em dez anos. Mas eu
pergunto: não se pode daqui quatro, cinco, seis anos; de repente o
Brasil cresce, aumenta a arrecadação e pode se modificar isso? Pode.
Propõe uma nova emenda constitucional que reduz o prazo de dez anos para
quatro, cinco", disse Temer.
O economista Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do
Ministério do Planejamento (governo Sarney) aposta na revisão desse
período do futuro.
"Se chegarmos a conclusão de que é muito longo
e a dívida já diminuiu, revemos. Mas agora estamos numa crise muito
séria, não podemos arriscar. É um tiro só."
Anti-democrática?
Ao tirar o Congresso dessas decisões, o professor Pedro Rossi, da Unicamp, considera a medida antidemocrática.
"O Congresso não vai poder moldar o tamanho do orçamento. Por consequência, a sociedade também não."
Cristina
de Mello avalia que o texto pode ser também uma estratégia para não ter
que aprovar o orçamento no Congresso todos os anos, como acontece hoje.
"Imagina se tiver uma catástrofe, uma epidemia de zika, que vai
exigir gastos maiores. A sociedade vai pressionar o governo e ele vai se
resguardar no teto, podendo cortar outras coisas. É uma estratégia de
negociação."
Holandesa, a professora da FGV Jolanda Battisti diz
que o teto é uma referência de inovação e é aplicado em países como
Holanda, Finlândia e Suécia.
No entanto, pondera, lá tem um prazo
de três ou quatro anos que é discutido nos ciclos eleitorais, promovendo
debates frequentes sobre as contas públicas.
Para ela, o governo
está "comprando tempo" para colocar a dívida sob controle. Um plano de
longa duração, afirma, substitui ações mais drásticas, como aumentar
impostos ou cortar despesas imediatamente, o que poderia agravar o
desemprego.
O professor do Insper João Luiz Mascolo argumenta que
vai levar alguns anos para que alcancemos o superavit primário
(dinheiro que sobra nas contas do governo e serve para pagar os juros da
dívida). Hoje, temos deficit primário, ou seja, não sobra dinheiro.
"Ainda
vamos ter um pico antes da dívida começar a cair. Por isso a PEC é
longa, tem uma inércia nessa conta. Ela não vai trazer o deficit para
zero em um ano."
Havia outras opções?
A
necessidade do Brasil de arrecadar mais do que gasta é um consenso
entre os economistas. Mas ele discordam sobre a melhor forma de fazê-lo.
O teto de 20 anos é a melhor escolha?
Para Mascolo, do Insper, sim.
Ele
diz que já era hora de focar nos gastos do governo. Antes, a situação
fiscal era analisada pelo superavit primário (o quanto sobra nas contas
para pagar os juros da dívida). Quanto maior o resultado do superavit,
melhor a situação fiscal.
"Finalmente o governo decidiu atacar as
despesas. A receita fica em aberto, mas a premissa é que a economia vai
crescer e você vai arrecadar mais."
Outra opção à PEC, segundo a
professora Cristina de Mello, seria reduzir as despesas com juros, que
em 2015 ficaram em R$ 367 bilhões. O número é o mais alto da série
histórica da Secretaria do Tesouro Nacional, iniciada em 2004.
Os
juros são pagos para as pessoas que compram títulos públicos, uma forma
de investimento que serve para o governo arrecadar dinheiro. Quando
alguém compra um título, esse valor foi para o governo. Em
contrapartida, depois de um tempo, ele paga juros a essa pessoa, o que
representa o rendimento do papel.
"Esse gasto não está na PEC. A
Alemanha, por exemplo, tem uma dívida muito alta e o esforço que fizeram
foi diminuir as despesas com os juros, não com o bem-estar social."
Para
Pedro Rossi, da Unicamp, o aumento dos impostos seria uma forma de
aumentar a arrecadação e melhorar as contas. Ele diz que as grandes
fortunas não são taxadas e, com a PEC, essa discussão se perde. Rossi
nega o argumento de que não haveria um clima favorável para abordar a
alta de impostos.
"Há um travamento do debate de maneira
autoritária. Você tem ambiente político para destruir gasto social, mas
não dá para rever carga tributária?"
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