Olá alunos,
A notícia de hoje procura questionar o argumento segundo o qual, a Constituição de 1988 trouxe direitos
excessivos, sendo assim, uma utopia inviável e ineficaz. Para isso, busca-se
destacar as conquistas sociais da nossa Carta Magna, entretanto, observa-se que
ainda há muito que se avançar no sentido da expansão e aquisição de novos
direitos.
Esperamos que gostem e
participem.
Palloma Borges, monitora
da disciplina “Economia Política e Direito” da Universidade Federal Fluminense.
A
promulgação da Constituição em 1988 representou uma promessa de superação
definitiva do passado autoritário brasileiro. Tal compromisso encontrava-se
fundado, sobretudo, na ampla mobilização social que antecedeu a aprovação do
respectivo texto final, opondo-se aos documentos constitucionais anteriores,
desprovidos de participação popular.
Daí
a denominação “Constituição cidadã”. A vigência, a partir de 1988, dos mais
variados direitos de índole coletiva (direitos dos trabalhadores, tutela ao
meio ambiente, sistema público de saúde universal, proteção aos consumidores,
respeito à identidade cultural dos indígenas, entre outros), somados a uma
série de limites impostos à atividade punitiva do Estado (tais como presunção
de inocência, acesso incondicionado à justiça, devido processo legal,
maioridade penal aos 18 anos etc.), revelava possibilidades emancipatórias
oriundas do ativismo social.
Acordos
entre as elites
O
problema é que as condições políticas que antecederam e sobrevieram aos
trabalhos da Constituinte (1987-1988) não foram e ainda não são favoráveis à
efetivação desses valores coletivos. Pelo contrário, permitem a persistência de
um amplo processo de supressão de direitos, ainda que muitos deles tenham
recebido o statusdecláusula pétrea (imodificáveis, portanto, até mesmo por
emendas constitucionais).
É
necessário lembrar, nesse aspecto, que toda a mobilização social durante a
elaboração da Constituição contrastou com o processo de circulação das elites
políticas a portas fechadas do regime ditatorial pós-1964 para a chamada Nova
República. Os acordos, desprovidos de participação popular, entre setores
políticos possibilitaram, paradoxalmente sob o manto da democracia, a chegada à
chefia do Executivo de um líder do regime anterior.
A
Nova República não levou o país ao que Mészáros chama de mudança de época. O
tempo histórico da expansão do capital a todo custo, promotor do golpe de 1964,
manteve-se quando militares deram lugar a civis na Presidência.
Decorre
desse quadro o ataque aos direitos já durante os trabalhos da Constituinte. Tal
ataque ocorreu tanto pelo grupo parlamentar mais conservador (conhecido como
Centrão) como por interferências políticas diretas vindas do Executivo.
A
despeito de não terem logrado impedir a previsão constitucional de direitos de
índole coletiva nem limites à atuação punitiva estatal, o fato é que os
conservadores conseguiram impedir a previsão de uma série de outros direitos
dotados de potencial aprofundador do projeto de construção de sociedade livre
justa e solidária, estampado no artigo 3º, I, da Constituição: o
estabelecimento de uma reforma agrária tímida, a não consecução, entre inúmeros
direitos sociais e trabalhistas, da jornada de trabalho de 40 horas semanais e
o não reconhecimento expresso do caráter plurinacional do Estado brasileiro
(como demandavam os povos originários) são apenas alguns exemplos de derrotas
da mobilização popular.
Além
do mais, vários direitos, apesar de consagrados, foram neutralizados já no
momento de sua elaboração, como o que estabelecia a função social da
propriedade (após muito confronto, ela foi introduzida com atraso de setenta
anos, mas a redação final reduziu drasticamente sua envergadura). Vários outros
foram postergados, deixando para que o legislador ordinário, futuramente,
regulamentasse o que a Constituição não conseguiu disciplinar (muitos deles não
regulamentados até hoje); ou ainda não ganharam efetividade, pois exigem
políticas públicas do Estado e, naturalmente, previsão orçamentária
satisfatória. Por fim, a abrangência esperada de determinadas normas
constitucionais terminou restrita ou fulminada pela interpretação que os tribunais
acabaram por lhes atribuir.
O
ataque neoliberal
Para
agravar, adveio o fenômeno do neoliberalismo. É certo que a onda neoliberal já
inundara a Europa desde a década de 1970, impondo a “relativização dos
direitos”, a “desregulamentação econômica” e a financeirização como processo
fundamental de controle da economia.
Em
tal período, contudo, o Brasil ainda se encontrava em processo de mobilização
contra a ditadura civil-militar e pela redação de uma nova ordem
constitucional. Por conta disso, o desmonte das conquistas sociais atingiu o
país com atraso de cerca de uma década. Foi na segunda metade da década de 1990
que o assalto aos direitos alcançados se tornou realmente feroz.
Refletindo
a ideologia neoliberal, o discurso predominante apontava no sentido de que os
direitos que assistiriam ao Estado assegurar não cabiam no orçamento, que a
eficiência econômica exigia a relativização ou supressão dos “pródigos”
direitos sociais, que a justiça social passava pela transferência de
responsabilidades aos indivíduos ou que a diminuição da violência exigia o
encarceramento como principal medida de controle.
O
apogeu da intensidade do ataque ideológico e jurídico ocorreu durante o período
Collor-FHC. Emendas constitucionais da época trouxeram drásticas modificações
na proteção previdenciária e trabalhista aos trabalhadores privados e públicos,
como a alteração reiterada na idade da aposentadoria e no cálculo do valor dos
benefícios (com a limitação generalizada a um teto) ou a redução para exíguos
dois anos da prescrição dos direitos trabalhistas.
Demandas
que levaram décadas para serem reconhecidas se viram pouco a pouco corroídas. A
maré da conquista de novos direitos virou e, em um processo que perdura até
hoje, deu lugar ao esforço de defesa dos poucos que, com muita luta, foram
conquistados.
É
o caso do ataque à garantia à maioridade penal aos 18 anos, que contrasta com a
ausência de efetividade das políticas públicas de proteção à infância e
adolescência (previstas na Constituição e no Estatuto da Criança e do
Adolescente). É também o caso da relativização, via jurisprudência, da
interpretação do princípio da presunção da inocência no momento em que o
cumprimento da pena passa a ser autorizado mesmo que não haja decisão judicial
definitiva condenando o acusado.
A
necessária mobilização
O
discurso neoliberal faz crer que a Constituição de 1988 trouxe direitos
excessivos e é, assim, uma utopia inviável e ineficaz. Essa mesma ideologia
contamina os setores populares, que se veem acuados numa posição de defesa dos
“muitos” direitos que a Constituição teria legado.
É
preciso desmontar essa armadilha ideológica. A Constituição contém conquistas
sociais, inegavelmente, se comparada com a ordem jurídica herdada do período
ditatorial. Se comparada, porém, às muitas demandas frustradas ou neutralizadas
durante e após sua redação, verifica-se que ela foi parcimoniosa, e não
pródiga, na consagração de direitos.
Impõe-se
abandonar a posição defensiva e voltar à luta no sentido da expansão e
aquisição de novos direitos. Luta que se dá no campo político e social, mas
também pelas potencialidades no campo jurisdicional da Constituição de 1988.
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